Sedna, o objecto mais distante do Sistema Solar até agora detectado

2004-03-17

Em cima: a sequência de 3 imagens que levou à descoberta do planetóide 2003 VB12. Crédito: NASA/Caltech/M. Brown. No meio: comparação dos diâmetros da Terra, da Lua, de Plutão (o menor dos planetas do nosso sistema Solar), de Quaoar (o maior objecto da Cintura de Kuiper até hoje descoberto) e de Sedna, o objecto mais longe no Sistema Solar até hoje descoberto. Crédito: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (SSC-Caltech). Em baixo: órbita e posição de Sedna comparada com todos os outros objectos conhecidos do Sistema Solar. Crédito: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (SSC-Caltech).
Uma equipa de astrónomos, liderada por M. Brown (Instituto Tecnológico da Califórnia, EUA), descobriu um planetóide a 14 de Novembro de 2003, utilizando o Telescópio Samuel Oschin (Caltech), de 1,2 m, no Observatório Palomar. Em poucos dias, o objecto, que recebeu o nome temporário de 2003 VB12, foi observado por telescópios no Chile, em Espanha, no Arizona e no Havai.

Os astrónomos estimam que 2003 VB12 dista 13 mil milhões de quilómetros, ou seja, 90 vezes a distância Terra-Sol, o que faz deste planetóide o objecto mais distante no Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
a ser detectado até hoje. Outras características distinguem este objecto: a sua grande dimensão (entre 1/2 e 3/4 do tamanho de Plutão
Plutão
Plutão é, na maior parte do tempo, o nono e último planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas devido à sua órbita excêntrica, durante algum tempo aproxima-se mais do Sol do que Neptuno. É um planeta singular em muitos aspectos: é o mais pequeno (cerca de 1/500 o diâmetro da Terra), tem uma composição muito rica em gelos, possui a órbita mais excêntrica e inclinada em relação à eclíptica, e tem, tal como Úrano, o seu eixo de rotação muito inclinado (122º) em relação à eclíptica.
); a sua cor vermelha, pois a seguir a Marte
Marte
Marte é o quarto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. É o último dos chamados planetas interiores. O seu diâmetro é cerca de 50% mais pequeno do que o da Terra e possui uma superfície avermelhada, sendo também conhecido como planeta vermelho.
, é o objecto mais vermelho do Sistema Solar; e a sua órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
extremamente elíptica.

A equipa de investigadores responsável pela descoberta sugeriu à União Astronómica Internacional
International Astronomical Union (IAU)
A União Astronómica Internacional foi fundada em 1919, tendo por missão promover, coordenar e salvaguardar a Ciência da Astronomia, em todos os aspectos, através de colaboração internacional. Conta com mais de 8 300 membros individuais, e ainda com 66 países membros. É a entidade internacionalmente reconhecida como autoridade para a atribuição de designações de objectos celestes e de quaisquer características à sua superfície, como por exemplo crateras e vulcões.
que o planetóide 2003 VB12 fosse chamado oficialmente Sedna, como a deusa do Oceano Árctico da mitologia Inuit (esquimó), devido às suas temperaturas extremamente frias. O planetóide Sedna encontra-se muito longe do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, numa região muito fria do Sistema Solar, onde a temperatura não ultrapassa os –240°C. Mas, a maior parte do tempo, o planetóide encontra-se a temperaturas ainda mais negativas, pois na sua órbita de 10500 anos à volta do Sol, ele chega a estar a 130 mil milhões de quilómetros do Sol, ou seja, a 900 vezes a distância Terra-Sol!

