O caso da água desaparecida em Marte

2002-01-13

Camadas de rochas sedimentares como estas da cratera Holden, em Marte, sugerem que o planeta vermelho possuiu um dia grandes lagos.
É possível que Marte
Marte
Marte é o quarto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. É o último dos chamados planetas interiores. O seu diâmetro é cerca de 50% mais pequeno do que o da Terra e possui uma superfície avermelhada, sendo também conhecido como planeta vermelho.
tenha sido, há muito tempo, um planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
com água. Diversas pistas que persistiram milhares de milhões de anos sugerem que o planeta vermelho albergou grandes rios, lagos e talvez mesmo um oceano. Mas algumas indicações contraditórias tornam este assunto tema de discussões acaloradas.

A razão do grande interesse na água marciana é simples: sem água, não pode existir vida tal como a conhecemos. Se já passaram 3,5 mil milhões de anos desde a altura em que poderá ter existido água em Marte, as possibilidades de encontrar vida naquele planeta são muito remotas. Mas se existisse água hoje em dia, ainda que bem escondida, a vida poderia estar resguardada num nicho protegido.

Baseando-nos no que temos observado até agora, Marte é hoje um deserto gelado. É demasiado frio para que exista água líquida à sua superfície e demasiado frio para que chova. A atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
do planeta é, além do mais, demasiado fina para permitir a queda de neve em quantidades significativas.

Ainda que alguma fonte de calor
calor
O calor é energia em trânsito entre dois corpos ou sistemas.
interna aquecesse o planeta o suficiente para que o gelo se derretesse, este não produziria água líquida. A atmosfera marciana é tão fina que, mesmo que as temperaturas subissem acima do ponto de fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
, o gelo transformar-se-ia directamente em vapor de água.

Vestígios de grandes inundações

Mas tem que ter existido água no passado de Marte, e em grandes quantidades. Isto é evidente devido aos canais formados por torrentes que se encontram, na sua maioria, nas terras baixas do norte. A intensidade das torrentes que cavaram estes leitos terá sido tremenda, alcançando taxas de descarga elevadíssimas, talvez equivalentes a 10 mil vezes a que o rio Mississipi (EUA) verte no Golfo do México durante uma inundação.

O que terá provocado estas torrentes gigantescas? Terá sido uma alteração climatérica, talvez produzida por uma variação na órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de Marte? Ou terá sido responsabilidade de um reaquecimento interno do planeta? E para onde terá ido toda essa água, fosse qual fosse o mecanismo que a produziu? Terá sido absorvida pelo solo, onde ainda permanece congelada? Ou ter-se-á dissipado na atmosfera marciana, de onde fugiu imediatamente para o espaço? Ninguém sabe qual será a resposta correcta para estas questões.

Alguns cientistas crêem que as torrentes catastróficas que cavaram os canais ocorreram quase simultaneamente, libertando tais quantidades de água que estas formaram um oceano que cobriu as terras baixas no norte do planeta. Tim Parker, do Jet Propulsion Laboratory da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, foi o primeiro a propor esta ideia em 1989. Parker, examinando imagens obtidas pelas naves Viking, encontrou o que crê serem remanescências de 2 margens oceânicas antigas, a que chamou "contactos", uma dentro da outra, no norte marciano.

Desenvolvendo esta ideia, Vic Baker, da Universidade do Arizona (EUA), sugeriu em 1991 que Marte talvez não esteja geologicamente morto e permanentemente gelado. Propôs que, pelo contrário, Marte passa por ciclos, ou pulsos - primeiro aquecendo, libertando a água subterrânea e formando oceanos no norte, para a seguir absorver o oceano de volta para debaixo da crosta do planeta e congelá-lo novamente.

Mais recentemente, Jim Head e os seus colegas da Universidade Brown (EUA) encontraram provas que são consistentes com uma margem costeira que pode ter existido no contacto mais interno dos dois propostos por Parker, o contacto 2. Head e colegas examinaram a informação relativa às altitudes obtida pelo Mars Orbiter Laser
Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation (LASER)
A palavra LASER designa uma amplificação de luz por emissão estimulada de radiação. O princípio físico por trás deste fenómeno é a emissão estimulada: sob certas condições, um fotão atinge um átomo excitado e provoca a emissão de um fotão. O átomo emite dois fotões: o fotão estimulador, que passa incólume, e o fotão estimulado, que tem o mesmo comprimento de onda, a mesma fase, a mesma polarização e a mesma direcção de propagação que o fotão estimulador. Se cada um destes fotões estimular mais átomos, o feixe inicial de fotões é assim amplificado.
Altimeter (MOLA) a bordo do Mars Global Surveyor (MGS) e descobriram que a elevação em pontos ao longo do contacto 2 se assemelhavam mais a uma recta do que no contacto 1. Também descobriram que o terreno abaixo desta elevação era mais suave que o terreno acima. Ambas as descobertas são consistentes com a existência de um oceano nesse local no passado.

