Astrónomos clamam a descoberta de um décimo planeta

2005-08-02

Em cima: três imagens do céu obtidas com um intervalo de tempo de cerca de 90 minutos. O círculo branco identifica o objecto 2003UB313, cujo movimento diferente dos restantes objectos indica que se trata de um objecto do Sistema Solar. Crédito: Samuel Oschin Telescope, Palomar Observatory. No meio: o sistema solar visto de cima; os 4 círculos a preto mostram as órbitas de Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno; o Sol é a bola amarela central (se a Terra estivesse aqui representada eestaria dentro do amarelo); a vermelho estão as órbitas dos dois planetas mais exteriores do Sistema Solar - Plutão e 2003UB313 - e a sua posição actual. Crédito: M. Brown et al. 2005. Em baixo: comparação da quantidade de luz solar reflectida pelo novo planeta com a luz solar reflectida por Plutão. As setas indicam características de reflectividade de superfícies cobertas por metano gelado sólido, que ambos os planetas apresentam. Crédito: M. Brown et al. 2005.
Uma equipa de astrónomos anunciou a descoberta de um novo planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
do nosso Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
. O objecto, de nome oficial 2003UB313, é um objecto da Cintura de Kuiper
Cintura de Kuiper
A Cintura de Kuiper é uma região em forma de disco, localizada depois de Neptuno, entre 30 e 50 UA do Sol. É constituída por muitos pequenos corpos gelados, restos da formação do Sistema Solar, e é a fonte dos cometas de curto-período. O primeiro objecto da Cintura de Kuiper, 1992QB1, com 240 km de diâmetro, só foi descoberto em 1992, mas desde então já se conhecem centenas de objectos da Cintura de Kuiper (KBO, do inglês Kuiper Belt Object). Há astrónomos que consideram Plutão, e a sua lua Caronte, objectos da Cintura de Kuiper.
, mas o seu tamanho relativamente aos nove planetas que se conhecem, fazem com que 2003UB313 deva ser classificado como planeta.

Os responsáveis pela descoberta são M. Brown (Instituto Tecnológico da Califórnia), C. Trujullo (Observatório Gemini
Observatório Gemini
O Observatório Gemini é constituído por dois telescópios idênticos de 8,1 metros, um no Observatório de Mauna Kea, no Havai (Gemini Norte) e outro no Cerro Pachón, no Chile (Gemini Sul). As localizações estratégicas dos telescópios providenciam uma cobertura total do céu do Norte e do Sul. O Gemini é um consórcio internacional entre os Estados Unidos da América, o Reino Unido, o Canadá, o Chile, a Austrália, a Argentina e o Brasil, e é operado pela AURA.
) e D. Rabinowitz (Universidade de Yale, EUA). Os investigadores fotografaram o objecto pela primeira vez em 31 de Outubro de 2003, com o Telescópio Samuel Oschi, no Observatório Palomar (Califórnia). Mas o planeta encontrava-se tão longe que o seu movimento só foi detectado quando reanalisaram os dados em Janeiro deste ano.

Actualmente o novo planeta encontra-se a 97 Unidades Astronómicas
unidade astronómica (UA)
Unidade de distância, definida como a distância média entre a Terra e o Sol, que corresponde a 149 597 870 km, ou 8,3 minutos-luz.
do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e é o objecto conhecido mais distante no Sistema Solar. Quanto ao seu brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
, é o terceiro objecto mais brilhante da Cintura de Kuiper. O novo planeta estará visível nos próximos seis meses, na direcção da Baleia.

A órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de 2003UB313 é mais excêntrica do que a de Plutão
Plutão
Plutão é, na maior parte do tempo, o nono e último planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas devido à sua órbita excêntrica, durante algum tempo aproxima-se mais do Sol do que Neptuno. É um planeta singular em muitos aspectos: é o mais pequeno (cerca de 1/500 o diâmetro da Terra), tem uma composição muito rica em gelos, possui a órbita mais excêntrica e inclinada em relação à eclíptica, e tem, tal como Úrano, o seu eixo de rotação muito inclinado (122º) em relação à eclíptica.
. Plutão orbita o Sol cada 250 anos a uma distância que vai de 30 a 50 UA, enquanto que 2003UB313 move-se a distâncias do Sol entre 38 e 97 UA, num período de 560 anos. A imagem ao lado esquematiza as órbitas dos dois planetas mais exteriores do nosso Sistema Solar e indica as suas posições actuais. Tal como a órbita de Plutão, a órbita de 2003UB313 está inclinada relativamente à eclíptica
eclíptica
A eclíptica é a linha de intersecção do plano da órbita da Terra à volta do Sol com a esfera celeste. Coincide com a trajectória aparente que o Sol descreve ao longo das 12 constelações do Zodíaco e ainda da Constelação de Ofiúco, durante um ano terrestre. Dado que o equador da Terra faz um ângulo de 23°27'30'' com o plano da órbita da Terra, a eclíptica também faz um ângulo de 23°27'30'' com o equador celeste, intersectando-o nos dois pontos equinociais.
, formando com esta um ângulo de 45°.

Nos últimos sete meses, os investigadores têm estudado o planeta de forma a determinar o melhor possível o seu tamanho, movimento e características.

A luz solar reflectida pelos objectos indica a composição destes. Observações conduzidas no Observatório Gemini permitem já dizer que a superfície do novo planeta é bastante semelhante à de Plutão. A imagem ao lado mostra a luz solar reflectida no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
para os dois planetas. Os "vales" nos espectros, indicados pelas setas, são fortes indicadores, para ambos os planetas, da superfície estar coberta por metano gelado sólido. Contudo, Plutão e 2003UB313 não são completamente idênticos - Plutão é moderadamente vermelho, enquanto que o novo planeta é praticamente cinzento.

O tamanho de um objecto do Sistema Solar pode ser determinado através do seu brilho - tal como se pode determinar o tamanho de uma lâmpada colocada a uma certa distância, se se souber a sua potência.

A questão que se coloca é saber quanto da luz solar que chega ao planeta é reflectida por este (o chamado albedo
albedo
O albedo é uma medida da reflectividade de um astro, definida como a razão entre a quantidade de luz reflectida pelo astro e a quantidade de luz recebida. A reflexão total corresponde a um albedo de 1.
). Não se sabendo o albedo do planeta, só se pode inferir um limite inferior para o tamanho do objecto, calculando as suas dimensões assumindo um albedo de 1 (ou seja, supondo que o planeta reflecte 100% da luz solar). E este limite inferior ainda coloca o novo objecto quase do tamanho de Plutão.

A relação entre o valor que se assume para o albedo e o diâmetro inferido para 2003UB313 é a seguinte:
- albedo = 1,00 então diâmetro = 2210 km (equivalente a 97% do tamanho de Plutão);
- albedo = 0,90 então diâmetro = 2330 km (equivalente a 102% do tamanho de Plutão);
- albedo = 0,80 então diâmetro = 2475 km (equivalente a 108% do tamanho de Plutão);
- albedo = 0,60 (semelhante ao albedo de Plutão) então diâmetro = 2860 km (equivalente a 125% do tamanho de Plutão);
- albedo = 0,38 (semelhante ao albedo de Caronte) então diâmetro = 3550 km (equivalente a 156% do tamanho de Plutão);

Por outro lado, pode-se calcular um limite superior para o tamanho do novo planeta se se tiver em conta que o Telescópio Espacial Spitzer
Spitzer Space Telescope
O Telescópio Espacial Spitzer é um telescópio de infravermelhos colocado em órbita pela NASA a 25 de Agosto de 2003. Este telescópio, anteriormente designado por Space InfraRed Telescope Facility (SIRTF), foi re-baptizado em homenagem a Lyman Spitzer, Jr. (1914-1997), um dos grandes astrofísicos norte-americanos do século XX. Espera-se que este observatório espacial contribua grandemente em diversos campos da Astrofísica, como por exemplo na procura de anãs castanhas e planetas gigantes, na descoberta e estudo de discos protoplanetários à volta de estrelas próximas, no estudo de galáxias ultraluminosas no infravermelho e de núcleos de galáxias activas, e no estudo do Universo primitivo.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) não o consegue detectar: o diâmetro não pode ser superior a 3200 km.

