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"Na ciência, o crédito vai para o homem que convence o mundo, não para o homem que primeiro teve a ideia."
- Sir Francis Darwin


Titã – “Terra à vista”!

2006-04-21

Imagem de Titã obtida pela sonda Cassini. Na imagem também são visíveis os anéis de Saturno (de perfil) e Epímeteus, outro dos satélites de Saturno. Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.
Este é o primeiro de uma série de artigos dedicados a Titã, a maior lua de Saturno, e que marca o nascimento de uma nova crónica no Portal do Astrónomo. Esta crónica será dedicada, em exclusivo, à divulgação de temáticas sobre ciências planetárias. Neste primeiro número será apresentada a missão Cassini-Huygens, os seus resultados e desafios, bem como novas interrogações que estão a emergir sobre esta lua misteriosa, mas que a pouco e pouco se vai dando a conhecer. As próximas edições serão dedicadas a temáticas específicas, nomedamente atmosfera, ambiente electromagnético, síntese química, e finalmente superfície e interior. Uma boa forma de começar é fazer referência ao Tema do Mês de Junho de 2002, aqui no Portal do Astrónomo. A leitura deste tema desenvolvido por David Luz, muito bem redigido por sinal, dá uma panorâmica geral sobre Titã. Aproveitem, ou reaproveitem! Além disso, permite perceber quais eram as grandes questões antes da chegada da sonda Cassini-Huygens ao sistema do gigante dos anéis. Uma outra referência importante é a página aqui também dedicada à própria missão Cassini-Huygens, da autoria de Maarten Roos-Serote, e que dá uma interessante perspectiva geral do projecto. Por estas razões procurar-se-á não repetir informação, a não ser para confirmar ou rejeitar hipóteses iniciais sobre Saturno e o seu sistema de luas.

O título deste artigo tem um duplo sentido. Por um lado, era uma expressão muito utilizada pelos navegadores, desde a antiguidade, quando rejubilavam pela descoberta de terra firme, mesmo que regressassem a casa. Esta expressão poderia também ser utilizada pelos sistemas a bordo da Cassini quando entraram em órbita de Saturno ou pela sonda Huygens quando pousou na superfície gelada de Titã. Por outro lado, esta afirmação tem também um sentido mais abrangente e profundo, pois actualmente não existe ambiente no Sistema Solar mais semelhante ao nosso planeta do que em Titã. Para muitos cientistas planetários, habituados a ver Marte como o "parente próximo" em relação à Terra, esta afirmação poderá parecer descabida, até porque Titã não é um planeta, mas sim uma lua. Porém, vejamos algumas curiosidades interessantes: A Terra tem um campo magnético global relevante, ao contrário de Marte e Titã; a Terra é bastante maior do que Marte, cujas dimensões são da mesma ordem de grandeza de Titã; na Terra existe vida, ao contrário do que sucede nestes outros corpos celestes (pelo menos por enquanto é assim!). Dito desta forma parecem não haver grandes semelhanças, mas há muitas. Na Terra há atmosfera, ionosfera, um ciclo hidrológico, a superfície é moldada pela actividade tectónica, existe erosão provocada por líquidos e ventos, possui vulcões activos, etc. Em resumo pode dizer-se que a Terra tem uma grande actividade geológica e atmosférica. Marte sugere ter sido assim num passado mais ou menos distante. Todavia, de acordo com os mais recentes resultados, em Titã parece que ainda é assim... O que faz uma grande diferença. Que fique claro, o objectivo não é marcar qualquer superioridade em relação a Marte, mas sim estabelecer as semelhanças com a Terra. Finalmente, há a interessantíssima questão da composição da atmosfera de Titã, que se pode assemelhar ao envelope gasoso da Terra primordial, e que pode funcionar como um laboratório natural, embora seguramente mais frio, para estudar a actividade pré-biótica terrestre e procurar estabelecer paralelismos entre os dois corpos celestes, mas em escalas de tempo diferentes.

Quando a missão Cassini-Huygens foi projectada e implementada, durante os anos oitenta e noventa, estas eram algumas das maiores questões sobre Titã: A superfície é sólida ou líquida? Qual será a sua composição? Haverá mesmo um oceano global de hidrocarbonetos? Porque razão existe tanto metano na atmosfera, sabendo-se que este é completamente destruído pela radiação solar ao fim de alguns milhões de anos? Haverá actividade geológica, nomeadamente tectónica? E vulcões activos? Qual a estrutura do interior de Titã? Até onde chegou a síntese de moléculas orgânicas? Será a estrutura da atmosfera semelhante à nossa? Como será o ambiente eléctrico de Titã? Haverá relâmpagos? Qual a influência de Saturno no ambiente de Titã? Existirá um oceano de água-amónia no subsolo? Qual a composição da bruma que permeia a atmosfera e nos impede de ver com nitidez a superfície? Estará o metano presente devido a processos biológicos? Haverá mesmo um ciclo "metanológico", semelhante ao hidrológico da Terra? Qual a influência da radiação solar, raios cósmicos e magnetosfera de Saturno nas camadas exteriores de Titã? Qual é a estrutura e o perfil dos ventos desde a superfície até à alta atmosfera? Seria Titã muito diferente no passado? Qual a sua evolução desde a formação do sistema solar? Estas eram algumas das questões às quais os cientistas pretendiam dar resposta. Algumas destas questões foram encontradas mesmo antes da sonda atingir o seu destino, outras foram respondidas a partir da análise dos dados enviados pela Cassini e pela Huygens. Umas quantas continuam ainda à espera de resposta satisfatória. O mais aliciante, porém, é que novas questões estão já a surgir, as quais irão também ser abordadas nas próximas crónicas.