Poderão os discos protoplanetários sobreviver mais tempo do que se pensava?

2003-06-05

Esquema que ilustra uma estrela jovem do tipo T Tauri clássica, com um disco de acreção de gás e poeira circum-estelar rodando em torno da estrela central, e ainda um jacto bipolar (Outflow) emanando dos pólos da estrela, ao longo da direcção do eixo de rotação do sistema. O material do disco cai para a estrela central através de tubos de matéria controlados pelo campo magnético, criando pontos quentes na superfície da estrela. Crédito: Pete Hartigan (Rice University, EUA).
Muitas das estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
de pequena massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
, como o nosso Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, quando ainda são jovens com menos de 10 milhões de anos, parecem perder os discos circum-estelares de gás e poeira, que com elas se formaram, em menos tempo do que aquele que é necessário para que o material no disco se consolide em planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
. Este dado observacional levou os astrónomos a pensar que sistemas solares em torno de outras estrelas como o Sol possam ser bastante raros.

No entanto, dois astrónomos da Universidade Vanderbuilt (EUA) acreditam que algo de diferente possa estar a acontecer. Em vez de perderem os seus discos, estas estrelas podem permanecer com os seus discos, mas estes tornam-se cada vez mais difíceis de detectar a partir da Terra, à medida que neles se vão começando a formar planetas.

Estrelas como o nosso Sol, quando são jovens, designam-se por estrelas T Tauri. Isto deve-se simplesmente ao facto de que o protótipo das estrelas jovens de pequena massa é precisamente a estrela T da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
do Touro. As estrelas T Tauri clássicas, com menos de 3 milhões de anos, possuem todas discos circum-estelares de gás e poeira a partir do qual se poderão eventualmente formar planetas (e daí o nome de discos protoplanetários). Estes discos, que emitem fortemente radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
no infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
e submilímetro, são hoje facilmente detectados. Contudo, a maioria das estrelas T Tauri mais evoluídas, designadas por estrelas T Tauri nuas (do inglês naked T Tauri stars), não apresentam qualquer indício de possuírem discos em seu redor.

De acordo com a teoria actualmente aceite, são necessários mais de 10 milhões de anos para formar planetas nos discos. Os astrónomos tendem então a pensar que os discos se vão dissipando com o tempo, acabando o seu material por cair na estrela central, ou por ser ejectado para o meio interestelar
meio interestelar
O meio interestelar é constituído por toda a matéria existente no espaço entre as estrelas. Cerca de 99% da matéria interestelar é composta por gás, sendo os restantes 1% dominados pela poeira. A massa total do gás e da poeira do meio interestelar é cerca de 15% da massa total da matéria observável da nossa galáxia, a Via Láctea. A matéria do meio interestelar existe em diferentes regimes de densidade e temperatura, como por exemplo as nuvens moleculares (frias e densas) ou o gás ionizado (quente e ténue).
. No entanto, nesse intervalo de tempo, o material do disco vai sendo aglutinado em objectos rochosos, os planetesimais. À medida que estes agregam mais massa, uma fracção cada vez mais importante da massa do disco protoplanetário fica impossibilitada de emitir luz directamente, por se encontrar agarrada a estes planetesimais. Assim, pequenos grãos de poeira, bem como moléculas
molécula
Uma molécula é a unidade mais pequena de um composto químico, sendo constituída por um ou mais átomos, ligados entre si pelas interacções dos seus electrões.
de monóxido de carbono, ambos abundantes nestes discos, devem rapidamente desaparecer do disco no decorrer dos primeiros tempos de formação dos planetas.

O constituinte principal dos discos, hidrogénio molecular, deve permanecer no disco durante muito mais tempo do que os grãos de poeira ou o monóxido de carbono. Infelizmente, o hidrogénio molecular é extremamente difícil de detectar por se tratar de uma molécula homonuclear, logo sem momento dipolar permanente. Para que emita no infravermelho, é necessário que seja aquecido a elevadas temperaturas, o que acontece por exemplo em regiões de choque dos jactos emanados pelas estrelas jovens com o meio interestelar ambiente. O facto das estrelas T Tauri emitirem também fortemente nos raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
levou esta equipa de astrónomos a pensar que talvez esteja aí a fonte de energia necessária para excitar o hidrogénio molecular existente nos discos.

Ao efectuarem observações no Observatório de Kitt Peak
Kitt Peak National Observatory (KPNO)
O Observatório Nacional de Kitt Peak (KPNO) faz parte dos observatórios da NOAO e inclui diversos telescópios ópticos, de infravermelhos e um telescópio solar, além de operar, em consórcio, 19 telescópios ópticos e dois radiotelescópios. O KPNO situa-se a 90 km de Tucson, no Arizona (EUA).
, no Arizona (EUA), descobriram que em DoAr21, uma estrela T Tauri nua, aparentemente sem qualquer disco em seu redor, detectavam a presença de hidrogénio molecular. Observações posteriores confirmaram o mesmo resultado em mais 11 casos.

Se estes resultados se confirmarem para um maior número de estrelas T Tauri, pode bem ser que Jeff Bary e David Weintraub tenham descoberto um mecanismo importante no processo de formação de planetas. E, se assim for, então as estrelas T Tauri nuas afinal não andam nuas, pois não perderam os seus discos. E sistemas solares como o nosso podem, afinal, ser muito frequentes por esse Universo fora.

Fonte da notícia: http://www.eurekalert.org/pub_releases/2003-05/vu-tmo052203.php