Mas a história não termina aqui. Pouco depois de Head e os seus colegas publicarem as suas descobertas, Mike Malin e Ken Edgett do Malin Space Systems utilizaram a Mars Orbital Camera (MOC) a bordo do MGS para obter uma série de imagens de alta resolução do terreno do contacto 2. Conclusão: ali não há nada.

E o debate continua. Mike Carr, da U.S. Geological Survey, autor do livro Água em Marte, diz: "Estamos a receber muita informação nova do MGS e penso que uma grande parte ainda não está compreendida. É muito difícil de compreender. Em todo este assunto dos oceanos, as provas são muito contraditórias."

Vales misteriosos

A rede de pequenos vales de Marte, localizados principalmente nas terras altas do sul, põem outro problema difícil. Os primeiros investigadores que estudaram imagens destes vales acreditaram que eles se assemelhavam aos vales de rios na Terra. Deviam, concluíram eles, ter sido formados por um processo similar, o escorrimento da água da chuva. No entanto, para que Marte pudesse ter sido suficientemente quente para ter chuvas, teria sido necessária uma atmosfera muito mais espessa do que a que existe hoje. E ninguém conseguiu dar uma explicação clara de como uma tal atmosfera se poderia ter formado.

Uma teoria alternativa afirma que um processo conhecido como o colapso produzido pelo resvalamento e queda do solo devido à água subterrânea criou estes vales. Ainda outra ideia é que glaciares cobriram as regiões à volta dos vales e o degelo cavou-os. Apesar de todos estes esforços, tal como ocorre com outros mistérios aquáticos marcianos, a questão de como se formou uma tal rede de vales permanece sem resposta.

E como se estes problemas não fossem suficientes, algumas imagens recentes do MOC revelaram um novo enigma. Em quase uma dezena de locais diferentes de Marte - todos distantes do equador - existem sinais de que a água escorreu das paredes de vales e crateras, formando pequenas ribanceiras. Alguns investigadores especulam que isto ocorreu recentemente, talvez nos últimos 10 anos, outros dizem que é mais provável que tenha ocorrido nos últimos 10 milhões de anos.

No entanto, muitos aspectos destas ribanceiras desafiam o senso comum. "Sem dúvida têm características semelhantes à erosão produzida pela água em movimento" diz Mike Carr, "mas parecem contradizer o que sabemos sobre a estabilidade da água". Não só ocorrem nas regiões mais geladas de Marte, como também nas ladeiras que não recebem a luz solar, onde as temperaturas raras vezes são superiores a -50 graus Celsius. Apesar disso, a água aparenta escorrer de apenas uns 100 metros abaixo da superfície, uma profundidade na crosta de Marte que os cientistas pensavam estar solidamente gelada. A procura de uma explicação para este fenómeno tem ocupado os investigadores.

Há um espinho adicional para aqueles que estudam a água em Marte. Não se encontraram no planeta provas da existência de carbonatos. Os carbonatos são minerais que se formam facilmente quando a água líquida reage com o dióxido de carbono da atmosfera. Se Marte teve água líquida em abundância no seu passado, os carbonatos deveriam ser detectáveis por entre as diversas rochas marcianas. O instrumento Thermal Emission Spectrometer (TES) a bordo do MGS foi desenhado justamente para procurar carbonatos, mas até agora não encontrou nada. Talvez outros evaporitos, tais como os sulfatos (detectados em meteoritos
meteorito
Um meteorito é um corpo sólido que entra na atmosfera da Terra (ou de outro planeta), sendo suficientemente grande para não ser totalmente destruído pela fricção com as partículas da atmosfera, e assim atingir o solo. Os meteoritos dividem-se em três categorias, segundo a sua composição: aerolitos (rochosos), sideritos (ferro) e siderolitos (ferro e rochas).
marcianos e descobertos através de análises realizadas em locais de descida), sejam o material deste tipo dominante em Marte.

E agora?

Sem dúvida surgirão novos debates à medida que a informação do Mars Global Surveyor for sendo digerida. Durante o ano 2001, a NASA enviou uma outra nave orbital para Marte, que inclui um espectrómetro
espectrómetro
O espectrómetro é um instrumento cuja função é medir os comprimentos de onda de um determinado espectro de luz, permitindo identificar as espécies químicas responsáveis pelas riscas existentes nesse espectro.
de maior resolução para pesquisar a existência de carbonatos. No ano 2003, a NASA enviará dois veículos que se deslocarão pela sua superfície, procurando sinais de água em rochas e nos solos. Mas muitas perguntas sobre a história da água em Marte deverão permanecer sem resposta até que sejam trazidas amostras do planeta vermelho para a Terra para aqui serem analisadas. Diz Carr, "Penso que o que queremos é o transporte de amostras para a Terra, particularmente de sedimentos. Se pudéssemos obter amostras e trazê-las de volta à Terra, penso que seriam de una tremenda ajuda para entender o que se está a passar ali [em Marte]."

Fonte da notícia: http://science.nasa.gov/headlines/y2001/ast05jan_1.htm