Para lá de Neptuno, um pedaço de gelo orbita o Sol no sentido errado

2016-08-17

Ilustração de um objeto transneptuniano (TNO). O Sol é reduzido a uma estrela brilhante a uma distância de mais de 4,8 mil milhões de quilómetros. Crédito: NASA.
Para lá da órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
de Neptuno
Neptuno
Neptuno é, a maior parte do tempo, o oitavo planeta do Sistema Solar a contar do Sol, mas por vezes é o nono, quando Plutão, na sua órbita excêntrica, se aproxima mais do Sol. Neptuno, de cor azulada devido à presença de metano na sua atmosfera, possui uma atmosfera onde ocorrem tempestades e ventos violentos. Com um diâmetro cerca de 4 vezes o da Terra, Neptuno é o menor e mais longíquo dos planetas gigantes gasosos.
, o mais distante planeta
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
reconhecido do nosso Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, encontra-se a uma população de objetos conhecidos como Objetos Transneptunianos ou TNO (do inglês Trans-Neptunian Object). Durante anos, os astrónomos foram descobrindo nesta região corpos e planetas menores que são influenciados pela gravidade de Neptuno, e que orbitam o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
a uma distância média de 30 UA
unidade astronómica (UA)
Unidade de distância, definida como a distância média entre a Terra e o Sol, que corresponde a 149 597 870 km, ou 8,3 minutos-luz.
.

Nos últimos anos, foram descobertos novos TNO que levaram a repensar o que se entende por planeta, bem como a história do próprio Sistema Solar. O mais recente destes misteriosos objetos é Niku, um pequeno pedaço de gelo cujo nome significa “rebelde” em chinês. Curiosamente, são as propriedades orbitais deste corpo que justificam o seu nome.

Num artigo recente, publicado no arquivo online arXiv.org, a equipa internacional de astrónomos responsável pela descoberta explica como descobriu o TNO através do projeto Pan-STARRS 1 (Panoramic Survey Telescope and Rapid Response System 1). Medindo apenas 200 km de diâmetro, a órbita deste objeto é inclinada 110° em relação ao plano do Sistema Solar. Niku tem ainda a particularidade de orbitar o Sol no sentido retrógrado.

Quando os sistemas planetários se formam, o momento angular força tudo a girar no mesmo sentido. Daí a razão pela qual, quando vistos a partir do polo norte celeste, todos os objetos do Sistema Solar parecem estar a orbitar o Sol no sentido anti-horário. Assim sendo, quando se descobrem objetos a orbitar o Sol no sentido oposto, é porque deve estar em jogo algum outro fator.

Além disto, a equipa comparou a órbita de Niku com a de outros TNO e Centauros de alta inclinação, notando que eles ocupam um plano orbital comum e se encontram em aglomerado.

"A órbita do Niku é estranha, pois é quase perpendicular ao plano do Sistema Solar. E mais ainda porque o corpo se move no sentido oposto ao da maioria dos corpos do Sistema Solar. Há ainda outros corpos que partilham o mesmo plano orbital, alguns com órbita normal e outros com órbita retrógrada. Não estávamos à espera disto” disse o Dr. Matthew J. Holman, professor do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica e um dos investigadores da equipa.

A equipa considerou como uma possível explicação para este misterioso padrão orbital que ele pudesse ser um sinal do muito procurado Planeta Nove - o hipotético planeta do limite exterior do Sistema Solar (situado a uma distância do Sol 20 vezes superior à de Neptuno), e que, se existir, terá aproximadamente 10 vezes o tamanho da Terra.

"O Planeta Nove parece estar a influenciar gravitacionalmente outra população vizinha de corpos, também eles com órbitas quase perpendiculares ao plano do Sistema Solar,” disse Holman, "mas as órbitas desses objetos são muito maiores e aproximam-se mais do Sol no periélio
periélio
O periélio é o ponto da órbita de um corpo que orbita o Sol em que este se encontra mais próximo do Sol.
. A natureza semelhante (perpendicularidade) entre a órbita de Niku e a dessa população mais distante sugere que haja uma ligação."

É tentador estabelecer uma ligação com base nas órbitas destes objetos mais distantes, principalmente porque ainda não se obteve nenhuma evidência direta do Planeta Nove. No entanto, após uma análise mais aprofundada, a equipa concluiu que Niku está demasiado próximo do resto do Sistema Solar para que a sua órbita possa ser influenciada pelo Planeta Nove.

Mas as orbitas dos objetos agrupados, que são retrogradas e que se efetuam ao longo do mesmo plano de 110 graus foram consideradas como uma indicação de que há mais qualquer coisa em jogo. Então, e mais uma vez, poderíamos considerar a existência de um planeta gigante, e que a sua influência estaria a ser atenuada por outros fatores que ainda desconhecemos.

"A população de objetos em órbitas semelhantes à de Niku não é estável a longo prazo," disse Holman. "Esperávamos que a adição da influência gravitacional de um objeto como o Planeta Nove pudesse estabilizar as órbitas, mas acabou por não ser o caso. Não descartamos o Planeta Nove, mas ainda não encontrámos qualquer evidência direta de que ele existe, pelo menos, com esta investigação."

Parece que, por enquanto, os entusiastas do Planeta Nove vão ter que esperar por outra confirmação. Mas, tal com o disse Konstantin Batyagin - o astrónomo do Caltech que anunciou resultados que sugeriam a existência do Planeta Nove, no início deste ano - esta descoberta é mais um passo para uma mais ampla compreensão do Sistema Solar exterior:

"Sempre que há uma característica do Sistema Solar exterior que não podemos explicar ficamos entusiasmados, porque, em certo sentido, isso antecipa novos avanços. Como dizem no artigo, o que há por enquanto é uma pista. Se essa pista se transformar numa história completa, será fantástico."

Seja qual for a causa da estranha órbita de Niku (ou dos TNO que partilham o mesmo padrão orbital), é claro que há mais a acontecer no Sistema Solar exterior do que pensávamos. E a cada nova descoberta, a cada novo objeto catalogado pelos astrónomos, estamos a aperfeiçoar o nosso conhecimento das dinâmicas que aí atuam.

Entretanto, talvez precisemos de enviar mais algumas missões nessa direção. Não temos nada a perder, a não ser algumas ideias preconcebidas!

Fonte da Notícia: http://www.universetoday.com/130324/beyond-neptune-chunk-ice-orbiting-sun-wrong-direction/