Figura 2 - A galáxia Sombrero. Crédito: ESO.
Quando olhamos para o céu nocturno, são as estrelas que chamam a nossa atenção, são elas que nos fascinam. Foram elas que despertaram o interesse dos nossos antepassados e os fizeram imaginar figuras no céu a que chamamos constelações. E, ao olharmos para elas, podemos ser levados a pensar que o espaço entre elas é vazio, desprovido de interesse. Nada de mais errado. Na realidade, o espaço entre as estrelas não é vazio e o seu estudo constitui, actualmente, uma das áreas mais activas da Astronomia, pois é nele que residem os mistérios da génese das próprias estrelas. De facto, existem enormes quantidades de gás e poeira entre as estrelas e é este o material embrionário a partir do qual elas se formam. O gás é essencialmente hidrogénio. A poeira é essencialmente constituída por grãos de grafite e silicatos. Estes grãos são de reduzidíssimas dimensões, inferiores às das partículas do fumo do tabaco. Apesar destas reduzidas dimensões, estes grãos desempenham um papel fundamental na formação de estrelas. É esta poeira e este gás que constituem o chamado Meio Interestelar.

Figura 3 - A galáxia espiral Whirlpool. Crédito: NASA, STScI/AURA.
As figuras 2 e 3 mostram duas galáxias. Nelas é visível que uma galáxia não é constituída, apenas, por estrelas. Na Figura 2 é bem evidente a existência de um disco de poeira envolvendo a galáxia Sombrero, criando zonas de obscurecimento que impedem que algumas partes da galáxia sejam visíveis. A Figura 3 mostra a galáxia Whirlpool, uma galáxia espiral tal como a nossa Via Láctea, sendo visíveis os seus braços espirais onde se nota a presença de manchas escuras de poeira em conjunto com zonas de elevada luminosidade. Estas zonas mais brilhantes são zonas activas de formação de estrelas, autênticos berçários de estrelas. O seu brilho deve-se à emissão produzida por hidrogénio ionizado. Por este motivo estas regiões são designadas por regiões HII.

Estima-se que o meio interestelar constitua cerca de 10% da massa da nossa Galáxia. Desse material, apenas 1% se encontra sob a forma de poeira. Apesar de constituir uma pequena fracção da massa do meio interestelar, a poeira vai ter um papel preponderante na formação de estrelas. A poeira e o gás organizem-se em nuvens, ditas nuvens moleculares por serem formadas pelas mais variadas moléculas, desde a molécula mais abundante de hidrogénio (H2), passando por moléculas como CO, CS, NH3, e outras bem mais complexas.

Ano Luz: 1 ano-luz é a distância percorrida pela luz ao fim de um ano. Corresponde a 9,5x1015 m, o equivalente a mais de 60 000 vezes a distância média da Terra ao Sol.
Estas nuvens moleculares estão entre os objectos mais frios do Universo, sendo a sua temperatura típica cerca de -250°C. As nuvens maiores, designadas Nuvens Moleculares Gigantes, atingem centenas de anos-luz de extensão, podendo conter cerca de 1 milhão de massas solares sob a forma de gás e poeira. Estas são as maiores formações existentes na Galáxia.

Figura 4 - Nuvem escura Barnard 68. Crédito: ESO.
Por vezes estas nuvens contêm tanta matéria que a luz das estrelas que se encontram por detrás não consegue atravessá-las. Como exemplo, a Figura 4 mostra, não um "buraco no céu" desprovido de estrelas, mas sim uma nuvem escura, tão escura que practicamente não se vêem estrelas através dela. É no interior de nuvens deste tipo que as estrelas se formam. Repare-se no forte obscurecimento produzido pela nuvem na luz emitida pelas estrelas que se encontram por detrás de si. Este é um dos efeitos produzidos pela poeira de que estas nuvens são constituídas. A este fenómeno dá-se o nome de extinção interestelar.

Em alguns casos esta extinção assume contornos bastante curiosos, formando nuvens escuras com formas peculiares. Um dos exemplos mais conhecidos é a nebulosa Cabeça de Cavalo (Figura 5).

Um facto curioso é que esta extinção é selectiva, isto é, não se dá da mesma forma em todos os comprimentos de onda. De facto, se olharmos para a nuvem da Figura 4 com instrumentos sensíveis a radiação infravermelha, aquilo que observamos é completamente diferente.

