Resolvido mistério cósmico com 35 anos

2005-10-12

Em cima: As imagens a, b, c e d ilustram as diversas fases de um buraco negro devorando uma estrela de neutrões. Crédito: Dana Berry/NASA. Ao meio: e, f,g e h representam uma sequência de imagens do Hubble, mostrando pós-resplendor e a galáxia hospedeira da GRB de curta duração detectada pelo HETE a 9 de Julho de 2005. As imagens foram tiradas, respectivamente, a 5.6, 9.8, 18.6 e 34.7 dias, pós GRB, e verifica-se que o brilho pós fulguração (representado pelo ponto brilhante à esquerda nas primeiras imagens) se vai desvanecendo. As cores indicam a intensidade de luz vermelha (814nm) observada pelo Hubble. Crédito: Derek Fox/Penn State University. Em baixo:Imagem do Hubble mostrando o céu em torno da GRB detectada pelo HETE a 9 de Julho. O círculo indica a região do céu que estava a ser observada pelo HETE, quando detectou a fulguração. O pequeno quadrado indica onde foram identificadas as posteriores emissões (raios-X e banda óptica). Crédito: Derek Fox/Penn State University.
Os cientistas resolveram finalmente um mistério com 35 anos, relacionado com a origem dos poderosos flashes de luz denominados fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
de curta duração. Estes flashes, mais brilhantes do que mil milhões de sóis, têm sido difíceis de registar devido à sua duração tão curta, da ordem de uns escassos milissegundos. As fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
foram descobertas pelo Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ASI/PPARC) e pelo HETE-2
High Energy Transient Explorer (HETE)
Satélite da NASA, colocado em órbita a 9 de Outubro de 2000, concebido para efectuar o primeiro estudo, em múltiplos comprimentos de onda, das fulgurações de raios gama, possuindo instrumentos sensíveis aos raios ultravioleta, raios-X, e raios gama. Uma característica única deste observatório é a capacidade de localizar fulgurações de raios gama com uma precisão de 10 segundos arco e de, quase em tempo real, enviar a posição medida para uma rede de observatórios terrestres, o que permite uma rápida monitorização no rádio, infravermelho e visível.
(NASA) e o estudo dos dados provenientes destes satélites, bem como de outros telescópios, revelou que a sua origem está na colisão entre um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
e uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
, ou então na colisão entre duas estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
. No primeiro caso, o buraco negro engole a estrela de neutrões e cresce, enquanto que no segundo, as duas estrelas de neutrões se fundem para dar origem a um buraco negro.

As fulgurações de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
ou GRBs (do inglês gama ray bursts ), as mais poderosas explosões que se conhecem, foram detectadas, pela primeira vez, no final dos anos sessenta. Há 35 anos que os astrónomos se questionam sobre a sua origem. Acontecem de uma forma aleatória e fugaz, podendo ocorrer em qualquer região do céu. São tão difíceis de detectar como o flash de uma máquina fotográfica, algures, num enorme estádio desportivo. Por esta razão, várias equipas de cientistas combinaram os seus esforços de uma forma sem precedentes, utilizando uma grande quantidade de telescópios e de satélites da NASA, para tentarem resolver este mistério.

Há dois anos, os cientistas tinham descoberto que as GRBs de maior duração (com mais de dois segundos) provinham da explosão de estrelas de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
. No entanto, verificou-se que 30% das fulgurações duram menos que dois segundos. Desde Maio passado, foram detectadas quatro GRBs de curta duração. Duas delas foram descritas em quatro artigos publicados na edição de 6 de Outubro da revista Nature. O Swift e o HETE, responsáveis pelas descobertas, retransmitiram rapidamente e de forma autónoma as coordenadas dos eventos para os investigadores e para os observatórios, via telemóvel ou via correio electrónico.

