E um dia chegaram os Magos do Oriente...


Festejamos o nascimento de Jesus Cristo a 25 de Dezembro.
Nesta data celebrou-se, durante muito tempo, o solstício de Inverno (que agora sabemos ocorrer a 21 de Dezembro). No calendário solar dos celtas marcava a meia-noite do ano, isto é, o período de maior escuridão. Era uma celebração pagã, tal como o são muitas das tradições que ainda hoje fazem parte dos festejos natalícios da civilização ocidental, como o azevinho, os presentes e a própria ceia de Natal. Porém, era uma celebração especial, que marcava o ponto de viragem a partir do qual a luz teria de voltar, com o aumento gradual do tamanho dos dias. Uma espécie de renascimento, pois o Sol morria, mas voltava a nascer, e o novo Sol era tido como um deus salvador. Se pensarmos como o cristianismo teve de se impor perante as religiões mais antigas é fácil percebermos a escolha deste dia para o nascimento do Messias.

Mas, para além de toda a motivação simbólica, Jesus Cristo não pode ter verdadeiramente nascido a 25 Dezembro do ano zero. E isto acontece por uma simples razão: o ano zero não existiu!

O culpado deste facto parece ter sido um monge do séc. VI, de nome Dionysius Exiguus (Dionísio o Pequeno – nome que o próprio terá escolhido), que resolveu alterar a forma de calcular as datas que se utilizava na altura e que era um método romano. Na verdade, os romanos contavam o tempo a partir da data da fundação de Roma, ab urbe condita, e Dionísio achou que era conveniente passar a haver uma referência mais cristã. Sendo assim, decidiu-se pela data do nascimento de Jesus Cristo que calculou ter acontecido no ano de 753 ab urbe condita, contando, para trás no tempo, os reinados dos imperadores romanos.

Julga-se que Dionísio terá cometido vários erros. O mais conhecido foi o de não ter considerado o ano zero e de ter logrado passar de 1 A.D. para 1 D.C., o que o terá levado à habilidade de datar o nascimento de Cristo no ano 1 depois de Cristo! Este facto, que agora nos parece, no mínimo, incrível, justifica-se se nos lembrarmos de que na numeração romana não existe qualquer representação para o zero. Mas, ao que parece, Dionísio não se ficou por aqui. Na contagem dos governos dos imperadores, esqueceu-se de que César Augusto governou 4 anos sob o seu nome próprio, Octávio. Temos então, ao que consta, assegurados, 5 anos de erro, mas podemos, sem dificuldade, imaginar que tenha havido mais alguns. Por esta razão, para conseguirmos obter uma data presumivelmente mais correcta para o nascimento de Jesus Cristo, teremos de tentar descobrir o ano da morte de Herodes.


Flavius Josephus – Gravura de The Genuine Works of Flavius Josephus, traduzido por William Whiston em 1737
A maioria dos investigadores baseia-se nos textos, Antiguidades e Guerras Judaicas, de um historiador judeu, Flavius Josephus (37 D.C. ~100 D.C.)., dos quais se depreende que Herodes conquistou Jerusalém e subiu ao trono em 37 A.C., reinando durante 34 anos, e que terá morrido no ano 4. A.C. Este ano é quase universalmente aceite para a sua morte, embora haja quem pense de outra forma. Há ainda, em Josephus, referências que apontam para que a morte de Herodes tenha acontecido depois de um eclipse lunar - o de 13 de Março do ano 4 A.C - e antes da Páscoa. (Estas referências podem encontrar-se em Antiquities, Livro VII, cap. 6,4 a cap. 9,3, traduzido para o Inglês por William Whiston em 1737). Se a Páscoa a que Josephus se refere foi a desse ano – o que alguns, mas não todos, os investigadores sugerem – então Herodes terá morrido entre 13 de Março e 11 de Abril (Páscoa) do ano 4 A.C.

