De Halley ao Século XX


"Quando morrem os mendigos não aparecem cometas. Os céus somente se inflamam na morte dos príncipes"
"Júlio César", W. Shakespeare



Edmond Halley. Cortesia ESO.
Aos 39 anos, Edmond Halley (1656-1742) começa a trabalhar naquilo que deixaria o seu nome na História da Ciência. Newton tinha demonstrado que os cometas, como os planetas, moviam-se em secções cónicas faltando, no entanto, apurar-se qual das secções. Halley mostrou que a órbita do cometa de 1680 era, certamente, uma parábola. Ele próprio, impulsiona e financia a publicação dos Principia de Newton em 1678. Na primeira edição, Newton, reconhece implicitamente o seu erro ao aderir à hipótese das trajectórias rectilíneas de Kepler e inclui os cálculos de Halley nos Principia. Classifica os cometas como uma “classe de planetas” e, tomando os dados das observações, afirma que estes só são vísiveis quando estão relativamente perto do Sol. Esse facto leva Newton a estabelecer que o brilho observado é devido à luz solar que se reflecte nas caudas. As caudas deveriam formar-se a partir da atmosfera do cometa no decurso da sua aproximação ao Sol.

Halley calcula, também, os elementos orbitais de 24 cometas de que se dispunham de suficientes observações. Dessa lista fazem parte o cometa de 1680 e o de 1682 que viria a receber o seu nome. Halley enfrentou o problema reconstruindo a trajectória de um cometa na sua parte invisível. Considerou todos os registos históricos disponiveis numa cadeia que se estendia até Séneca e Plínio. Com a teoria de Newton, Halley compara as características órbitais dos cometas de 1531, que tinha sido observado por Apian, o de 1607 observado por Kepler e o de 1682, observado por ele próprio, e encontra muitas semelhanças na inclinação da órbita em relação ao plano da eclíptica, na distância do cometa ao Sol no periélio e no nodo – o ponto onde a órbita do cometa cruza o plano do sistema solar. De seguida, confrontando as datas dos aparecimentos, encontrou um retorno periódico que era, exactamente, o que dizia a teoria newtoniana se as órbitas dos cometas fossem elipses. Apesar disso, existiam ainda algumas variações dos elementos orbitais de um aparecimento para outro, que embora pequenas, não convenceram Halley de que tinha chegado à solução do problema. Um cálculo aproximado dos efeitos da gravidade de Júpiter e de Saturno no movimento do cometa, revelou-se muito concordante com as perturbações observadas. Posto isto, Halley afirmou que os três aparecimentos eram de um mesmo astro, uma vez que se repetiam em cada 75 ou 76 anos. Previu que o cometa regressaria em 1758 e acertou. Os seus resultados foram publicados no famoso Astronomie Cometicae Synopsis, em 1705.

Na noite de Natal de 1758, 16 anos depois da morte de Halley, o astrónomo amador Johann Palitzsh observou o cometa. A descoberta veio provar decisivamente a validade da lei da Gravitação de Newton para um corpo que, no afélio, está a 35 U.A. do Sol, mais de três vezes superior à distância a que se encontra Saturno, o planeta mais distante conhecido naquela tempo. Por outro lado, refuta a visão dos cometas com sendo fenómenos gasosos e temporários. Os cometas eram, de facto, corpos celestes sujeitos à interacção gravitacional e podiam, alguns deles, ter órbitas elípticas e permanecer no Sistema Solar.


Órbitas possíveis para os cometas.
Depois do êxito de Halley, a mecânica celeste, ou seja, o cálculo do movimento dos corpos celestes em torno do Sol, começou a desenvolver-se muito rapidamente. Muitos dos avanços matemáticos realizados pelo francês Laplace (1749-1827), o franco-italiano Lagrange (1736-1813), os alemães Olbers (1758-1840), Gauss (1777-1865) e Bessel (1784-1846), o sueco Lexell (1740-1784) e também (porque não dizê-lo?) o português Monteiro da Rocha (1734-1819), foram motivados pela necessidade de se calcularem de forma precisa as órbitas dos cometas, cujos movimentos eram influenciados não só pelo Sol mas também pelos planetas. Começam a aplicar-se métodos iterativos para corrigir as perturbações das órbitas, devidas aos planetas.

Não é excessiva a referência à contribuição de Monteiro da Rocha, que, em 27 de Janeiro de 1782, apresentou na Academia das Ciências de Lisboa, uma comunicação intitulada “Determinação das órbitas dos cometas”. Na sua comunicação, expõe um método geométrico que se baseia no conhecimento prévio da posição do cometa em três instantes distintos. Monteiro da Rocha faz, então, uma aplicação ao cometa de Halley, dispondo das coordenadas eclípticas para 15 de Abril, 1 e 21 de Maio de 1759. Monteiro da Rocha obteve para a inclinação da órbita do cometa Halley 17º.47, muito próximo do valor actual que aponta para 17º.86.