Uma das fulgurações ocorreu a 9 de Maio de 2005 e foi detectada pelo Swift. Este evento marcou a primeira vez em que os cientistas conseguiram identificar emissões pós fulguração, para uma GRB de curta duração - só era comum observarem-se após GRBs de longa duração. A descoberta foi assunto de uma notícia da NASA, a 11 de Maio. A outra fulguração deste tipo ocorreu a 9 de Julho e foi detectada pelo HETE. Foi-lhe atribuído o nome de GRB 050709 e consistiu num forte relâmpago de raios-gama, com a duração de 100 milissegundos, seguido de um longo e suave pulso de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
, que foi depois detectado e analisado pelo Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA). O complemento óptico do sinal foi identificado através do telescópio dinamarquês de 1,5m situado em La Silla, no Chile. A equipa responsável pelo estudo continuou as observações através do Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), dos telescópios du Pont e Swope em Las Campanas, Chile, do telescópio Subaru
Subaru Telescope
O Telescópio Subaru é um telescópio óptico e de infravermelhos, com um espelho de 8,2 m de diâmetro. O Subaru encontra-se no Observatório de Mauna Kea, no Havai, e é operado pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão – NAOJ e pelo Instituto Nacional de Ciências Naturais.
(NAOJ) em Mauna Kea, Havai e do VLA
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
(NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
). A observação desta fulguração nos diversos comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
forneceu todas as peças do puzzle para a resolução do mistério.

Os poderosos telescópios não detectaram qualquer supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
, à medida que a GRB se ia tornando mais ténue, logo não se tratava do efeito de uma explosão de uma estrela de grande massa. Além disso, a fulguração de 9 de Julho (e provavelmente também a de 9 de Maio) foi localizada na periferia da sua galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
hospedeira. É nesta zona que normalmente se encontram os sistemas binários envelhecidos, compostos por estrelas de neutrões e buracos negros, que levaram milhares de milhões de anos a formar-se - note-se que duas estrelas de massa muito elevada, compondo um sistema binário, levam muito tempo até atingirem a fase de estrelas de neutrões ou buracos negros; a transição para qualquer uma destas fases finais envolve uma explosão do tipo supernova, tão forte que pode afastar o sistema binário para longe da sua posição inicial, junto à fronteira da sua galáxia hospedeira.

Assim, a fulguração de 9 de Julho (tal como outra acontecida mais tarde, a 24 de Julho) mostrou sinais únicos que apontam para a fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
, não apenas de duas estrelas compactas, mas, mais especificamente, de um buraco negro com uma estrela de neutrões. Os cientistas observaram os feixes de raios-X emitidos após a GRB inicial. Os raios gama, fugazes, indicaram possivelmente o momento em que o buraco negro engoliu a maior parte da estrela de neutrões, enquanto que as emissões de raios-X, nos minutos e horas seguintes, se relacionaram com a queda dos pedaços de estrela de neutrões que restavam dentro do buraco negro. Recriando o fenómeno, podemos dizer que a estrela de neutrões foi esticada pelo buraco negro, adquirindo a forma de um crescente; seguidamente o buraco negro engoliu-a quase na sua totalidade, entretendo-se depois a apanhar as migalhas que restavam, durante os minutos e horas que se seguiram.

Estas descobertas podem vir a ser muito úteis na detecção de ondas gravitacionais. Com efeito, uma fusão deste tipo constitui um evento tão poderoso que cria ondas gravitacionais - perturbações na curvatura do espaço-tempo
curvatura do espaço-tempo
Designa-se por curvatura do espaço-tempo a deformação nele introduzida pela presença de matéria, no contexto da Teoria da Relatividade Geral.
, que foram previstas por Einstein, não tendo sido ainda detectadas. A explosão de 9 de Julho aconteceu a cerca de dois mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
. Uma explosão de iguais proporções que tivesse acontecido mais perto da Terra poderia, eventualmente, ser detectada pelo interferómetro LIGO. Se o Swift detectar uma GRB de curta duração a uma menor distância, os cientistas do LIGO podem saber quando e para onde devem olhar para procurarem ondas gravitacionais. A fusão de um buraco negro e uma estrela de neutrões gera ondas gravitacionais mais fortes que a fusão de duas estrelas de neutrões. A questão reside em saber até que ponto o primeiro tipo de fusão é mais comum e se pode acontecer a menores distâncias. O Swift parece poder fornecer a resposta.

Fonte da notícia: http://www.nasa.gov/mission_pages/swift/bursts/short_burst_oct5.html