AVISO

Ditos

"A sua teoria é louca, mas não o suficiente para ser verdadeira."
- Niels Bohr, para um jovem cientista


Já não olhamos as estrelas

2006-02-02
Simba: Pai?
Mufasa: Sim?
Simba: Somos amigos, não é?
Mufasa: Somos.
Simba: E estaremos sempre juntos?
Mufasa: Simba, dir-te-ei algo que o meu pai me disse... Olha as estrelas. Os grandes reis do passado olham-nos desde essas estrelas.
Simba: A sério?
Mufasa: Sim... assim quando te sentires sozinho lembra-te que esses reis estarão lá para te guiar... e eu também.
“O Rei Leão” (“The Lion King”, 1994)

Esses pequenos pontos de luz que brilham na obscuridade da noite são cada vez menos visíveis para as gerações criadas em grandes cidades. Tal como diz o Senhor K em “Homens de preto” (“Men in Black”, 1997), "Já não olhamos as estrelas". No entanto, durante grande parte da história o firmamento foi um ponto de referência fundamental para a vida diária dos homens. O movimento da esfera celeste servia para calcular o decurso do tempo e determinar os calendários e, a partir deles, estimar o melhor momento para cultivar, a época de adorar aos deuses e uma multidão de detalhes que regiam a vida diária.

Espreitando o céu vemos que as estrelas tendem a agrupar-se numa trilha de luz difusa que aparece nas noites escuras e que abarca todo o céu. Este é o disco da nossa própria Galáxia visto de dentro. Quando olhamos com mais atenção parece-nos distinguir estruturas ligadas aos pontos luminosos que olhamos. Para se ajudar a identificar as estrelas o homem antigo ligava os grupos de estrelas que via com referências culturais. As constelações que nos são familiares são a herança da cultura grega na nossa civilização ocidental. Por exemplo, a constelação de Orionte é suposta ser um caçador formado pela união imaginária dumas estrelas do céu para dar uma figura humana. Assim quando em "Blade Runner - O caçador de andróides" (“Blade Runner”, 1982) o replicante Roy Batty afirmava que “tinha visto coisas que a tua gente não acreditaria, naves de ataque em fogo no ombro de Orionte”, esta figura só existe devido à facilidade do cérebro para ligar imagens a estruturas dispostas ao acaso.

Se virmos em detalhe cada estrela individualmente notamos que cintilam ao contrário dos planetas, que mostram uma luz constante. Vemo-lo, por exemplo, na cena onde Simba fala com o seu pai no “O rei Leão”. A razão pela qual isto acontece é que as estrelas são fontes pontuais enquanto os planetas são discos luminosos. Por efeito da turbulência atmosférica a imagem da estrela desloca-se e, às vezes, desaparece da nossa pupila. Os planetas, pelo contrário, são discos embora muito pequenos, e é sempre possível ter uma fracção da sua superfície registada pelo olho. O céu mostra-nos as estrelas com brilho diferentes. Se for possível conta-las descobriríamos que só podemos ver a olho nu cerca de oito mil estrelas. Para medir a sua luminosidade os gregos criaram uma escala de brilho onde as estrelas são classificadas em “magnitude”. O astrónomo grego Ptolomeu dividiu o brilho das estrelas em seis magnitudes dando magnitude 1 às mais brilhantes e magnitude 6 àquelas que quase não são visíveis ao olho humano. Cada grupo da escala é duas vezes e meia mais brilhante do que o grupo anterior. Sem se ter apercebido, o Ptolomeu tinha criado uma escala logarítmica que imitava a sensibilidade do olho à luz e que ainda hoje é utilizada por uma razão histórica.

Mas as estrelas não só têm diferente brilho. Se continuarmos a olhar, veremos que mostram também diferentes cores. Vemos pontos amarelos, vermelhos, brancos, azuis e cor de laranja, que se destacam no céu negro. No século passado, um astrónomo francês chegou a dizer que se houver algo certo na astronomia seria que nunca poderíamos conhecer de que são feitas as estrelas. No entanto, já no ano 1885 foi possível decompor a luz das estrelas e estudá-las em detalhe. Descobriu-se que as estrelas podiam classificar-se segundo certas características no seu espectro. A cor das estrelas podia então ser explicada pela temperatura da superfície: as estrelas vermelhas estariam a uns poucos milhares de graus e as brancas a uns dez mil. Esta mudança de cor é a que se vê quando pomos ferro a aquecer. Fica vermelho quando está quente e vira branco quando está muito quente.

Nesse caminho do geral ao particular temos descoberto que os pontos de luz que são as estrelas têm diferente brilho e cor. Contudo o cinema, que de alguma maneira trata de criar uma imagem da realidade, muitas vezes ignorou este simples facto astronómico. Os velhos filmes limitavam-se a mostrar campos estelares com estrelas como pontinhos brancos sobre fundo preto que fossem palcos estáticos para as histórias. Os filmes modernos que decorrem no espaço exterior, como por exemplo “2010: O ano do contacto ” (“2010: The year we make contact”, 1984) simula-se correctamente o amplo leque de brilho (magnitude) e de cor (temperatura) que têm as estrelas, assim como a sua tendência a se agruparem no espaço. É interessante também ver como o facto de que as estrelas sejam de diferentes cores tenha sido inconscientemente esquecido em filmes com alto grau de realismo. Em “2001: Uma Odisseia no Espaço” (“2001: A Space Odyssey”, 1968) o realizador Stanley Kubrik filmou três diferentes bobinas contendo as cores fundamentais (azul, vermelho e verde) que depois se combinariam para darem a imagem final. Cada cena tinha então três cópias nessas cores. No entanto, usou-se uma só bobina para as estrelas porque se supôs que eram todas brancas.

Durante séculos ignorou-se o que faz brilhar as estrelas. Mesmo quando se soube que eram outros sois ardendo a distâncias longínquas, o mistério da origem da combustão que as alimentava resultava uma grande incógnita. Supondo que as estrelas eram outros sois o problema resumia-se a compreender o que fazia brilhar o Sol. Tinha que ser algo muito eficiente e que permitisse arder por milhares de milhões de anos, para que os tempos geológicos e os requeridos para a evolução das espécies na Terra fossem compatíveis com a idade do Sol.

A solução para este mistério chegou quando nos começos do século XX nasceram a Relatividade e a Mecânica Quântica. Desvendaram-se então os mistérios do átomo. Albert Einstein escreveu uma das equações mais famosas da física que descreve a equivalência entre a matéria (m) e a energia (E) através da velocidade da luz (c): E=mc2. A conversão de massa em energia radiante é a fonte de luz das estrelas e que, afinal, torna também possível a nossa própria existência.


Tradução de Cristina Zurita.
Héctor Castañeda é astrónomo no Instituto de Astrofísica de Canarias e mantém um site internet com informação em castelhano.