A publicação da sua comunicação, escrita em língua portuguesa, só aparece no entanto, em 1799, no segundo tomo das Memórias da Academia de Ciências de Lisboa. Estes factos contribuíram decisivamente, para que o trabalho de Monteiro da Rocha tenha sido quase esquecido. A História da Ciência atribui a Olbers a descoberta do primeiro método para a determinação dos parâmetros orbitais de um cometa, em 1787, portanto, cinco anos depois da comunicação de Monteiro da Rocha.

Começa, também, a especular-se sobre a origem dos cometas e perfilam-se teorias. Por um lado, Laplace, entre outros, defende que os cometas têm uma origem interestelar, tendo sido capturados pelo Sistema Solar no seu movimento. Ele propõe, mesmo, que a gravidade de Júpiter é capaz de captar cometas de período longo que passem nas suas proximidades, transformando-os em cometas de período curto e confinando-os ao Sistema Solar interior. Por outro lado, Lagrange e outros, defendem o contrário, que os cometas têm origem dentro do sistema planetário.

Em finais do século XVIII e princípios do século XIX, atingia-se a compreensão básica de como são as órbitas dos cometas. Lexell, em 1776, identifica o primeiro cometa de período curto e determina um período orbital de 5.58 anos para um cometa que tinha sido descoberto por Messier (1730-1817), em 1770. As observações disponíveis já permitiam classificar os cometas em três categorias, os de curto-período, os de longo-período e os classificados como “novos”. Na realidade, enquanto alguns pareciam ter órbitas parabólicas, outros estavam confinados ao Sistema Solar interior, com afélios dentro, ou nas vizinhanças da órbita de Júpiter. Lexell demonstra a importância da acção de Júpiter na evolução das órbitas dos cometas. Esses objectos, muito dependentes da interacção gravitacional com Júpiter e com pequenas inclinações orbitais, compõem a estrutura, a que hoje chamamos, Família de Júpiter. Os cometas, podem ser capturados pelo planeta gigante para incorporarem essa estrutura, ou então, podem ser ejectados por este, para fora do Sistema Solar. O estudo do problema a três corpos (Sol-Júpiter-cometa) oferece uma aproximação interessante para prevêr o comportamento dinâmico dos cometas. Lexell deduziu, também, que os cometas deveriam ter uma massa muito pequena, apesar do seu grande tamanho aparente. Estudando um cometa que passou próximo de Júpiter e das suas luas, ele verificou, depois de analisar as órbitas, que não havia qualquer alteração provocada pelo astro, nas trajectórias dos satélites.

Em 1819, o astrónomo alemão Johann Encke (1791-1865) calculou as órbitas de uns cometas que tinham sido observados em 1786, 1795 e 1818. Encke, como Halley, descobriu que se tratava de um mesmo astro que vinha perto do Sol em cada 3.3 anos e previu o seu regresso para 1822. Era esta a segunda vez que se previa com êxito o regresso de um cometa. É também o cometa que se conhece, com o menor período orbital. Em 1838, os cálculos de Encke, para o cometa que hoje leva o seu nome, mostram sempre dias de avanço nas previsões para o periélio, pondo em evidência a existência de forças não gravitacionais a influenciarem a dinâmica do cometa. Na realidade, o período orbital do Encke diminui pouco a pouco. Ele atribuiu essas alterações à resistência oferecida pelo meio em que o cometa se move.


Imagem do cometa Encke. Cortesia de Gerald Rhemann.
O desenvolvimento da instrumentação científica já permitia estudar os cometas não apenas do ponto de vista do seu movimento mas também detectar partículas nas caudas e estudar a luz que deles provinha. O astrónomo francês Arago (1786-1853) mostra, em 1819, que a luz procedente dos cometas é, na sua maior parte, a luz solar reflectida, confirmando assim a hipótese de Newton. Isto permite estabelecer que, pelo menos em parte, a coma e as caudas são constituídas por pequenas partículas sólidas.

Os cometas ganhavam popularidade na Europa. Instituíam-se prémios para a descoberta de novos cometas e para os cálculos mais precisos das suas órbitas. O regresso do Halley, em 1835, foi acompanhado por intensas observações realizadas por uma comunidade científica que há muito esperava o seu retorno. Friedrich Bessel (1784-1846) e William Herschel (1792-1871) realizaram estudos detalhados de certas estruturas que se observavam na coma do Halley. Descreveram o aparecimento de um cone de luz que se estendia em direcção ao Sol, abrindo-se e voltando-se em sentido contrário, como que repelido por uma força. Observaram-se, também, jactos finos e brilhantes que saíam da condensação central. Para explicar essas observações, Bessel desenvolve uma teoria para as caudas dos cometas, supondo que diferentes partículas saem da coma devido ao balanço entre a atracção do Sol e as forças repulsivas que também tinham origem no Sol. Esta imagem do material da coma e das caudas exigia, necessariamente, a presença de uma fonte ou núcleo a partir do qual tivesse origem a matéria observável. Assim, e de forma consistente com a sua descrição, Bessel propôs que as variações que se tinham observado no período orbital do cometa de Encke poderiam ser devidas à expulsão de material a partir de um corpo sólido, num efeito similar ao de um balão a escapar-se das nossas mãos quando se esvazia. Hoje sabemos que a ejecção e perda de massa e os fenómenos de rotação associados, alteram as órbitas dos cometas.

