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"Tudo deveria ser feito da forma mais simples possível, mas não mais que isso."
- Albert Einstein


As Fases de Vénus

2005-12-15
A descoberta das fases de Vénus foi tão extraordinária que Galileu resolveu escondê-la num anagrama. Vénus está a desaparecer — é a altura ideal para redescobrir o segredo de Galileu.

Que estará a acontecer a Vénus? A brilhante estrela da tarde atingiu um brilho deslumbrante a meio de Dezembro, continua a dominar os céus de oeste ao princípio da noite, mas parece que está a esmorecer ligeiramente. Em fins de Dezembro começa a aparecer mais baixo no céu e a desaparecer mais cedo. Será altura de nos despedirmos de Vénus. Em princípio de Janeiro começará a estar muito perto do Sol até que desaparecerá no horizonte oeste. Em meados desse mês reaparecerá a leste, mas no céu da madrugada, depois de ter ultrapassado a nossa estrela.

Observando agora o planeta com um pequeno telescópio ou com bons binóculos solidamente apoiados, o espectáculo é surpreendente. O ponto luminoso é um crescente lunar, com um bordo luminoso muito estreito e pronunciado, como o da Lua perto de Lua Nova. A essa fase da Lua — e de Vénus — costuma chamar-se falcada, designação que deriva do latim, de falcata (em forma de foice).

O astrónomo que pela primeira vez observou este aspecto surpreendente de Vénus foi Galileu. Estava-se em finais de 1610 e o cientista italiano ficou surpreendido. Tomou notas cuidadosas do que viu e reparou que a aparência do planeta mudava, passava por fases, e que o seu diâmetro aparente mudava também. Quanto mais estreito era o bordo iluminado de Vénus, maior era o seu diâmetro aparente. Quanto mais Vénus se aproximava de um disco, mais pequeno aparecia.

Galileu sabia que tinha feito uma descoberta extraordinária. Tão extraordinária que decidiu revelá-la a Kepler. «Haec immatura, a me, iam frustra, leguntur – o.y.», escreveu Galileu. A frase não parece fazer sentido, mesmo traduzida: «Estas coisas imaturas são lidas por mim – y.o.». Que quereria Galileu dizer?

É que a frase é um anagrama, um artifício na época seguido por cientistas para assegurar prioridade sobre as suas descobertas mas evitar torná-las públicas. Se alguém viesse a revelar as fases de Vénus antes de Galileu ter divulgado as suas observações, o astrónomo italiano poderia sempre desvendar a mensagem. Rearranjando as letras e adicionando um «y» e um «o», que não tinha conseguido incluir na frase e que por isso acrescentou no fim, Galileu poderia revelar a sua descoberta: «Cynthiae figuras aemulatur Mater Amorum», isto é, «A Mãe do Amor (Vénus) imita as fases de Cíntia (Diana, a Lua)».

Mas, pergunta-se, por que razão se deu Galileu a todo este trabalho? Porque tinha ele medo de anunciar a sua descoberta?

Estava-se então nos fins de 1610 e a polémica entre os partidários do sistema de Ptolemeu e os partidários de Copérnico tinha-se reacendido. Galileu sabia que a revelação das fases de Vénus seria o último prego no caixão da teoria geocêntrica. Se o planeta tinha fases não poderia ser verdade que tanto Vénus como o Sol se movessem em esferas cristalinas concêntricas, orbitando o nosso planeta, como o supunha a teoria de Ptolemeu. Se o seu diâmetro aparente aumentava quando se reduzia a um bordo luminoso, e se esse diâmetro aparente diminuía quando revelava um disco quase todo iluminado, isso queria dizer que umas vezes Vénus se encontrava entre nós e o Sol, outras vezes era o Sol que se interpunha entre nós e o planeta. A teoria de Aristóteles e Ptolomeu não conseguia explicar esses factos, que provavam que Vénus orbita o Sol.

Por isso Galileu tinha ainda receio de revelar a sua descoberta, por isso a escreveu num anagrama.

Estamos no século XXI e não é crime testemunhar as fases de Vénus. Mas a imagem mutante do planeta, com um pequeno bordo iluminado que muda de posição, continua a ser uma descoberta emocionante.