Hubble revela as primeiras imagens de uma kilonova

2013-08-06

À esquerda: a Wide Field Camera 3 do Hubble revelou, a 13 de Junho de 2013, um brilho de luz infravermelha na origem da fulguração de raios gama, designada por GRB 130603B, ocorrida na galáxia SDS J112848.22+170418.5, a 4 mil milhões de anos-luz da Terra. À direita: quando o Hubble observou o mesmo local a 3 de Julho, a fonte havia desaparecido. O brilho extinguindo-se forneceu provas de que se tratava da bola de fogo de brilho em queda de um novo tipo de fulguração estelar denominado kilonova. Crédito: NASA, ESA, N. Tanvir (University of Leicester), A. Fruchter (STScI), and A. Levan (University of Warwick).
O Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
forneceu recentemente as mais firmes evidências até agora obtidas de que as fulgurações de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
de curta duração, ou GRB curtas (short Gama-Ray Bursts), são produzidas pela fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
de dois pequenos objectos estelares extremamente densos.

A prova foi obtida pela detecção de um novo tipo de explosão estelar, denominado kilonova, que resulta da energia liberada quando um par de objectos compactos se fundem. O Hubble observou, no mês passado, a bola de fogo de brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
enfraquecido de uma kilonova, após uma breve fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
ocorrida numa galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
a quase 4 mil milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra. Já se previa que uma kilonova acompanhasse uma GRB de curta duração, mas nunca antes tinha sido observada.

"Esta observação resolve finalmente o mistério da origem das fulgurações de raios gama de curta duração", disse Nial Tanvir, da Universidade de Leicester, no Reino Unido. Tanvir lidera a equipa de investigadores que usou o Hubble para estudar a recente GRB curta. "Muitos astrónomos, incluindo o nosso grupo, já haviam obtido uma grande quantidade de provas de que as fulgurações de raios gama de longa duração (com duração superior a dois segundos) são produzidas pelo colapso de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de grande massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
. Mas tínhamos apenas provas circunstanciais e insuficientes de que as fulgurações curtas eram produzidas pela fusão de objectos compactos. Este resultado surge agora como a confirmação definitiva dessa ideia".

A kilonova é cerca de 1000 vezes mais brilhante do que uma nova causada pela erupção de uma anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
. A explosão de uma estrela de grande massa, uma supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
, pode ser até 100 vezes mais brilhante que uma kilonova. As fulgurações de raios gama são misteriosos flashes de intensa radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
de alta energia que surgem a partir de direcções aleatórias no espaço. As fulgurações curtas duram no máximo poucos segundos, mas às vezes produzem brilhos remanescentes (afterglows), ténues, em luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
e infravermelho próximo
infravermelho próximo
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 5 mícrones. Esta banda permite observar astros ou fenómenos com temperaturas entre 740 e 5200 graus Kelvin.
, que perduram por várias horas ou dias. Os afterglows têm ajudado os astrónomos a determinar que as GRBs ocorrem em galáxias distantes.

Os astrofísicos já previam que as GRBs de curta duração fossem criadas quando duas estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
extremamente densas num sistema binário se movem juntas em espiral. Este evento acontece à medida que o sistema emite radiação gravitacional, criando pequenas ondas no tecido do espaço-tempo
espaço-tempo
O espaço-tempo é um conceito único introduzido por Albert Einstein no âmbito da Teoria da Relatividade Geral, que reconhece a união do espaço e do tempo.
. A energia dissipada pelas ondas faz com que as duas estrelas fiquem mais próximas. Nos milissegundos finais antes da explosão as duas estrelas fundem-se numa espiral de morte que expele material altamente radioactivo. Este material é aquecido e expande-se, emitindo uma fulguração.

Num artigo recente, Jennifer Barnes e Daniel Kasen, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e do Lawrence Berkeley National Laboratory, apresentaram novos cálculos antevendo o aspecto das kilonovas. Previram que o mesmo plasma
plasma
O plasma é um gás completamente ionizado, em que a temperatura é demasiado elevada para que os átomos existam como tal, sendo composto por electrões e núcleos atómicos livres. É chamado o quarto estado da matéria, para além do sólido, líquido e gasoso.
quente que produz a radiação iria também bloquear a luz visível, fazendo com que o reservatório de energia da kilonova emitisse luz no infravermelho-próximo ao longo de vários dias.

A oportunidade inesperada para testar este modelo surgiu a 3 de Junho, quando o telescópio espacial Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
, da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, captou a fulguração de raios gama extremamente brilhante, catalogada como GRB 130603B, ocorrida na galáxia SDS J112848.22+170418.5, a 4 mil milhões de anos-luz da Terra. Embora a fulguração inicial durasse apenas um décimo de segundo, foi cerca de 100 mil milhões de vezes mais brilhante do que o subsequente flash da kilonova.

De 12 a 13 de Junho, o Hubble procurou a localização da explosão inicial, avistando um fraco objecto vermelho. Uma análise independente dos dados, realizada por uma outra equipa de investigação, confirmou a detecção. Observações posteriores do Hubble, a 3 de Julho, revelaram que a fonte tinha desaparecido, proporcionando a prova chave de que o brilho infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
se deveu a uma explosão que acompanhou a fusão de dois objectos.

Os resultados surgiram a 3 de Agosto numa publicação especial da edição on-line da revista Nature.

Fonte da notícia: http://hubblesite.org/newscenter/archive/releases/2013/29/text/