Pensar o futuro...


Falar na história do Homem é falar no caminho percorrido em busca de conhecimento, desde a pré-história até aos dias de hoje. E, como vimos, uma parte importante dessa busca foi protagonizada pela cosmologia, a qual teve importantes consequências culturais, e influenciou decisivamente a evolução das civilizações.

Quanto à astronomia, vimos também a influência que teve ao longo da história, e como em menos de dois séculos (o tempo da revolução heliocêntrica), se transformou radicalmente. Na verdade, desde o início do século XVII, a invenção da luneta alterou completamente o estudo dos astros. Algumas noites de observação com uma luneta, permitiram a Galileu obter uma qualidade e quantidade de dados sobre os corpos celestes, superior à de todos os seus antecessores. Mas mais importante ainda foi o facto dessas observações permitirem finalmente rebater princípios, com cerca de dois mil anos, que dominavam e estrangulavam tanto a astronomia como a cosmologia. A construção de telescópios cada vez mais potentes, permitiu começar a ter consciência da vastidão do Universo, e criar a partir daí uma ligação entre conhecimento tecnológico e saber teórico, que ainda hoje se mantém, e que possibilitou que os respectivos desenvolvimentos se passassem a efectuar em paralelo. A astronomia, anteriormente ligada essencialmente à matemática, e em particular à geometria, evoluiu de tal forma que começou a ter fortes ligações a muitas das outras ciências.

Na época actual vivemos o início de uma nova era, que poderemos designar, em termos astronómicos, por Época Espacial, a qual é marcada pelas primeiras “aventuras” do Homem fora do nosso planeta. Ao longo do último século, a nossa visão sobre a globalidade do Universo alterou-se consideravelmente, e para isso contribuíram, por exemplo, os avanços teóricos conseguidos na física e na matemática, a implementação de novas técnicas de observação e a possibilidade de missões espaciais com sofisticado equipamento de pesquisa, e não podemos esquecer a revolução ao nível do cálculo, que as emergentes ciências de computação permitiram efectuar.

Quase todos os domínios do conhecimento têm usufruído desta evolução, aumentando assim o prestígio da astronomia. Mas o entusiasmo de que beneficiam nos dias de hoje as ciências associadas ao espaço exterior, não pode ser explicado apenas pelo sucesso mediático das missões espaciais, como muitas vezes se pretende. Acreditamos que as razões são mais profundas. Não podemos esquecer a importância conceptual da astronomia, nem tão pouco o seu peso histórico, quer ao nível da sobrevivência da espécie, quer ao nível da evolução do conhecimento. A importância da astronomia no desenvolvimento intelectual da humanidade é por isso consensualmente reconhecida. Hoje, como no passado, as ligações da astronomia, mas em particular da cosmologia, às questões mais fundamentais que sempre preocuparam o espírito humano, são evidentes. Apesar da cosmologia científica ter perdido muito do carácter filosófico e humanista que sempre caracterizou a cosmologia no seu sentido mais lato (não estritamente científico), é reconhecido que, juntamente com a astronomia, continua a ser um factor importante no desenvolvimento cultural, científico e tecnológico. Por outro lado, é talvez verdade que a cosmologia não científica tem hoje um menor peso do que aquele que ocupou ao longo de toda a história do pensamento humano, sendo mesmo decisiva no traçar desse percurso histórico. Para poder retomar esse lugar pensamos que será necessária uma nova revolução cultural, revolução essa que teria necessariamente implicações a todos os níveis, podendo alterar radicalmente, tal como no passado, a evolução das diversas áreas do conhecimento.


Planetas extra-solares conhecidos até uma distância de 200 parsecs. Crédito:California & Carnegie Planet Search.
O peso da astronomia no futuro da humanidade deverá ser ainda mais marcante do que no passado. A necessidade de sobrevivência do Homem, tal como no período mais primitivo da sua história, irá passar indubitavelmente pela astronomia.

Sabemos hoje que o Sol não é eterno, e portanto a nossa espécie não poderá viver eternamente na Terra, até ao fim dos tempos... Será necessário procurar outras paragens onde possamos prosseguir a aventura humana. E é “urgente” começar a pensar nesta questão, que é tão só uma questão de sobrevivência! Claro que o Sol não se “apagará” amanhã! Irá ainda brilhar durante cerca de cinco mil milhões de anos... mas também é verdade que não será de um dia para o outro que o Homem será capaz de resolver este problema, sobre o qual terá necessariamente que reflectir, mais cedo ou mais tarde... De forma consciente, ou não, estamos a dar os primeiros passos desta caminhada, já que, para além das missões espaciais que certamente se revelarão muito úteis, também a pesquisa actual sobre planetas extra-solares, por exemplo, pode oferecer em “breve”, surpresas agradáveis!