Plutão e 2003UB313 diferenciam-se dos outros 8 planetas. Mercúrio
Mercúrio
Mercúrio é o planeta mais próximo do Sol. É o mais pequeno dos planetas rochosos, com um diâmetro cerca de 40% menor do que o da Terra.
, Vénus
Vénus
É o segundo planeta mais próximo do Sol. Em termos de dimensões e massa é muito semelhante à Terra. A sua caracteristica mais marcante é possuir uma atmosfera de CO2 muito densa e um efeito de estufa muito intenso.
, Terra e Marte
Marte
Marte é o quarto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. É o último dos chamados planetas interiores. O seu diâmetro é cerca de 50% mais pequeno do que o da Terra e possui uma superfície avermelhada, sendo também conhecido como planeta vermelho.
são corpos rochosos, de tamanho médio, chamados planetas terrestres
planeta terrestre
Designa-se por planeta terrestre um planeta com densidade e tamanho comparável ao da Terra. No Sistema Solar são considerados planetas terrestres (ou telúricos) Mercúrio, Vénus, Terra, Marte e Plutão, e ainda se incluem os satélites naturais como a Lua, os satélites galileanos de Júpiter, Titã e Tritão, por exemplo.
. Por sua vez, Júpiter
Júpiter
Júpiter é o quinto planeta mais próximo do Sol. Com um diâmetro cerca de 11 vezes maior do que a Terra e uma massa mais de 300 vezes superior, é o maior planeta do Sistema Solar e o primeiro dos planetas gigantes gasosos.
, Saturno
Saturno
Saturno é o sexto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 10 vezes o da Terra, é o segundo maior planeta do Sistema Solar. A sua característica mais marcante são os belos anéis que o rodeiam.
, Úrano
Úrano
É o sétimo planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. Com um diâmetro cerca de 4 vezes superior ao da Terra é o terceiro planeta gigante gasoso. A sua característica mais marcante é o facto de o seu eixo de rotação estar inclinado cerca de 97º em relação à eclíptica.
e Neptuno
Neptuno
Neptuno é, a maior parte do tempo, o oitavo planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas por vezes é o nono, quando Plutão, na sua órbita excêntrica, se aproxima mais do Sol. Neptuno, de cor azulada devido à presença de metano na sua atmosfera, possui uma atmosfera onde ocorrem tempestades e ventos violentos. Com um diâmetro cerca de 4 vezes o da Terra, Neptuno é o menor e mais longíquo dos planetas gigantes gasosos.
são os chamados planetas gigantes gasosos
planeta joviano
Designam-se por planetas jovianos aqueles que se assemelham a Júpiter, ou seja, planetas gigantes com superfícies gasosas. No Sistema Solar, são planetas jovianos Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno.
. Os 8 planetas rodam à volta do Sol em órbitas quase circulares, que quase que assentam no mesmo plano. Ora os dois planetas mais exteriores, Plutão e 2003UB313, são compostos por gelo e rocha, possuem órbitas excêntricas
órbita excêntrica
Diz-se que uma órbita é excêntrica quando a sua excentricidade é elevada.
, e as órbitas não assentam no mesmo plano que as outras.

Faz tempo que os astrónomos discutem se Plutão deve ser considerado um planeta, pondo a descoberto a falta de exactidão na definição de planeta. Dadas as características físicas e cinemáticas de Plutão, argumenta-se que, do ponto de vista científico, Plutão não deve ser posto na mesma categoria dos outros planetas. O próprio M. Brown, há ano e meio, aquando da descoberta de Sedna (ver notícia de 17/3/2004), defendeu que há apenas 8 planetas e que Plutão, Sedna e todos os outros asteróides
asteróide
Um asteróide é um pequeno corpo rochoso que orbita em torno do Sol, com uma dimensão que pode ir desde os 100 m até aos 1000 km. A maioria dos asteróides encontra-se entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Também são designados por planetas menores.
de maior dimensão, não devem ser classificados como tal. Mas o tempo fê-lo mudar de ideias e, agora, M. Brown vem defender que Plutão deve ser agrupado com os restantes 8 planetas, assim como todos os objectos de dimensão comparável que orbitem o Sol. A sua argumentação não é científica, mas sim sociológica, defendendo que se o termo já está incutido na cultura das pessoas, então assim deve ficar.

Os descobridores de 2003UB313 já propuseram um nome para designar o novo planeta, mas ainda aguardam a decisão da União Internacional de Astronomia antes de o divulgar.

Fonte da notícia: http://www.jpl.nasa.gov/news/news.cfm?release=2005-126