A explicação não é simples mas, sendo um excelente exemplo de dedução e de aplicação do método científico, vale a pena apresentá-la aqui. Na nebulosa primitiva que deu origem ao Sistema Solar o carbono e o azoto encontravam-se principalmente sob a forma de CO e N2. O hidrogénio era o gás mais abundante, mas tinha inicialmente uma densidade muito baixa. O hidrogénio é chamado um gás redutor, pois as outras espécies químicas têm tendência a ligar-se a ele, reduzindo assim as hipóteses de reagirem com outras moléculas. Durante a formação de Saturno o aumento da densidade do hidrogénio e da temperatura naquela região da nebulosa permitiu que ocorressem reacções químicas que converteram o CO em metano (CH4) e o azoto em amónia (NH3). Isto é, quimicamente, a redução do azoto e do carbono.
| |
| |
Estrutura cristalina do gelo vulgar. Os átomos de H e de O são representados por esferas azuis e vermelhas, respectivamente. As células hexagonais podem hospedar moléculas como o metano e a amónia no seu interior. | |
Por outro lado, sabemos que Titã se formou pela agregação de muitos blocos, chamados planetesimais, num processo designado por acreção. Os planetesimais eram constituídos principalmente por gelo. Ora o gelo é água no estado sólido e, nos cristais de gelo, conforme a pressão e temperatura, as moléculas de água podem formar várias estruturas. A mais comum, chamada gelo Ih, é uma estrutura de lados hexagonais, em favo de mel. É este o gelo vulgar que encontramos no congelador ou na neve.
A estrutura em favos dos cristais de gelo permite aprisionar as moléculas de certos gases no seu interior. Assim, a presença de gelos na nebulosa solar primitiva é a chave para a existência de uma atmosfera em Titã, pois o metano e a amónia que existiam na nebulosa foram aprisionados no gelo que formou os planetesimais. De facto, este processo de confinamento de certos gases nos cristais de gelo é um dos mais importantes para explicar a composição e a estrutura interna de muitos objectos do Sistema Solar. Os gelos que contêm moléculas de outros gases designam-se por clatratos, que podem ser de amónia, de metano, etc., conforme o gás que predomina no seu interior. Também pode acontecer a molécula hospedeira ocupar o lugar de uma molécula de água na estrutura cristalina do gelo, caso em que se fala de clatratos hidratados.
| |
| |
| A sonda Voyager. Lançadas em 1977, as duas sondas gémeas Voyager 1 e 2 deram-nos uma visão sem precedentes dos planetas gigantes do Sistema Solar e dos seus sistemas de luas e anéis. Cred: JPL/NASA |
Durante a fase de acreção de Titã, a agregação de um número cada vez maior de planetesimais em torno de um núcleo central levou ao aumento da massa, e por isso a uma maior força gravitacional. Isto produziu uma maior pressão e temperatura no interior, pois as camadas mais internas ficaram sujeitas ao maior peso das camadas externas. Nestas condições os cristais de gelo cedem, libertando o metano e a amónia aprisionados no seu interior. Estes gases são voláteis, facilmente escapando através da superfície. Por fim, o metano e a amónia permaneceram ligados ao globo por acção da força da gravidade, formando a atmosfera. O escape dos voláteis do interior de um planeta ou satélite é normalmente designado pelo termo em inglês, "outgassing". Em português não existe um termo comum, sendo talvez "escape gasoso" o mais apropriado.
Mas ainda não acabámos! Falta saber como apareceu o azoto na atmosfera. É que a luz ultravioleta do Sol destrói a molécula de amónia, num processo chamado fotólise. Os átomos de azoto resultantes tendem a ligar-se entre si, formando moléculas de azoto, que são muito mais estáveis que a amónia. Assim, o resultado do processo de formação de Titã foi uma atmosfera de azoto e metano. As observações indicam uma composição de cerca de 90% de azoto, e 5 a 10% de metano, existindo outros gases em quantidades residuais.
Mas há um problema, pois a luz do Sol destrói não só a amónia, mas também o metano. Vamos ver mais à frente porque ele ainda existe em Titã.
|
|
Esquema da fase inicial de formação de Titã. Pode ver-se a nebulosa que deu origem ao Sistema Solar (em cima à esquerda), a sub-nebulosa de Saturno (à direita) e um esquema da formação de Titã por acreção de planetesimais. Estes, essencialmente constituídos por gelo e poeira, são atraídos pela gravidade de um núcleo rochoso. |
|