Na segunda metade do século XIX, um cometa que tinha sido descoberto pelo oficial do exército austríaco Wilhelm von Biela (1782-1856) em 1826, gerou uma forte expectativa. Quando o astro regressou em 1846, Herschel descobriu que este se tinha separado em dois que viajavam juntos. Estes dois cometas de Biela foram novamente vistos em 1852, separados por uma distância de 2 milhões de quilómetros. O seu regresso estava previsto para 1866 e a comunidade científica estava na espectativa de observar a separação entre os dois cometas. No entanto, os fragmentos não voltaram a ver-se. Alguns astrónomos previram que poderiam voltar a ver-se os restos dos cometas de Biela. O que se observou em 1872, foi uma espectacular “chuva de estrelas”. Isto parecia confirmar a hipótese do astrónomo italiano Giovanni Schiaparelli (1835-1910) que, em 1866, estabeleceu a ligação entre as chuvas de meteoros e as órbitas de vários cometas. A matéria que é exalada por um cometa pode permaner nas vizinhanças de seu percurso orbital. Schiaparelli sugeriu que a chuva Perseidas podia estar relacionada com a órbita do cometa 1862 III, que agora é conhecido como Swift-Tuttle e a chuva Leónidas com a órbita do 1866 I (Tempel-Tuttle).


A chuva de meteoros Perseidas ocorre todos os anos a 12 e 13 de Agosto. Cortesia NASA.
No século XIX, começa a utilizar-se o registo fotográfico em astronomia. A primeira placa fotográfica foi o daguerreótipo. Consiste, simplesmente, numa película muito fina de prata polida sobre uma base de cobre. Era muito pouco sensível e exigia um tempo de exposição muito longo para o registo dos corpos celestes. A sua utilização obrigou à criação e melhoramento dos processos de seguimento dos objectos pelos telescópios. O modo de registo em placa de colódio, permitia produzir imagens de melhor qualidade em menos tempo. Essa placa era muito mais sensível que os daguerreótipos mas tinha que ser usada logo que fosse feita e a sua produção era complicada.

Em 1858, William Bond (1789-1859) realizou os primeiros registos, em chapa de colódio, da cabeça do cometa Donati. A placa mantém-se nos arquivos do Harvard College Observatory embora a imagem seja muito débil e nenhuma cauda possa ser vista. Só em 1881, após o aparecimento de um cometa, Jules Janssen (1824-1907) e Henry Draper (1837-1882) tiraram, já em chapa seca, as que são reconhecidas como as primeiras fotografias feitas a um cometa. Foram seguidos pelas de David Gill (1843-1914) realizadas ao “Grande Cometa de 1882”. As suas fotografias registaram com grande nitidez, o cometa e as estrelas de fundo.

Janssen tinha sido, em 1868, o primeiro a descobrir o hélio no espectro do Sol, durante um eclipse. Em 1881, a fotografia é também introduzida em estudos de espectroscopia e é utilizada para estudar a composição química dos cometas. A técnica consiste em separar a luz nas suas distintas componentes, segundo a velocidade a que se propagam no meio material, ou seja, formando artificialmente um arco-íris. De forma simples, pode dizer-se que as moléculas e compostos têm, cada uma, a sua “assinatura” distinta que emitem para o receptor, o nosso espectrógrafo. A partir da análise espectral é feito o reconhecimento da “assinatura” e é possível dizer se essa molécula ou composto está presente na fonte sob observação.

As primeiras medidas espectroscópicas foram realizadas pelo astrónomo italiano Donati (1826-1873), observando os cometas 1864 II (o Tempel) mas foi William Huggins (1824-1910), astrónomo inglês que começando como aficionado, construiu o seu próprio observatório e em 1868 identificou o primeiro composto presente nas comas dos cometas: vapores de carbono. Em 1881, com a utilização, pela primeira vez das placas fotográficas, Huggins identificou um segundo composto – o radical cianeto (CN). Nesse mesmo ano, detectou-se também a presença de sódio na coma de uns cometas que passaram muito próximos do Sol e um ano depois foi detectada a presença de ferro.

Travnik refere no seu livro, “Os Cometas” de 1985, o trabalho exaustivo de investigação histórica realizado pelo astrónomo francês Bigourdan (1851-1932) que identificou desde a antiguidade até 1899, 1277 cometas, 56 dos quais periódicos, com período inferior a 100 anos. Não encontrei mais nenhuma referência a esse trabalho específico de Bigourdan, apenas referências ao conhecido catálogo de 6380 astros nebulosos de todo os géneros, 500 dos quais novos, que foram colectados durante 27 anos, entre 1884 e 1911.