Quanto mais numerosa a família, mais atribuladas se pensaria serem as vidas dos seus membros. No entanto... será isso verdade?

Com dimensões menores, tanto de massa, extensão e número de galáxias, os grupos albergam, no máximo, algumas dezenas de galáxias. No entanto, é muitas vezes nestes pequenos aglomerados (ou mesmo nos pares de galáxias) que se observam as interacções mais espectaculares.

Imagem no visível de um grupo de galáxias baptizado Quinteto de Stephan. N.A.Sharp/NOAO/AURA/NSF
O famoso Quinteto de Stephan é um belo exemplo de um grupo de galáxias unidas gravitacionalmente. Trata-se, em particular, de um grupo compacto por ter um tão reduzido número de galáxias num volume pequeno do espaço. Estas características favorecem as interacções entre as galáxias pertencentes a esta "família".

No entanto, a determinação exacta dos membros de um grupo ou enxame não é, por vezes, tarefa fácil.

NGC7320, a grande galáxia azul (ao centro e em baixo na imagem), inicialmente considerada como indubitavelmente pertencente a este grupo por parecer estar próxima das outras, rapidamente lançou a polémica. Cuidadosas - mas não infalíveis! - determinações da distância a cada uma das galáxias da imagem apontam para o facto de que este quinto membro estará possivelmente muito mais próximo de nós, sendo a sua aparente proximidade às outras galáxias do grupo um mero efeito de projecção. De facto, a determinação de distâncias em Astronomia é ainda hoje extremamente difícil. No entanto, equipas concorrentes de astrónomos argumentam que NGC7320 é atravessada por um filamento de gás cujas características observadas o coloca, não à distância estimada para esta galáxia mas antes consistente com a das galáxias circundantes na imagem. Esta e outras distorções morfológicas que são observadas em NGC7320 seriam induzidas pela interacção gravitacional desta galáxia com as outras, implicando uma proximidade física em aparente contradição com as diferentes estimativas obtidas para as distâncias a estes objectos.

Prosseguem actualmente extensivas e mais refinadas observações deste grupo, enquanto as opiniões ainda se dividem sobre a inclusão de NGC7320 no Quinteto de Stephan.

Por outro lado, a pequena galáxia visível no bordo esquerdo da mesma imagem está, aproximadamente, à mesma distância que os membros confirmados do grupo, revelando ainda uma cor semelhante, o que pode servir para corroborar essa facto.

Apesar destas incertezas, manteve-se o nome deste grupo de galáxias - derivado de ter sido incluído pela primeira vez num artigo cientifico pelo astrónomo A.E. Stephan em 1877 - por já ter granjeado grande notoriedade. E, de qualquer modo, a existência de um sistema gravitacionalmente ligado formado por (pelo menos) quatro das galáxias centrais na imagem é inequívoco. Bem como a interacção gravitacional em curso entre algumas delas. Repare-se, por exemplo, nas duas galáxias já tão próximas que estão perto de se amalgamarem completamente.

A Nossa "Família": O Grupo Local

Se quisermos um exemplo de um grupo de galáxias típico em que a ligação gravitacional entre os seus membros é menos forte, não precisamos de ir mais longe do que considerar a nossa própria galáxia e a sua vizinhança: o Grupo Local.

O esquema mostra, centrado na Via Láctea, a vizinhança da Galáxia num raio de 2,5 milhões de anos-luz, abarcando o Grupo Local. Richard Powell


O Grupo Local é constituído por cerca de 40 galáxias distribuídas numa extensão de aproximadamente quatro milhões de anos-luz, das quais a Via Láctea é uma das três maiores juntamente com Andrómeda e a galáxia do Triângulo. Os restantes membros do grupo são galáxias anãs (maioritariamente elípticas e irregulares), muitas das quais são satélites da Via Láctea ou de Andrómeda, orbitando directamente em torno destas duas grandes espirais.

