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Sagitário A* no centro da Via Láctea
Ditos
"Só porque algo não faz o que você planeou não significa que seja inútil."- Thomas A. Edison
Galáxias Fantasma
2005-06-03
A composição material do Universo é um caixa de surpresas. Durante os últimos 10 anos ficou claro que a matéria da qual somos compostos, aquela formada por átomos, é minoria absoluta, compondo não mais do que 5% da matéria total que existe. É esta a matéria que vemos no céu noturno, as estrelas e nebulosas que povoam o cosmo. Mesmo no céu, nem tudo que é feito de átomos brilha. Por exemplo, planetas não geram luz própria, apenas refletem a luz de estrelas vizinhas, no nosso caso o Sol. Pessoas também não geram luz visível, embora gerem outro tipo de radiação menos energética, a radiação infravermelha. Fora planetas, nuvens de hidrogênio, se suficientemente frias, não são visíveis. Em geral, estas nuvens estão associadas à galáxias, feito fumaça à cigarros: no escuro vemos a ponta queimando (as estrelas) e a fumaça na vizinhança da brasa, mas sua maior parte permanece invisível. Galáxias, portanto, aparecem com suas estrelas e nuvens de hidrogênio. Mas esta é apenas parte da estória.
Sabemos também que a maior parte da matéria em uma galáxia não produz luz própria e não é formada por matéria comum, isto é, por prótons e elétrons. Esta matéria estranha, feita de uma substância que ainda não identificada, compõe mais do que 90% da matéria total de uma galáxia. Como ela não brilha, foi batizada de matéria escura. Sabemos que ela existe por que vemos seu efeito gravitacional sobre as estrelas e nuvens de hidrogênio feitas de matéria comum. Para a gravidade agir, basta a matéria ter massa. Segundo o que se sabia até recentemente, matéria luminosa e matéria escura andam de mãos dadas, ou seja, onde existe uma existe também a outra. Claro, isso pode ser uma conseqüência do fato que, para detectarmos a matéria escura, precisamos ver seu efeito sobre a matéria luminosa; é muito possível que existam galáxias essencialmente escuras, isto é, desprovidas de matéria comum, ou pelo menos quase. Estes aglomerados de matéria escura são como galáxias-fantasma, existindo no espaço sem serem vistas, ao menos com os olhos ou outros tipos de radiação eletromagnética. Apenas seus efeitos gravitacionais podem ser detectados.
Até recentemente, estes objetos eram especulação. Mas um grupo de astrônomos na Califórnia aparentemente detectou uma nuvem de hidrogênio com massa comparável à uma galáxia (100 bilhões de sóis) e sem estrelas. "Como uma cidade sem pessoas", declarou um dos integrantes do time. A explicação mais plausível é que a nuvem existe em meio a um aglomerado de matéria escura, como creme em uma xícara de café. Mas como confirmar que a nuvem de hidrogênio está mesmo imersa em meio a um oceano de matéria escura? Primeiro é bom confirmar que, de fato, não existem estrelas na nuvem. Para isso, o time usará o Telescópio Espacial Hubble (antes que ele termine seus dias), que pode identificar estrelas individuais. Supondo que nenhuma seja encontrada, fica confirmado que a galáxia é mesmo formada de hidrogênio que não brilha. E a matéria escura? Como podemos detectá-la sem termos nada para ver?
Uma possibilidade, que depende da posição do objeto, é usarmos que a gravidade pode encurvar raios luminosos. Se um objeto passar por trás da nuvem invisível, sua imagem será distorcida do mesmo jeito que uma lente distorce uma imagem visível. Neste caso, "lentes gravitacionais", um efeito previsto por Einstein (amanhã é seu aniversário), podem detectar a existência de galáxias fantasma. Porque da gravidade nada escapa.
Marcelo Gleiser é professor catedrático de física e astronomia no Dartmouth College, EUA e autor, mais recentemente, do livro "O Fim da Terra e do Céu". Esta crónica foi inicialmente publicada em 13 de Março de 2005 na “Folha de S. Paulo”
Sabemos também que a maior parte da matéria em uma galáxia não produz luz própria e não é formada por matéria comum, isto é, por prótons e elétrons. Esta matéria estranha, feita de uma substância que ainda não identificada, compõe mais do que 90% da matéria total de uma galáxia. Como ela não brilha, foi batizada de matéria escura. Sabemos que ela existe por que vemos seu efeito gravitacional sobre as estrelas e nuvens de hidrogênio feitas de matéria comum. Para a gravidade agir, basta a matéria ter massa. Segundo o que se sabia até recentemente, matéria luminosa e matéria escura andam de mãos dadas, ou seja, onde existe uma existe também a outra. Claro, isso pode ser uma conseqüência do fato que, para detectarmos a matéria escura, precisamos ver seu efeito sobre a matéria luminosa; é muito possível que existam galáxias essencialmente escuras, isto é, desprovidas de matéria comum, ou pelo menos quase. Estes aglomerados de matéria escura são como galáxias-fantasma, existindo no espaço sem serem vistas, ao menos com os olhos ou outros tipos de radiação eletromagnética. Apenas seus efeitos gravitacionais podem ser detectados.
Até recentemente, estes objetos eram especulação. Mas um grupo de astrônomos na Califórnia aparentemente detectou uma nuvem de hidrogênio com massa comparável à uma galáxia (100 bilhões de sóis) e sem estrelas. "Como uma cidade sem pessoas", declarou um dos integrantes do time. A explicação mais plausível é que a nuvem existe em meio a um aglomerado de matéria escura, como creme em uma xícara de café. Mas como confirmar que a nuvem de hidrogênio está mesmo imersa em meio a um oceano de matéria escura? Primeiro é bom confirmar que, de fato, não existem estrelas na nuvem. Para isso, o time usará o Telescópio Espacial Hubble (antes que ele termine seus dias), que pode identificar estrelas individuais. Supondo que nenhuma seja encontrada, fica confirmado que a galáxia é mesmo formada de hidrogênio que não brilha. E a matéria escura? Como podemos detectá-la sem termos nada para ver?
Uma possibilidade, que depende da posição do objeto, é usarmos que a gravidade pode encurvar raios luminosos. Se um objeto passar por trás da nuvem invisível, sua imagem será distorcida do mesmo jeito que uma lente distorce uma imagem visível. Neste caso, "lentes gravitacionais", um efeito previsto por Einstein (amanhã é seu aniversário), podem detectar a existência de galáxias fantasma. Porque da gravidade nada escapa.
Marcelo Gleiser é professor catedrático de física e astronomia no Dartmouth College, EUA e autor, mais recentemente, do livro "O Fim da Terra e do Céu". Esta crónica foi inicialmente publicada em 13 de Março de 2005 na “Folha de S. Paulo”