Claro que estamos no início de todo um processo que garantidamente será muitíssimo longo. Podemos pensar que não temos ainda resultados encorajadores. Por outro lado, podemos considerar que todos os resultados até agora obtidos são positivos, simplesmente porque são passos necessários. Mesmo que as pesquisas astronómicas nos “mostrem”, num futuro relativamente próximo, um novo mundo, há toda uma quantidade de problemas tecnológicos imensamente complicados que será necessário resolver. Um eventual futuro “abrigo” da humanidade, não será propriamente “aqui ao lado”, sobretudo se pensarmos que pelo menos por enquanto (!), não nos é “permitido” viajar mais rápido que a luz...

Contudo, seria um erro pensar que os problemas a resolver se resumem a problemas científicos e tecnológicos. É imediato perceber que este tipo de questões também colocará, inevitavelmente, problemas do domínio da filosofia, da cosmologia (em sentido lato), e do foro ético; problemas a nível cultural, e eventualmente problemas teológicos, etc.; e nenhum deles terá certamente uma solução simples. Toda a complexa problemática envolvida permite que pensemos que será necessária uma verdadeira revolução intelectual, à semelhança do que aconteceu na Grécia da Antiguidade, ou na Europa do Renascimento. Essa revolução poderá ocorrer num futuro mais ou menos próximo, mas porque necessária, será inevitável.

A pesquisa de vida noutro local do Universo, é igualmente uma vertente de orientação importante na astronomia actual, e certamente que continuará a sê-lo no futuro. A ideia da possibilidade de vida extraterrestre não é nova. Contudo, foi sempre combatida por crenças de natureza mais ou menos religiosa, tendo sido veemente refutada em particular pela Igreja Católica (mas não só) durante muito tempo, a qual, com todo o seu poder intelectual e ideológico, não admitia que para além dos territórios da cristandade conhecidos, e da visão abstracta de um Universo completamente diferente para além da Lua, pudesse existir qualquer outro tipo de seres. Claro que encontramos aí alguma influência dos princípios filosóficos e cosmológicos desenvolvidos pelos gregos na Antiguidade, mas também as consequências da conciliação efectuada na Idade Média, entre a teologia cristã e a filosofia aristotélica. Na verdade, quase dois mil anos antes, os modelos cosmológicos tinham sido criados sobre princípios que estabeleciam que a Terra e tudo o que ela continha era feito de substancias distintas das que constituíam todos os corpos celestes, e a fronteira entre o terrestre e o celeste, ainda se mantinha no início da revolução heliocêntrica. Foi necessário, por exemplo, revelar “novos mundos”, como o fizeram Cristóvão Colombo ou Fernão de Magalhães, para mostrar que o espaço humano não era tão limitado como se queria acreditar, e fazer acreditar! E contudo tratava-se apenas do espaço terrestre.

A revolução heliocêntrica veio alterar tudo. Ao “revelar” que o nosso planeta poderia ser semelhante a muitos outros, conseguiu persuadir filósofos (e não só) da possibilidade de vida noutros locais do Universo.

Foi essa revolução que permitiu que hoje tenhamos domínios de estudo como a exobiologia ou a astrobiologia (é redundante falar da astrofísica, a qual surge quase imediatamente após a revolução heliocêntrica). São estas novas áreas que, com as suas ligações à astronomia, mas também à física, à química, à biologia, à matemática, etc., nos poderão eventualmente proporcionar possíveis contactos com civilizações extraterrestres. A partir de então não falaremos mais destas questões ao nível da ficção; elas passarão a fazer parte da realidade, embora certamente de outra realidade!

O desenvolvimento científico e tecnológico dos nossos dias, a conquista do espaço, a divulgação sempre actualizada das observações astronómicas e das descobertas científicas em geral, estão na origem de uma curiosidade generalizada que hoje podemos constatar existir no cidadão comum. Toda esta informação lhe impõe também uma necessidade de formação ao nível das questões científicas, e em particular das que estão mais ligadas à astronomia e à cosmologia - é o fascínio pelo Universo.

Hoje, tal como o Homem grego há 2500 anos, procuramos um conhecimento mais completo sobre o Universo; e fazemo-lo procurando responder às mesmas questões! O conhecimento que criarmos será informação fundamental para que a astronomia possa cumprir o seu papel decisivo relativamente ao destino da humanidade; tal como o fez nas épocas mais primitivas da evolução do Homem. Foi esse papel, cumprido com sucesso, que nos permitiu chegar aos dias de hoje, e afirmá-lo!