Os astrónomos não podem medir o diâmetro do planetóide directamente, mas podem estimá-lo indirectamente: como sabem a distância a que Sedna se encontra, sabem a sua temperatura (cerca de –240°C); então, observando o planetóide com um telescópio térmico, que mede o calor
calor
O calor é energia em trânsito entre dois corpos ou sistemas.
do objecto observado, podem inferir o seu tamanho. As tentativas de observação de Sedna com o Telescópio Espacial Spitzer
Spitzer Space Telescope
O Telescópio Espacial Spitzer é um telescópio de infravermelhos colocado em órbita pela NASA a 25 de Agosto de 2003. Este telescópio, anteriormente designado por Space InfraRed Telescope Facility (SIRTF), foi re-baptizado em homenagem a Lyman Spitzer, Jr. (1914-1997), um dos grandes astrofísicos norte-americanos do século XX. Espera-se que este observatório espacial contribua grandemente em diversos campos da Astrofísica, como por exemplo na procura de anãs castanhas e planetas gigantes, na descoberta e estudo de discos protoplanetários à volta de estrelas próximas, no estudo de galáxias ultraluminosas no infravermelho e de núcleos de galáxias activas, e no estudo do Universo primitivo.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
) resultaram na ausência de detecção deste planetóide. Assim, os investigadores concluem que Sedna tem menos de 1800 km de diâmetro, pois, se fosse maior, o Spitzer teria detectado o seu calor. Conjugando todos os dados observacionais, a equipa estima que Sedna tem um tamanho intermédio entre Plutão, o menor dos planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
do nosso Sistema Solar, e Quaoar, o maior objecto que se conhece da Cintura de Kuiper
Cintura de Kuiper
A Cintura de Kuiper é uma região em forma de disco, localizada depois de Neptuno, entre 30 e 50 UA do Sol. É constituída por muitos pequenos corpos gelados, restos da formação do Sistema Solar, e é a fonte dos cometas de curto-período. O primeiro objecto da Cintura de Kuiper, 1992QB1, com 240 km de diâmetro, só foi descoberto em 1992, mas desde então já se conhecem centenas de objectos da Cintura de Kuiper (KBO, do inglês Kuiper Belt Object). Há astrónomos que consideram Plutão, e a sua lua Caronte, objectos da Cintura de Kuiper.
(ver notícia 15/10/2002).

Um dos aspectos mais interessantes deste novo objecto é a sua órbita. Depois da descoberta de Sedna, em Novembro de 2003, os investigadores pesquisaram os arquivos de observações e conseguiram seguir Sedna até 2001. Na posse de observações que abrangem um intervalo de tempo de 3 anos, os astrónomos já conhecem razoavelmente bem a órbita deste planetóide e estimam que o seu periélio
periélio
O periélio é o ponto da órbita de um corpo que orbita o Sol em que este se encontra mais próximo do Sol.
é 76±7 UA
unidade astronómica (UA)
Unidade de distância, definida como a distância média entre a Terra e o Sol, que corresponde a 149 597 870 km, ou 8,3 minutos-luz.
.

A determinação da órbita de Sedna veio mostrar que é pouco provável que este planetóide seja um objecto da Cintura de Kuiper: a sua trajectória nunca o leva a essa região. A Cintura de Kuiper termina abruptamente a 50 UA do Sol e Sedna não se aproxima do Sol mais do que 76 UA. Mesmo os objectos da Cintura de Kuiper que chegam a grandes distâncias do Sol, comparáveis à distância a que Sedna alcança, têm periélios muito menores, a cerca de 35 UA.

A órbita de Sedna, para além de levar este planetóide muito longe, é extremamente elíptica, muito mais do que qualquer outro objecto do Sistema Solar. Uma hipótese é que Sedna pertence à Nuvem de Oort
Nuvem de Oort
A Nuvem de Oort é uma nuvem esférica que rodeia o Sistema Solar, constituída por pequenos corpos gelados, resíduos da formação do Sistema Solar. Embora não existam observações directas dos objectos desta nuvem, acredita-se que seja o reservatório da maior parte dos cometas que entram no Sistema Solar interior, os cometas de longo-período. Os astrónomos estimam que a Nuvem de Oort estende-se entre 50 000 e 100 000 UA. A Nuvem de Oort foi proposta pelo astrónomo J. Oort em 1950.
. O facto de Sedna se encontrar 10 vezes mais perto do Sol do que a Nuvem de Oort (supostamente a meio caminho da estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
mais próxima do Sol), leva a equipa de investigadores a especular sobre a existência de uma Nuvem de Oort interior. Os investigadores sugerem que a origem desta Nuvem de Oort interior é a mesma que a da Nuvem de Oort exterior. No início da história do Sistema Solar, depois da formação dos planetas, sobrou material que ficou a orbitar o Sol sob a forma de pequenos corpos. Quando estes pequenos corpos se aproximavam dos planetas gigantes, eram lançados para fora do Sistema Solar; muitos terão sido ejectados para o espaço interestelar, mas alguns terão acabado na Nuvem de Oort, a orbitar o Sol a uma distância enorme. A Nuvem de Oort interior terá sido formada do mesmo modo, mas a influência de estrelas vizinhas terão aproximado mais os pequenos corpos. A existência da Nuvem de Oort interior é um forte argumento a favor do Sol ter nascido num agrupamento coeso de estrelas.

