Estrela de neutrões é devorada por buraco negro

2005-12-20

Em cima: Imagem do VLT no visível, obtida a 24 de Julho de 2005, 12 horas depois da fulguração, mostrando a posição da GRB 050724, tal como foi medida em raios-X pelo Swift (XRT) e pelo Chandra. A cruz azul indica a posição da emissão pós-fulguração no visível. As posições da fulguração foram sobrepostas a uma galáxia vermelha com z=0,258. Em baixo: a diferença entre as duas imagens do VLT, obtidas a 24 e a 29 de Julho, revelam claramente a presença da fulguração. Crédito: ESO.
Uma equipa internacional de astrónomos anunciou a descoberta de mais uma fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
de curta duração - a terceira - associada a uma galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
elíptica vizinha. A fulguração foi seguida por uma emissão pós-fulguração de longa duração.

As fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
, ou GRB’s ( do inglês Gamma-Ray Bursts), as mais poderosas explosões que se conhecem no Universo, podem ser de longa duração ou de curta duração. Durante os últimos anos, tem-se mostrado que as fulgurações de longa duração estão relacionadas com explosões de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
– as hipernovas.

Muito recentemente, observações realizadas por diferentes equipas – incluindo as colaborações GRACE e MISTICI, que usam telescópios do ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
– do pós-resplendor de duas GRB’s de curta duração forneceram a primeira evidência conclusiva de que esta classe de fenómenos tem provavelmente origem na colisão de objectos compactos, como estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
ou buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
(ver notícia 12/10/2005).

A 24 de Julho de 2005, o satélite Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/PPARC/ASI) detectou mais uma fulguração de curta duração, a GRB 050724. Observações subsequentes, incluindo algumas realizadas com o VLT
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(ESO), permitiram localizar com precisão o objecto, a 13 000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância de uma galáxia elíptica que, por sua vez, está a 3000 milhões de anos-luz da Terra (a um desvio para o vermelho
desvio para o vermelho (z)
Designa-se por desvio para o vermelho (em inglês, redshift) o desvio do espectro de um objecto para comprimentos de onda mais longos. O desvio para o vermelho pode dever-se ao movimento do objecto a afastar-se do observador (desvio de Doppler), ou à expansão do Universo (desvio para o vermelho cósmico, ou gravitacional). O desvio para o vermelho cósmico permite estimar a distância a que o objecto se encontra: quanto maior o desvio, mais distante o objecto. O desvio de Doppler permite calcular a velocidade a que o objecto se desloca.
de 0,258).

As características desta galáxia permitem inferir que ela contém apenas estrelas muito velhas. A galáxia é semelhante à galáxia hospedeira de uma prévia fulguração de raios gama de curta duração, GRB 050509B, que pôde ser localizada com precisão, e é muito diferente das galáxias hospedeiras de GRB’s de longa duração.

As observações realizadas vêm assim confirmar que as fulgurações de raios gama de longa e de curta duração ocorrem em populações distintas e consequentemente, os mecanismos que as originam são significativamente diferentes.

As observações mostram ainda que esta GRB de curta duração libertou entre 100 a 1000 vezes menos energia que uma GRB de longa duração. A fulguração foi seguida, 200 a 300 segundos depois, por uma emissão menos energética. Os cientistas consideram pouco provável que esta segunda emissão pudesse ter sido produzida pela fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de duas estrelas de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
e concluem que o cenário mais provável seja o da colisão de uma estrela de neutrões com um buraco negro. Com efeito, num fenómeno deste tipo, a estrela de neutrões pode ser apenas parcialmente despedaçada no primeiro choque e, o que dela resta, fica em órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
em torno do buraco negro. Na maior aproximação ao buraco negro (periastro), a estrela de neutrões transfere massa, e quando ficar reduzida a duas décimas da massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
, então expande-se até ser destruída. Esta actividade pode estender-se por algumas dezenas de segundos, o que não acontece quando se trata de duas estrelas de neutrões.

Os resultados foram publicados na Nature a 15 de Dezembro de 2005, por Scott Barthelmy e a sua equipa.

Fonte da notícia: http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2005/pr-32-05.html