Imagem, no visível, da grande galáxia de Andrómeda. A luz difusa é proveniente das centenas de milhar de milhões de estrelas que a formam. As estrelas resolvidas que enquadram a galáxia são, de facto, pertencentes à Via Láctea, estando apenas projectadas na linha de visão de Andrómeda. Na imagem aparecem também duas das galáxias-satélite de Andrómeda, M32 e M110. SEDS (Students for the Exploration and Development of Space)
Para nos apercebermos das dimensões em causa podemos idealizar um modelo simples, à escala, no qual, se a Via Láctea tivesse a dimensão de um prato de 30 centímetros de diâmetro, então...
- as Nuvens de Magalhães seriam pequenas bolas irregulares de algodão com pouco mais de 5 centímetros de extensão, e estariam cerca de meio metro acima do prato;
- a galáxia de Andrómeda seria um prato de 54 centímetros de diâmetro, à distancia de pouco mais de 7 metros e meio do prato que representa a Via Láctea;
- o resto das galáxias que fazem parte do Grupo Local seriam, na maior parte, igualmente bem representadas por pequenas bolas de algodão e estariam espalhadas por uma sala com 10 metros de lado.

Embora aparentemente mais calmo do que o Quinteto de Stephan, o Grupo Local é também palco de interacções entre as galáxias que o constituem.

Por exemplo, a Via Láctea e Andrómeda estão a aproximar-se a uma velocidade relativa de cerca de 300 km/s (ou pouco mais de um milhão de km/h). Apesar de se encontrar a uma distância superior a dois milhões de anos-luz de nós, a galáxia de Andrómeda é visível a olho nu nos locais mais escuros ou com a ajuda de binóculos ou um pequeno telescópio, aparecendo como uma pequena mancha de brilho muito ténue.

Também neste caso as opiniões da comunidade cientifica não são unânimes: enquanto certos astrofísicos estimam que estas duas grandes galáxias estão em rota de colisão, outros defendem que o movimento relativo indica que a nossa Galáxia e Andrómeda se encontram nos extremos opostos de uma órbita extremamente alongada em torno do centro de massa do grupo.

Seleccione a imagem para ver o filme (3000 Kb).
John Dubinski (CITA, University of Toronto)
Se a primeira hipótese for verdade, espera-se que dentro de aproximadamente três mil milhões de anos as duas galáxias colidam para, durante os mil milhões de anos que se seguem a esse primeiro "encontro", se envolvam numa complexa "dança gravitacional" que terminará na fusão das duas e consequente formação de uma única galáxia elíptica. Neste caso, a simulação seguinte ilustra bem o processo dinâmico que ocorrerá.

A uma escala mais pequena, e considerando a galáxia de Andrómeda, a imagem mostra ainda duas das suas galáxias companheiras muito próximas: as anãs elípticas M32 e M110.

Esquema mostrando a destruição progressiva de uma galáxia anã espiralando em direcção a um sistema de maior dimensão.
Katherine Johnston
Existe uma interacção notória entre Andrómeda e a mais pequena das galáxias-satélite, M32. Pensa-se que esta seja, alias, a responsável por algumas peculiaridades observadas na estrutura espiral de Andrómeda: os braços espirais de hidrogénio neutro desta galáxia encontram-se cerca de 4000 anos-luz deslocados do padrão espiral desenhado pelas estrelas, chegando mesmo a interromper-se na região mais próxima de M32. Simulações em computador demonstraram que estes distúrbios podem, com efeito, ser o resultado de um encontro próximo recente de Andrómeda com um companheiro de massa igual à de M32. Muito provavelmente, esta pequena galáxia terá também sofrido com esta interacção, tendo seguramente perdido muitas das suas estrelas que se encontrarão agora distribuídas pelo halo de Andrómeda, como se esquematiza na figura.

Por outro lado, o telescópio espacial Hubble revelou que Andrómeda possui um núcleo duplo. Tal como já foi referido, este tipo de característica - a ser real - sugere que esta galáxia tenha "engolido", algures no seu passado, uma galáxia de menores dimensões, sem ainda a ter "digerido" completamente.

Uma explicação alternativa baseia-se no facto de a observação não ser real mas resultado de parte do núcleo único de Andrómeda se encontrar obscurecido por nuvens de gás e poeira. Este material, ao absorver a radiação proveniente daquela região, proporcionaria assim a ilusão de existir uma separação física em dois do núcleo realmente único da galáxia.

Se regressarmos, no entanto, à nossa própria galáxia e à sua vizinhança imediata, podemos debruçar-nos sobre a interacção entre a Via Láctea e as suas galáxias-satélite.