Segundo as palavras de Mateus, Herodes, pouco antes de morrer, terá ordenado a matança dos inocentes, para se livrar de um possível novo rei dos judeus, pelo que todo este encadeamento de suposições leva a que Jesus Cristo tenha nascido antes do ano 4 A.C. No entanto, é Lucas o evangelista que descreve de forma mais pormenorizada as circunstâncias em torno do nascimento de Jesus Cristo. Nos primeiros versículos do capítulo 2 do seu evangelho, Lucas diz:

1 E aconteceu naqueles dias que saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo se alistasse
2 (Este primeiro alistamento foi feito sendo Quirino presidente da Síria).
3 E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade.
4 E subiu também José da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém (porque era da casa e família de Davi),
5 A fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.
6 E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz.


Então, numa primeira análise, Lucas leva-nos a crer que Jesus Cristo terá nascido em Belém, quando ocorria um censo decretado pelo imperador César Augusto e numa altura em que Quirino governava a Síria.

Para tentarmos conciliar as palavras de Lucas com as de Mateus, consideremos que o censo a que o primeiro se refere é um que foi proclamado por César Augusto no ano 8 A.C.. O censo pode ter sido decretado nesse ano e ter-se realizado mais tarde, durante os anos que se seguiram, chegando a Belém em 5 ou 6 A.C., o que estaria de acordo com a data de nascimento de Jesus Cristo que se pode inferir das palavras de Mateus. Mas acontece que, segundo Josephus e outros historiadores, Quirino só foi governador da Síria a partir do ano 6 D.C., e supostamente nessa altura Herodes já teria morrido. Estamos assim perante uma evidente contradição entre os autores dos dois evangelhos, que resulta estranha se tivermos em conta que a maioria dos investigadores afirma que Lucas e Mateus terão utilizado a mesma fonte para elaborar os seus relatos. Para resolver este imbróglio há quem avance com a conjectura de que a contradição pode ser apenas aparente, pois Quirino, embora só tenha chegado a ser imperador da Síria no ano 6 D.C., já era legado do imperador desde 5 ou 6 A.C., e Lucas ter-se-á equivocado entre os dois ofícios. Como se pode confirmar, com um bocado de boa vontade, muitas incongruências podem ser resolvidas!

Pode ser que Lucas se tenha enganado no ano, mas é ele quem nos traz a pista mais clara em relação à quadra em que o nascimento terá acontecido. Nos versículos seguintes do capítulo 2, diz:

7 E deu à luz a seu filho primogénito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.
8 Ora, havia naquela mesma comarca pastores que estavam no campo, e guardavam, durante as vigílias da noite, o seu rebanho.
9 E eis que o anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor.
10 E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis que aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo:
11 Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor.


Não havia lugares na estalagem, pelo que Maria terá deitado o seu filho numa manjedoura. Além disso, os pastores da comarca passavam a noite no campo vigiando os seus rebanhos. Estas duas referências parecem indicar a época da Páscoa, a festa mais importante dos judeus, que deslocava muita gente às povoações (daí as estalagens estarem cheias) e que acontecia, tal como ainda acontece, no início da Primavera, quando as noites já não eram tão frias e os pastores podiam passá-las ao relento guardando os seus rebanhos.

A conclusão a que se pode chegar, compatibilizando as escrituras de Mateus e Lucas, é que Jesus Cristo terá nascido durante a Primavera e entre os anos 7 e 5 A.C.

Mas cogitemos agora um pouco sobre a origem dos Magos de Mateus. O evangelho diz apenas que os Magos vieram do Oriente. A fonte do evangelho mais antiga que se conhece é a grega. O historiador grego Heródoto de Halicarnasso (séc.V), conhecido como «o pai da História», deixou escrito que «magos» (no texto grego a palavra referida é magoi e vem no plural) era o nome dado a uma casta de sacerdotes eruditos que estudavam os livros sagrados e observavam os céus e que viviam na região de Média, na Pérsia, que é hoje o Irão. Considera-se que uma grande parte da Pérsia seguia a religião zoroastriana, fundada por Zaratustra há mais de 3500 anos. Esta religião tinha tradições messiânicas e seguia ideias de dualismo moral, como o céu e o inferno, semelhantes às da religião judaica, pelo que algumas teorias apontam para que os Magos tenham sido uma espécie de sacerdotes astrólogos, seguidores do zoroastrismo.


