A história mitológica que abaixo reproduzimos é retirada do livro Zodíaco: Constelações e Mitos, Nuno Crato, Gradiva 2001.
Trata-se de um conto que adapta livremente uma versão da lenda grega que envolve a luta entre o caçador Oríon e o Escorpião. Como o leitor verá, para além da beleza poética do mito, a história constitui uma óptima menmónica para a localização destas constelações no céu e para recordar os momentos de seu aparecimento e desaparecimento ao crepúsculo. Esta história é um exemplo das relações que existem entre a mitologia do céu e alguns factos astronómicos. Por ela se vê também como as histórias mitológicas podem servir de incentivo à observação das constelações. A Lenda de Oríon e Escorpião
Privado da esposa, Orion deambulou perdido pela Terra. A certa altura, ao passar pela ilha de Quios, famosa pela sua caça grossa, avistou Mérope, a princesa do reino, que tocava a sua flauta nas margens de um rio. Mal se viram, os jovens apaixonaram-se. Mérope nunca tinha visto um gigante tão belo e Orion nunca tinha visto uma jovem tão inocente e tão dotada. Mas os seus amores estavam também destinados à tragédia.
O pai da jovem, o rei Enópion, era conhecido por ter introduzido o vinho tinto - o seu nome, em grego, significa "o que bebe vinho". Nessa altura, o vinho era ainda pouco conhecido e Enópion conseguia enganar os passantes e embriagá-los. Opondo-se aos amores dos dois jovens, conseguiu embriagar Orion. Quando o gigante estava ferrado no sono pesado do álcool, Enópion cegou-o com uma espada e conseguiu expulsá-lo do reino. Orion, contudo, com a ajuda de um menino que se sentou nos seus ombros e o guiou, conseguiu caminhar até ao Sol Nascente.
Quando a deusa da aurora o viu, apaixonou-se pelo jovem gigante e decidiu ajudá-lo. Com as suas artes, conseguiu recuperar-lhe a vista. Orion ficou alguns tempos com a deusa, mas os seus amores foram curtos e em breve partiu para novas conquistas.
Os dois famosos caçadores do mundo antigo juntaram-se e criaram uma forte amizade. Durante o dia, partiam à procura de novas florestas onde encontrassem animais selvagens. À noite, sentavam-se em redor da fogueira e contavam um ao outro as suas aventuras. Dizia-se que estavam apaixonados, mas a verdade é que Ártemis, deusa sempre jovem e casta, apenas pensava nos desportos, no ar livre e na caça.
Ártemis era uma personagem misteriosa. Dizia-se que era a deusa da Lua, tal como o seu irmão Apolo era o deus do Sol - e a verdade é que ela se passeava nas noites de Lua Cheia. Dizia-se também que era fria e vingativa, que matava por gosto - e a verdade é que Apolo e a deusa se tinham muitas vezes entretido a massacrar jovens guerreiros. Talvez o gosto pelo sangue lhes tivesse ficado dos combates antigos com os gigantes que desafiavam Zeus, o chefe dos deuses que os dois irmãos ajudaram nessa guerra antiga.
Ártemis e Orion eram amigos, mas a deusa, que se manteve sempre virgem, não queria nada mais do que a amizade. O que se passava com Orion nunca ninguém chegou a saber. É possível que se tivesse apaixonado por Ártemis, que era muito bela, de uma beleza atlética que devia ter agradado ao caçador gigante. Mas é possível que não, que as más línguas são capazes de tudo.
O que se passou em seguida nunca ninguém soube explicar. Um dia, quando o gigante se passeava pelas terras de Delos, apareceu-lhe pela frente um escorpião gigantesco. Orion estava habituado a esmagar essas criaturas. Mas este escorpião era maior que qualquer dos animais que existia sobre a Terra. Era maior que o jovem caçador e tinha uma carapaça que nem a espada de Orion conseguia penetrar.
Dizem uns que o escorpião fora enviado pela própria deusa Ártemis, pois uma noite Orion, não resistindo ao desejo, tinha querido violentá-la. Dizem outros que a besta fora enviada pela própria Gaia, a Mãe Terra, pois Orion tinha-se vangloriado de não haver animal que a Terra criasse que ele não pudesse vencer. O certo é que se seguiu uma luta furiosa e que o gigantesco escorpião, impenetrável à espada do caçador e indiferente aos seus golpes, conseguiu aplicar-lhe um golpe mortal, com o ferrão venenoso da sua cauda.
Orion jazia já morto e ainda o escorpião continuava a ferrá-lo quando Zeus apareceu. Impressionado com o poder do animal, o chefe dos deuses levou-o para o céu. Comovido com o heroísmo do gigante vencido, transportou-o também para o firmamento, mas colocou-o em posição oposta à do seu vencedor, de forma que os dois inimigos pudessem estar nos céus sem nunca se verem. Assim estão até hoje: quando a Primavera começa, Orion desaparece no brilho do Sol; quando o Outono aparece, o perigoso escorpião é engolido pelo horizonte do ocaso.
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