O esquema mostra a região do espaço centrada na Via Láctea, evidenciando as galáxias-satélite da nossa que se encontram a uma distancia inferior a cerca de 250 mil anos-luz.
Richard Powell



As célebres Nuvens de Magalhães, bem identificáveis no céu do hemisfério Sul como dois "novelos" brilhantes, estão provavelmente numa órbita conjunta (por estarem gravitacionalmente ligadas entre si) em torno da Via Láctea que vai decaindo com o passar do tempo. Estando de facto a passar pelo halo da nossa Galáxia, a matéria aí presente exercerá uma fricção dinâmica sobre o movimento das Nuvens de Magalhães, fazendo com que estas espiralem em órbitas cada vez mais próximas da Via Láctea. O resultado inevitável e final desta captura das Nuvens de Magalhães pela Via Láctea será assim a sua "canibalização" dentro de algumas centenas a milhares de milhões de anos.


Imagem no óptico das galáxias irregulares satélites da Via Láctea conhecidas como Grande Nuvem de Magalhães (à esquerda) e Pequena Nuvem de Magalhães (à direita). O primeiro relato de observação destes objectos no céu deve-se ao explorador Fernão de Magalhães, numa das suas viagens de navegação realizada há mais de 500 anos atrás.
W. Keel (U. Alabama in Tuscaloosa), Cerro Tololo, Chile


Ilustração da "corrente" de Magalhães.
Dallas Parr (CSIRO)
Independentemente do destino destas pequenas galáxias irregulares, são já notórios os efeitos devastadores da interacção gravitacional com a "gigantesca" Via Láctea (de massa 100 vezes superior à da Grande Nuvem de Magalhães). Um exemplo é a "corrente" de Magalhães, uma banda de hidrogénio neutro que se estende pela órbita das Nuvens de Magalhães e que pode ter sido criada pelo varrimento de gás dessas galáxias aquando da sua passagem através do halo da Via Láctea (provavelmente, e segundo os modelos, há cerca de 200 milhões de anos atrás). Ou então terá sido a força de atracção gravitacional diferencial (forca de maré) exercida pela Via Láctea sobre as Nuvens de Magalhães a arrancar o gás destas galáxias, o qual formou um rasto na órbita destas.

As duas teorias são suportadas por diferentes observações: as medições obtidas pelo satélite Hipparcos dos suaves movimentos angulares do gás indicam que as nuvens precedem a corrente. Mas observações rádio localizaram gás que emergiu recentemente das nuvens, o que parece apoiar a segunda explicação.

Este aparentemente insignificante aglomerado difuso de estrelas pertence à galáxia anã do Sagitário. Esta ténue e dispersa pequena galáxia está a cerca de um terço da distância à Grande Nuvem de Magalhães, anteriormente considerada a galáxia mais próxima de nós. As estrelas maiores são estrelas da nossa própria galáxia que se encontram na linha de visão, em primeiro plano.
A. Oksanen, 2.6 meter Nordic Optical Telescope
Durante muito tempo consideradas as galáxias mais próximas da Via Láctea, as Nuvens de Magalhães foram destronadas deste seu estatuto por uma pequena galáxia descoberta por volta de 1994 por um grupo de astrónomos de Cambridge que observavam o céu na direcção do centro da Via Láctea. Bem escondida atrás deste espesso véu de estrelas, gás e poeira da nossa galáxia, a anã elíptica de Sagitário deve o seu nome ao facto de se situar na direcção da mesma constelação, no plano da Galáxia. A surpresa maior, no entanto, foi a significativa proximidade deste pequeno objecto que a Via Láctea está calmamente a "engolir". As observações desta galáxia, obviamente difíceis, parecem mostrar, efectivamente, distorções severas da sua morfologia. No entanto, e por meio de cálculos adicionais, foi possível estabelecer que o período orbital da anã elíptica de Sagitário é inferior a um milhar de milhão de anos. Isto implica que ela já terá passado pelo menos uma dezena de vezes através das densas regiões centrais da nossa galáxia. É então absolutamente surpreendente que a pequena galáxia continue a resistir à total disrupção por efeito das forcas de maré da Via Láctea! Os astrónomos suspeitam que este facto é uma indicação segura da existência de uma grande quantidade de matéria escura na anã de Sagitário que, por acção da gravidade, mantém as estrelas e o gás mais fortemente ligados a esta galáxia.