Os três Reis Magos aproximando-se de Jesus com presentes – Mosaico da Basílica de San Apollinare Nuovo (séc. VI D.C.) – Ravena, Itália. Crédito: The Cyber Hymnal
A ideia de que os Magos terão vindo da Pérsia é bastante antiga. Na Basílica de San Apollinare Nuovo, em Ravena, os bonitos mosaicos do séc. VI mostram imagens dos três Magos em vestes persas, levando presentes ao menino. Marco Pólo (1254-1324), nos relatos das suas célebres viagens, faz uma referência aos vestígios dos Reis Magos, em Saveh, na Pérsia (ver, por exemplo, a tradução para o inglês das Viagens de Marco Pólo, de Ronald Latham - The Travels of Marco Polo - Penguin Books - 1958) e conta-nos como terá descoberto a sua origem e o seu sepulcro.

Mas existe uma crença, que vem da Idade Média, quando abundava a procura de santas relíquias, que atribui aos restos mortais dos Reis uma outra localização: uma urna dourada, situada no altar-mor da catedral de Colónia!

Algumas das mais recentes investigações atribuem aos Magos origem babilónica. A cidade da Babilónia, hoje território iraquiano, situava-se a oriente de Jerusalém, a uma distância de apenas 900 quilómetros. Os babilónios eram um povo que remontava ao terceiro milénio A.C. e que possuía grandes tradições astronómicas. No Museu Britânico, encontram-se placas de barro, de origem babilónica, com caracteres cuneiformes, designadas por «almanaques», contendo registos astronómicos da época próxima ao nascimento de Cristo. Embora esses registos não mencionem directamente um fenómeno que possa ser candidato a Estrela de Belém, este argumento pode pesar bastante a favor da Babilónia para lugar de origem dos Magos. Principalmente quando se acredita que a estrela que os terá guiado pode ter sido um fenómeno astronómico visível ou previsível.

Podemos ainda acrescentar outra razão, que tem a ver com a existência de uma grande colónia de raiz judaica na Babilónia, o que sem dúvida teria permitido o conhecimento das profecias messiânicas dos judeus. Com efeito, no ano de 586 A.C., sob o comando de Nabucodonosor II, a Babilónia invadiu Jerusalém, destruindo o Templo de Salomão e levando para o chamado «exílio babilónico» milhares de prisioneiros hebreus - o compositor italiano Guiseppe Verdi celebrizou este acontecimento na ópera Nabuco (1842). Alguns estudiosos pensam que os Magos poderão ter sido judeus diásporas vindos da Babilónia.

Em qualquer dos casos, persas ou babilónios, falamos de Magos e não de reis. Aliás, Mateus não fala de reis. Julga-se que terá sido Tertuliano de Cartago quem no início do sec. III D.C. terá escrito que os Magos do Oriente eram reis. Mais uma vez, o motivo pode vir de algumas referências do Antigo Testamento, como é o caso do Salmo (68:29):

Por amor do teu templo em Jerusalém, os reis te trarão presentes.


A Natividade com os Magos – Imagem da Catacumba de Santa Domitilla, Roma. Crédito:www.catacombe.domitilla.it
O número dos Magos é variado, nas representações dos primeiros tempos. Algumas imagens mostram apenas dois, mas na catacumba de Santa Domitilla, em Roma, aparecem quatro e podem chegar a doze em representações da Idade Média. Pensa-se que o número três terá a ver com as prendas oferecidas: ouro, incenso e mirra, e também com o facto de se ter estabelecido, talvez por razões populares, que cada um tivesse uma cor de pele diferente.

Quanto aos nomes de Gaspar, Melchior e Baltazar aparecem, ao que se julga pela primeira vez, nos já mencionados mosaicos da Basílica de San Apollinare Nuovo, em Ravena, e começam a ser referidos numa série de fontes a partir do séc. VII.