Figura 5 - Nebulosa Cabeça de Cavalo. Crédito: ESO.
Mícron: 1 mícron = 0,000001 m.
Repare-se na sequência de imagens apresentadas na Figura 6. Cada imagem corresponde a uma observação feita num comprimento de onda diferente. À medida que realizamos observações correspondentes a comprimentos de onda cada vez maiores, começando na região óptica do espectro (0,44 mícron) e percorrendo a região do infravermelho próximo, detectamos cada vez mais estrelas. Na sequência das imagens em baixo, correspondentes aos comprimentos de onda 1,25, 1,65 e 2,2 mícron, é bem visível a detecção de estrelas na direcção da nuvem escura. Estamos, neste caso, a detectar a luz das estrelas que se encontram por detrás da nuvem. Estamos, igualmente, a detectar a luz das estrelas que se encontram no interior da nuvem, estrelas jovens embebidas na própria nuvem, qual larvas no interior dos seus casulos embrionários.

Estas estrelas em formação, designadas por proto-estrelas, emitem na banda do infravermelho, devido à baixa temperatura do material de que são formadas. Assim, apesar dos estágios iniciais de formação de uma estrela nos estarem vedados na região visível do espectro, podemos a eles aceder através de observações realizadas no infravermelho. E isto acontece porque a poeira de que as nuvens são feitas não extingue tão bem a radiação infravermelha como extingue a radiação visível. A extinção é, assim, selectiva. A radiação visível é absorvida, tornando a nuvem opaca, qual objecto imerso num denso nevoeiro. A radiação infravermelha penetra na nuvem e consegue escapar e chegar até nós.

Figura 6 - Nuvem escura Barnard 68 vista a comprimentos de onda diferentes. Crédito: ESO.

Para além de extinguir a luz das estrelas, a poeira altera-lhe, ainda, a sua cor. De facto, a luz das estrelas que se encontram por detrás da nuvem aparece-nos mais avermelhada do que na realidade é. Este fenómeno de "avermelhamento" é conhecido, no meio científico, por "reddenning". A poeira absorve e dispersa, preferencialmente, a componente azul da luz emitida pelas estrelas, pelo que a luz que chega até nós vai-nos chegar "avermelhada". O mesmo fenómeno ocorre durante um pôr-do-Sol, neste caso sendo o "avermelhamento" produzido pela atmosfera terrestre. De notar aqui que, o efeito de "reddenning" protagonizado pelo meio interestelar, é um efeito extremamente subtil, sendo apenas detectado em imagens de telescópio. Se uma estrela nos parecer vermelha à vista desarmada, isto não é devido ao efeito da poeira interestelar que possa existir entre ela e nós, mas sim devido à baixa temperatura da superfície da estrela. É igualmente importante distinguir o efeito de "reddenning" do efeito de "desvio para o vermelho". O efeito de "desvio para o vermelho", conhecido por efeito de Doppler, desloca toda a luz que um objecto possa emitir para comprimentos de onda maiores, isto no caso de ele se encontrar em movimento e a afastar de nós. O efeito de "reddenning", pelo contrário, faz com que um objecto se nos apresente avermelhado, não devido a um efeito de deslocamento do comprimento de onda, mas devido à filtragem dos comprimentos de onda menores (correspondentes à zona azul do espectro). É, assim, um efeito de selecção.

É o estudo do efeito na luz das estrelas protagonizado pela poeira que permite aos astrónomos determinar as condições físicas no interior destas nuvens, tal como a sua temperatura, a sua densidade e a sua morfologia. O estudo do efeito de extinção e de "reddenning" em diferentes direcções do espaço permitiu, igualmente, concluir que estes se fazem sentir, preferencialmente, no plano da nossa galáxia, pondo em evidência que a maior parte da poeira se encontra distribuída neste plano, nomeadamente ao longo dos braços espirais da galáxia, tal como no exemplo apresentado na Figura 3. Outros estudos permitiram igualmente concluir que o gás interestelar está igualmente disperso por estes braços espirais. São esta poeira e este gás que vão constituir a matéria prima a partir da qual as estrelas se formam.