Epicuro: "Há outros locais possiveis de vida".
Todas as épocas e civilizações tiveram a sua cosmologia, a narrativa de como começou o universo e para onde ele vai. Que lugar ocupamos nós no cosmos e, questão crucial, estaremos sozinhos na vastidão dos espaços estelares e galácticos ?

Quando o homem se meteu pela primeira vez a observar as estrelas, provavelmente na fase paleolítica final do seu desenvolvimento, era natural que visse no universo uma porção de terra chata, rodeada pelo mar e coberta por um céu em cúpula transparente, onde se achavam o Sol, a Lua e as estrelas. Que o Sol e a Lua são dotados de movimento vêem-no até os olhos mais distraídos, mas só bastante mais tarde o homem notaria que certas "estrelas" - os planetas do sistema solar - se moviam também nos céus, de fundo ao encontro das estrelas fixas.

Os primeiros astrónomos de que temos conhecimento certo foram os da Mesopotâmia, da Índia e da China sendo eles quem começaram a registar, sistematicamente, os fenómenos celestes, embora as estreitas ligações entre os movimentos do Sol e da Lua e as datas indicadas para as sementeiras e colheitas devam ter constituído o interesse primordial para os primeiros agricultores do começo do período Neolítico (c. de 10 000 anos a.C.). Foram porém os gregos, a civilização que esteve na base da nossa, que tentaram explicar os fenómenos astronómicos em termos físicos. Muitos anteciparam-se para a sua época. Sabemos, por exemplo, que Aristarco de Samos (c. 320 -250 a.C.) antecipou em mais de 1700 anos o sistema heliocêntrico de Copérnico, dizendo que a Terra era apenas um planeta que, tal como os outros, girava em volta do Sol e que as estrelas estavam a distâncias enormes. Um seu contemporâneo, da mesma cidade, Epicuro, escreveu que "talvez possam existir outros locais possíveis de vida, para além da Terra", devendo ser considerado justamente o precursor da moderna astrobiologia.

A astrobiologia é com efeito o estudo científico das possibilidades de vida no universo, seu passado, presente e futuro. Começa com a investigação da vida na Terra, o único local até ao momento onde sabermos que ela existe, e estende-se aos outros planetas e corpos do sistema solar, espaço interplanetário, outros sistemas planetários, sistemas galácticos e universo em geral. Os seus limites espaciais envolvem tudo o que é observável e temporalmente podemos dizer que os seus horizontes se prolongam aos primórdios do universo, logo após o "big bang", quando as primeiras nucleossínteses de elementos se deram.

"Tantos sóis iguais ao nosso", frase atribuída a Giordano Bruno. Imagem do enxame aberto M7. Crédito: AURA/NOAO/NSF.
Com efeito a astrobiologia abarca uma diversidade de tópicos e disciplinas que se podem categorizar de acordo com as seguintes três questões fundamentais: Como se originou a vida ? Qual a sua evolução futura ? Estamos sós no Universo ? É por isso correcto afirmar que esta ciência corresponde a um olhar holístico sobre a vida, a Terra e o universo.

Enquanto aquelas questões foram colocadas desde os primórdios da civilização, só os recentes avanços da exploração espacial, associados a técnicas analíticas que poucos imaginavam possíveis, permitiram o estabelecimento deste assunto, que a princípio parecia domínio da ficção ou especulação científica, num território de solidez científica, passível de observação e experimentação. Os seus métodos ultrapassam um pouco os das ciências clássicas, podendo afirmar-se que esta ciência permite uma abordagem multidisciplinar em que o seu todo é maior que a soma das partes. Daí que a astrobiologia absorva um espectro de informações da química, geologia, astronomia, ciências planetárias, paleontologia, física, biologia, matemática… emergindo com uma perspectiva singular sobre o nosso conhecimento e lugar no universo.

Carl Sagan: o precursor dos modernos estudos da Astrobiologia. Crédito: Bill Ray/Random House.
Etimologicamente podemos afirmar que em si a astrobiologia em nada se separa da bioastronomia, que conta com uma Comissão própria na União Internacional de Astronomia (a Comissão 51), ou da exobiologia, uma designação atribuída ao biólogo Joshua Lederberg, no ano de 1960, e muito utilizada pelo astrónomo e divulgador científico Carl Sagan (1934-1996).

Sagan foi com efeito o cientista que mais esteve envolvido no acarinhar da pesquisa de vida para além da Terra, levando a que muitas missões planetárias da NASA encaixassem programas que visassem o estudo das condições de provável existência de vida, nomeadamente em Marte. Alargou ainda o âmbito destas pesquisas ao contacto e procura de sinais de eventuais civilizações extraterrestres inteligentes, um programa que hoje continua com a designação de Search for Extraterrestrial Intelligence (SETI). Carl Sagan num manual que escreveu sobre o assunto ("Intelligent Life in the Universe"), em colaboração com o astrofísico soviético Iosif Shklovskii, já nos idos anos 60, considerava-se um "optimista cauteloso" sobre a questão da vida inteligente no universo. Passados 40 anos sobre esse primeiro trabalho profundo, a astrobiologia está aí, despojada de optimismos ou de reacções emotivas. A procura de vida para além da Terra começou ontem e já muito aprendemos sobre as condições em que ela se pode formar, evoluir e adaptar. Também a procura de outros sistemas planetários é uma aventura que não tem paralelo na história da ciência e que poucos descortinam onde nos poderá levar.