Troca interestelar com o nosso Sistema Solar

2004-12-08

O nosso Sol e uma estrela transeunte podem ter efectuado uma troca de matéria - asteróides e poeira - quando se aproximaram a cerca de 150-200 UA, há 4 mil milhões de anos. Seguem-se quatro imagens da simulação computacional deste fenómeno. Na primeira figura, poeira e planetas orbitam, em discos circulares, as respectivas estrelas. Na segunda e terceira figuras, a passagem da estrela próximo do Sol faz com que a gravidade de cada estrela roube pequenos objectos do outro sistema. Por fim, na quarta figura, uma vez terminada a aproximação, cada sistema estelar possui uma mistura de poeira e asteróides do outro sistema. Crédito: University of Utah and Smithsonian Astrophysical Observatory.
S. Kenyon (Observatório Astrofísico Smithsonian, EUA) e B. Bromley (Universidade do Utah, EUA) apresentam, num artigo publicado na Nature, a simulação de uma troca interestelar que terá ocorrido quando uma estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
passou muito próximo do nosso Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, há mais de 4 mil milhões de anos. O Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
ter-lhe-á roubado objectos, essencialmente asteróides
asteróide
Um asteróide é um pequeno corpo rochoso que orbita em torno do Sol, com uma dimensão que pode ir desde os 100 m até aos 1000 km. A maioria dos asteróides encontra-se entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Também são designados por planetas menores.
, e a estrela terá levado material da região mais exterior do nosso Sistema Solar.

Esta conclusão teve como base o estudo do objecto Sedna (ver notícia de 17/3/2004), um asteróide quase do tamanho de Plutão
Plutão
Plutão é, na maior parte do tempo, o nono e último planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas devido à sua órbita excêntrica, durante algum tempo aproxima-se mais do Sol do que Neptuno. É um planeta singular em muitos aspectos: é o mais pequeno (cerca de 1/500 o diâmetro da Terra), tem uma composição muito rica em gelos, possui a órbita mais excêntrica e inclinada em relação à eclíptica, e tem, tal como Úrano, o seu eixo de rotação muito inclinado (122º) em relação à eclíptica.
, mas localizado a uma distância do Sol muito maior. A descoberta de Sedna intrigou os astrónomos, pois este asteróide leva 10 000 anos a percorrer uma órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
cujo ponto mais próximo do Sol se situa a 70 UA
unidade astronómica (UA)
Unidade de distância, definida como a distância média entre a Terra e o Sol, que corresponde a 149 597 870 km, ou 8,3 minutos-luz.
– muito depois da órbita de Neptuno
Neptuno
Neptuno é, a maior parte do tempo, o oitavo planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas por vezes é o nono, quando Plutão, na sua órbita excêntrica, se aproxima mais do Sol. Neptuno, de cor azulada devido à presença de metano na sua atmosfera, possui uma atmosfera onde ocorrem tempestades e ventos violentos. Com um diâmetro cerca de 4 vezes o da Terra, Neptuno é o menor e mais longíquo dos planetas gigantes gasosos.
!

A órbita de Sedna é suficientemente distante para que esteja fora do alcance gravitacional dos outros planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
. Por isso, Kenyon e Bromley decidiram investigar, através de simulações computacionais, se a passagem de uma estrela muito próximo do Sol pode ter gravitacionalmente deslocado objectos da Cintura de Kuiper
Cintura de Kuiper
A Cintura de Kuiper é uma região em forma de disco, localizada depois de Neptuno, entre 30 e 50 UA do Sol. É constituída por muitos pequenos corpos gelados, restos da formação do Sistema Solar, e é a fonte dos cometas de curto-período. O primeiro objecto da Cintura de Kuiper, 1992QB1, com 240 km de diâmetro, só foi descoberto em 1992, mas desde então já se conhecem centenas de objectos da Cintura de Kuiper (KBO, do inglês Kuiper Belt Object). Há astrónomos que consideram Plutão, e a sua lua Caronte, objectos da Cintura de Kuiper.
para órbitas como a de Sedna.

Por um lado, a estrela transeunte terá de ter passado suficientemente longe para não perturbar a órbita de Neptuno. Por outro lado, a passagem dessa estrela terá de ter ocorrido suficientemente tarde na história do nosso Sistema Solar, quando os objectos do tipo Sedna já se tinham formado na Cintura de Kuiper. A conclusão dos investigadores é que a passagem terá acontecido quando o Sistema Solar tinha pelo menos 30 milhões de anos, e não mais de 200 milhões de anos. Uma passagem à distância de 150 a 200 UA terá sido suficientemente perto para perturbar os objectos da Cintura de Kuiper, sem afectar os planetas mais próximos.

De acordo com as simulações, a acção da gravidade da estrela visitante “limpou” o Sistema Solar exterior a 50 UA, ao mesmo tempo que o nosso Sol lhe arrancava asteróides e planetóides. O modelo explica a órbita de Sedna e a terminação abrupta da Cintura de Kuiper, a cerca de 50 UA.

Mas de onde veio esta estrela? Se a sua visita ocorreu há mais de 4 mil milhões de anos, então qualquer suspeito já escapou da vizinhança solar. Actualmente, o Sol encontra-se numa região da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
com pouca densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de estrelas – a estrela mais próxima situa-se a 4 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
. Contudo, é muito provável que o Sol tenha nascido num enxame de estrelas denso – acredita-se que 90% de todas as estrelas formam-se em aglomerados com centenas a milhares de estrelas. Quanto mais denso o enxame, maior a probabilidade da passagem de uma estrela próximo do Sol.

As simulações computacionais indicam ainda que milhares, ou mesmo milhões de objectos da Cintura de Kuiper podem ser provenientes do sistema da estrela visitante. Mas até agora, nenhum foi identificado como tal. Sedna formou-se, provavelmente, no nosso Sistema Solar. O objecto com maior probabilidade de ter sido capturado é 2000 CR105, dada a sua órbita muito elíptica e com elevada inclinação relativamente ao plano do Sistema Solar.

O próximo passo para estes investigadores é calcular a densidade de objectos capturados no céu, de forma a dar início a um levantamento para a sua descoberta.

Fonte da notícia: http://www.cfa.harvard.edu/press/pr0434.html