Observações com o telescópio de 1,3 m do CTIO
Cerro Tololo Inter-American Observatory (CTIO)
O CTIO é um observatório astronómico situado a 2200 m de altitude no Cerro Tololo, em pleno deserto de Atacana, a 80 km de La Serena (Chile). No observatório encontram-se vários telescópios ópticos e um radio telescópio. Desde Fevereiro de 2003, o CTIO só opera o telescópio Vitor Blanco, de 4 m, sendo os restantes telescópios (0,9 m, 1,3 m, e 1,5m) operados pelo consorte SMARTS. Dois outros telescópios, o Teelscópio Curtis Schmidt e o Teelscópio de Yale, de 1 m, encontram-se fechados. A sudeste de Cerro Tololo, fica o Cerro Pachon, local onde se encontram os telescópios Gemini Sul, de 8 m, e o SOAR, de 4 m.
(SMARTS
Small and Moderate Aperture Research Telescope System (SMARTS)
O SMARTS é um consórcio formado para operar os telescópios de 0,9 m, 1,3 m e 1,5 m do CTIO. São membros do SMARTS: o Museu Americano de História Natural, o CTIO, a Universidade de Delaware, a Universidade de Fisk, a Universidade Estatal da Georgia, a NOAO, a Universidade do Norte do Arizona, a Universidade Estatal de Ohio, o STScI, a Universidade SUNY-Stony Brook, a Universidade Vanderbilt e a Universidade de Yale.
), no Chile, determinaram que Sedna roda sobre si mesmo uma vez em cada 40 dias – de todos os objectos do Sistema Solar, só Mercúrio
Mercúrio
Mercúrio é o planeta mais próximo do Sol. É o mais pequeno dos planetas rochosos, com um diâmetro cerca de 40% menor do que o da Terra.
e Vénus
Vénus
É o segundo planeta mais próximo do Sol. Em termos de dimensões e massa é muito semelhante à Terra. A sua caracteristica mais marcante é possuir uma atmosfera de CO2 muito densa e um efeito de estufa muito intenso.
é que rodam mais devagar. Uma hipótese avançada para explicar a rotação tão lenta é que esta é causada pelo efeito de um lua! Para tirar a limpo a existência de um satélite a orbitar o planetóide, já estão planeadas observações com o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
).

As observações com o telescópio de 1,3 m do CTIO revelaram ainda, para grande surpresa dos astrónomos, que Sedna é um dos objectos mais vermelhos do Sistema Solar, quase tão vermelho quanto Marte. Para averiguar a superfície do planetóide, já se deram início a observações com o Telescópio Gemini Norte
Observatório Gemini
O Observatório Gemini é constituído por dois telescópios idênticos de 8,1 metros, um no Observatório de Mauna Kea, no Havai (Gemini Norte) e outro no Cerro Pachón, no Chile (Gemini Sul). As localizações estratégicas dos telescópios providenciam uma cobertura total do céu do Norte e do Sul. O Gemini é um consórcio internacional entre os Estados Unidos da América, o Reino Unido, o Canadá, o Chile, a Austrália, a Argentina e o Brasil, e é operado pela AURA.
e com o Telescópio Keck
W. M. Keck Observatory
O Observatório W. M. Keck é operado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e pela NASA, e encontra-se localizado em Mauna Kea, no Havai. O observatório é constituído por dois telescópios gémeos de 10 metros, o Keck I e o Keck II.
.

Sedna foi descoberta no âmbito de um levantamento do Sistema Solar exterior, que utiliza a câmara QUEST e o Telescópio Samuel Oschin, no Observatório Palomar. O levantamento decorre desde Outubro de 2001 e já foram encontrados 40 objectos da Cintura de Kuiper. Ao longo dos próximos 72 anos, Sedna aproximar-se-á e tornar-se-á mais brilhante. A última vez que Sedna esteve assim perto do Sol, a Terra ainda estava a sair da última Idade do Gelo.

Fonte da notícia: http://www.spitzer.caltech.edu/Media/releases/ssc2004-05/release.shtml
e http://www.gps.caltech.edu/%7Embrown/sedna/