"Estrela Maravilhosa" revela a sua natureza quente

2005-05-05

Em cima, à esquerda: a imagem do Chandra mostra Mira A (à direita), uma estrela gigante vermelha evoluída, e Mira B (à esquerda), uma anã branca. Mira A está a perder rapidamente gás da sua atmosfera superior, através do vento estelar. Mira B exerce força gravitacional que cria uma ponte de gás entre as duas estrelas. O gás proveniente do vento estelar acumula-se num disco de acreção em torno de Mira B, onde a rápida colisão entre as partículas produz raios-X. Em cima, à direita: Concepção artística, com uma ilustração do que pode estar a acontecer no sistema Mira AB. Crédito: (esq.) NASA/CXC/SAO/M. Karovska et al.; (dir.) CXC/M.Weiss. Em baixo: imagem em ultravioleta, conseguida pelo Hubble, em Fevereiro de 2004, que permitiu identificar a fulguração de raios-X como proveniente da gigante vermelha. Crédito: NASA/M. Karovska et al.
Uma imagem de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
de um binário de estrelas
sistema binário de estrelas
Designa-se por sistema binário de estrelas um sistema de duas estrelas que orbitam um centro de massa comum. Estrelas binárias são também usualmente designadas por estrelas duplas.
em interacção, Mira AB, foi conseguida, pela primeira vez, com o Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
(NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
). As imagens distintas das duas estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
– uma estrela gigante
estrela gigante
Uma estrela gigante é uma estrela que terminou o processo de fusão de hidrogénio no seu núcleo e, por isso, arrefeceu e expandiu-se. As estrelas gigantes são o estado evoluído das estrelas anãs. Terminada a fusão de hidrogénio em hélio no núcleo, pode ocorrer um dos seguintes processos, ou os dois: a fusão de hidrogénio em hélio numa camada à volta do núcleo, ou a fusão de hélio em carbono e oxigénio no núcleo. As estrelas gigantes são muito luminosas: num diagrama Hertzsprung-Russell, o ramo das estrelas gigantes é mais luminoso do que a sequência principal. Exemplo de estrelas gigantes próximas de nós: Aldebarã, Arturus e Capela.
, evoluída, e uma anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
– deram à equipa de cientistas a hipótese de observar uma fulguração
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
de raios-X, com origem na estrela gigante, e ainda encontrar evidências de um fluxo de material quente entre as duas estrelas.

O Chandra observou Mira com o seu espectrómetro
espectrómetro
O espectrómetro é um instrumento cuja função é medir os comprimentos de onda de um determinado espectro de luz, permitindo identificar as espécies químicas responsáveis pelas riscas existentes nesse espectro.
Advanced CCD Imaging Spectrometer, a 6 de Dezembro de 2003 e durante 19 horas. Segundo Marguerita Karovska, do Centro Harvard-Smithsonian para a Astrofísica (EUA), autora principal do artigo sobre estes resultados publicado no Astrophysical Journal Lettters, antes desta observação, supunha-se que toda a radiação X provinha de um disco quente à volta da anã branca. Por isso, a detecção da fulguração de raios-X revelou-se uma surpresa. Uma imagem em ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
, obtida pelo Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
(NASA/ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
), foi a chave para localizar a origem da fulguração de raios-X, que se concluiu ser a estrela gigante.

A diferenciação entre os raios-X provenientes da estrela gigante e da anã branca tornou-se possível graças à poderosa resolução angular do Chandra e à proximidade relativa deste sistema de estelas, denominado Mira AB, que se encontra a cerca de 420 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra. As estrelas de Mira AB estão afastadas de cerca de 9 mil milhões de quilómetros, isto é, 1,5 vezes a distância média Plutão-Sol.

Mira A, ou Mira, é comummente conhecida por “Estrela Maravilhosa” – nome que lhe foi atribuído no sec. XVII devido a variações no seu brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
, que, segundo as observações dessa época, terá aumentado e diminuído durante um período de cerca de 330 dias. Mira A já atingiu uma fase avançada na sua evolução, a fase da gigante vermelha
estrela gigante vermelha
As estrelas gigantes vermelhas são estrelas gigantes com temperaturas à superfície entre 2500 e 3500°C, do tipo espectral M ou K. As estrelas gigantes são um estado evoluído de estrelas anãs, como o Sol - as estrelas anãs, ao terminarem o processo de fusão de hidrogénio no seu núcleo, arrefecem e expandem-se, evoluindo para estrelas gigantes. Um dos seguintes processos, ou os dois, ocorre agora: a fusão de hidrogénio em hélio numa camada à volta do núcleo; a fusão de hélio em carbono e oxigénio no núcleo. As estrelas gigantes são muito luminosas: num diagrama Hertzsprung-Russell, o ramo das estrelas gigantes é mais luminoso do que a sequência principal.
. O seu tamanho aumentou 600 vezes em relação ao do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e a estrela está a pulsar. Aproxima-se agora a altura em que o seu combustível nuclear começa a esgotar-se, ao que se seguirá o colapso e a formação de uma anã branca.

A agitação interna de Mira A pode criar distúrbios magnéticos na sua atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
superior, responsáveis pelas fulgurações de raios-X observadas e por fortes ventos estelares que fazem a estrela perder material de uma forma rápida. Parte do gás e poeira que se escapam de Mira A é capturada pela sua companheira, Mira B, que, em contraste com Mira A, é apenas uma pequena anã branca com aproximadamente o tamanho da Terra. Esse material é recolhido num disco de acreção
disco de acreção
Disco composto por gás e poeira interestelares que pode circundar buracos negros, estrelas de neutrões, variáveis cataclísmicas, ou estrelas em formação.
em volta desta pequena estrela, onde as colisões entre as partículas, que se movem muito rapidamente, produzem raios-X.

Um dos aspectos mais intrigantes das observações deste sistema, tanto em raios-X como em ultravioleta, é o facto de se encontrarem indícios de haver uma ponte ténue de material a ligar as duas estrelas. A existência de uma tal ponte pode ser um indicativo de que, para além de capturar material do vento estelar, Mira B pode estar a extrair material directamente a Mira A para o seu disco de acreção
acreção
Designa-se por acreção a acumulação de matéria (gás e poeira) para um astro central, como por exemplo um buraco negro, uma estrela, uma galáxia, ou um planeta.
.

Estudos de raios-X deste sistema podem também vir a fornecer informação útil para um melhor entendimento das interacções que ocorrem em outros sistemas binários (compostos por uma estrela “normal” e outra que sofreu colapso, como uma anã branca, uma estrela de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
ou um buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
), nos casos em que os objectos estelares e o fluxo de gás não podem distinguir-se numa imagem.

Fonte da notícia: http://chandra.harvard.edu/press/05_releases/press_042805.html