Por vezes, as pessoas abordam-me a propósito do meu gosto pela astronomia e pela mitologia dos céus. Uns, de forma aprovadora, dizem-me que também gostam muito de astrologia... Outros, numa atitude crítica, acusam-me de escrever sobre crendices. Os primeiros, por falta de cultura científica, confundem o gosto pela observação dos astros e pelas histórias do céu com o culto da astrologia. Os segundos, por possuírem uma visão estreita da cultura científica, desconfiam de qualquer gosto pela poesia do firmamento. Habitualmente, tenho muito trabalho a explicar a uns e a outros que a astronomia é uma ciência e a mitologia, poesia. Que não são incompatíveis pois estão situadas em esferas distintas da actividade humana. E que nem uma nem outra têm nada a ver com a astrologia, pois esta é uma crença na influência dos astros, crença que é impossível de verificar ou contestar empiricamente. Habitualmente, as pessoas do primeiro grupo percebem-me mais depressa que as do segundo, que ficam sempre desconfiadas. Não será que estou a fazer concessões ao irracionalismo da astrologia?

Essa desconfiança é tão grande que houve um físico que uma vez me acusou publicamente de misticismo. Tinha eu escrito um conto sobre Hércules e Leão e mostrado um mapa do céu onde estavam essas constelações. Acusou-me de acreditar em crendices. Respondi-lhe o que me parecia óbvio: que ao falar de Zeus, de Hércules e do Leão de Némea estava a contar uma história engraçada, que essa história poderia despertar as pessoas para a observação das constelações, e que toda a gente deveria perceber que a poesia não é inimiga da ciência. No fim, pedi-lhe: "far-me-á o favor de admitir que eu não acredito em Zeus nem em Hércules". O físico não respondeu, deixando implícito que me considerava crente dos deuses gregos.

Não sei como se passariam as coisas há algumas décadas. Mas actualmente, na era das imagens coloridas do Hubble, das fotografias do vaivém espacial e da discussão sobre o Big Bang e os buracos negros, há muita gente que identifica astronomia com astronáutica e com cosmologia (o que, nos dias de hoje, não é completamente errado) e associa constelações com astrologia e misticismo (o que é completamente absurdo).

Procuremos nos dicionários. Um dos melhores em língua portuguesa, o Aurélio, define Astronomia como "a ciência que trata da constituição, da posição relativa e dos movimentos dos astros". É uma primeira aproximação, mas pode-se discordar. O Cambridge Dictionary of Astronomy, de J. Mitton, é um pouco mais preciso: diz tratar-se do "estudo do Universo e do que o constitui para além da atmosfera terrestre". Outros dicionários terão outras definições, mas para uma primeira aproximação estas duas servem-nos.

Passemos à Astrologia. O Aurélio diz tratar-se do "estudo e/ou conhecimento da influência dos astros, especialmente de signos, no destino e no comportamento dos homens". Poucos astrónomos estarão de acordo. Para além de ser pouco clara e implicitamente incluir os signos entre os astros, esta definição pressupõe a existência de uma influência destes no destino humano. Voltemos a J. Mitton: a astrologia é "a prática da tradição que pretende conectar as características humanas e o curso dos acontecimentos com as posições do Sol, Lua e planetas em relação às estrelas". Parece melhor. Quem tem uma atitude científica ficará contente se continuar a ler até onde a entrada deste dicionário afirma que "a maioria dos cientistas encaram-na como uma pura superstição". Mais interessante ainda é a passagem seguinte: "No passado, era menos clara a distinção entre astrologia e a ciência da astronomia; muitas observações astronómicas úteis foram feitas com propósitos astrológicos".

Falta definir mitologia. O dicionário de astronomia da Cambridge não nos ajuda. Mas o Aurélio inclui uma acepção geral que a descreve como "conjunto de mitos de um povo, de uma civilização, de uma religião" e uma acepção mais estrita que a define como "História fabulosa dos deuses, semideuses e heróis da Antiguidade greco-romana."

Todas estas definições podem ser discutidas à exaustão. Mas a ideia geral estará clara. O mais interessante é perceber como estas três atitudes estiveram ligadas e se separaram com o advento da ciência moderna.