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"Na ciência, o crédito vai para o homem que convence o mundo, não para o homem que primeiro teve a ideia."
- Sir Francis Darwin


Digressões sobre buracos negros

2005-10-13
Num universo cheio de objectos fantásticos e fenómenos astronómicos que desafiam a imaginação do mais criativo dos argumentistas cinematográficos, os buracos negros exercem uma estranha fascinação, talvez por permitirem linhas argumentais imaginativas. Por exemplo, na última parte de "O Caminho das Estrelas: O Filme" ("Star Trek: The Motion Picture" , 1979), revela-se que o misterioso V'ger, a gigantesca máquina que ameaça destruir a Terra, é na verdade a versão modificada do Voyager VII, uma sonda espacial enviada pela NASA ao fim do turbulento século XX. O Voyager "caiu num buraco negro" no "outro extremo da Galáxia" onde foi encontrado num planeta de máquinas que o reconstruíram para que voltasse a ver o seu criador. Isto tudo é muito interessante, mas sabemos que absoluta, positiva, total e certamente NADA pode escapar dum buraco negro.

Os buracos negros são o resultado do colapso duma estrela de grande massa no final da sua existência, quando se torna impotente para resistir à força da gravidade que a leva a contrair-se até um ponto conhecido como singularidade, onde a curvatura do espaço é infinita. A possibilidade da existência dos buracos negros já foi sugerida pelo marquês de Laplace, um astrónomo e matemático francês, que conjecturou que se se comprimisse suficientemente um corpo de massa qualquer, atingir-se-ia um ponto no qual a luz não poderia escapar dele.

Dito matematicamente, se um corpo esférico que tem massa M tiver um raio Rs igual a Rs=(2GM)/c2, onde c é a velocidade da luz e G a constante da gravitação, então a velocidade de escape do corpo seria igual à velocidade da luz. Rs é conhecido como raio de Schwarzchild. Por exemplo, para um objecto com a massa da Terra, Rs=9 milímetros.

O nome "buraco negro" adoptado para chamar a estes objectos, foi inventado em 1971 pelo físico norte-americano Jonh Wheeler. Do exterior, e sempre que estejamos longe deste tipo de objectos, o campo gravítico que observamos é o mesmo que tivesse criado a estrela que formou o buraco. No entanto, enquanto nos aproximamos começamos a perceber as fortes mudanças na gravidade que originam forças de maré, que podem destruir um corpo muito antes de entrar no buraco negro. À distância da singularidade, igual ao raio de Schwarzchild ou horizonte de eventos, as propriedades da geometria do espaço mudam drasticamente. O horizonte de eventos isola o interior do buraco negro do resto do Universo e nada podemos conhecer das propriedades no interior, excepto a sua carga, massa e estado de rotação.

Um filme acerca das noções populares sobre os buracos negros (e ao tempo um compêndio de erros astronómicos) é a produção da companhia Disney "Abismo Negro" ("The Black Hole", 1979). No filme da Disney a nave espacial Palomino descobre a nave perdida U.S.S. Cygnus, desaparecida há 20 anos perto do horizonte de eventos dum gigantesco buraco negro. Mesmo no começo do filme, enquanto se apresentam os títulos de crédito, vemos uma quadrícula lisa que se transforma de súbito num funil sem fim, a representação mais simples dum buraco negro, como a duma espécie de poço sem fundo numa superfície plana. No filme, a nave espacial Palomino detecta mudanças da sua trajectória devido a um buraco negro, que no mundo real só seriam perceptíveis se estivéssemos suficientemente perto para detectarmos os gradientes no campo gravítico que produz o objecto. A tripulação descobre o buraco negro pelo seu campo gravítico:

"... o abismo negro maior que já encontrei... a força mais destrutiva do todo o Universo; nada se lhe pode escapar, nem sequer a luz... algo surgido do inferno de Dante... Houve um cientista que profetizou que com o tempo os abismos negros devorariam o universo".

Não é mesmo um bom local para tirar férias.

Muito perto do buraco negro encontra-se uma nave espacial abandonada, a Cygnus (O nome é uma alusão a Cygnus X-1, uma fonte de raios-X na constelação do Cisne que foi identificada como o primeiro candidato para albergar um buraco negro). Quando se aproxima dela, o capitão adverte que "perceberemos a força da gravidade dum momento para outro", o que é impossível porque não pode haver uma transição abrupta no campo gravítico. Contudo, os argumentistas aparentam ter claro que o buraco negro afecta a gravidade, já que há contínuas menções à mesma: "perceber a gravidade", "gravidade máxima", "a força da gravidade maior conhecida".

A Cygnus matém-se estável porque o seu capitão tem gerado um campo anti-gravítico que a mantém longe do perigo que cria o buraco negro. O seu desejo é viajar ao interior dele para, talvez, ver um novo universo apesar de que se lhes recorda que o abismo é "um longo e escuro túnel que não conduz a parte nenhuma". No interior do buraco não sabemos o que é que há, excepto que está a singularidade onde o espaço e o tempo não têm mais sentido. Só podemos explorar o exterior, como se faz num momento do filme, quando se envia uma sonda perto do horizonte de eventos,

O problema mais grave dos argumentistas do filme não é a discussão verbal sobre as propriedades do buraco negro mas sim a sua visualização. Segundo a sua própria definição não o podemos ver e só se pode detectar pelos seus efeitos indirectos. Por exemplo, é certo que se nos aproximássemos muito notaríamos certas propriedades do campo gravítico como que é muito intenso e que muda rapidamente enquanto nos aproximamos da singularidade. Um buraco negro que esteja associado a uma estrela companheira poderá alterar o seu movimento e este efeito poder-se-á detectar desde a Terra. Também se produzirá uma distorção do campo estelar à sua volta porque a luz desviar-se-ia fortemente ao se aproximar dele.

No filme, vemos um efeito diferente que produzem os buracos negros ao mostrar um disco de matéria à volta, que os astrofísicos chamam de "disco de acreção". O material que está em torno do buraco negro começa a ser atraído pela sua gravidade formando um disco, cujos componentes caem para o buraco negro numa trajectória espiral até sumir atrás do horizonte de eventos. O disco aquece-se até atingir milhões de graus emitindo copiosas quantidades de raios X, que são mortais para todo o ser vivo. Esta é a razão pela qual os exploradores do filme jamais poderiam ter-se aproximado tanto para explorar este objecto. Mas, como é um filme, não só sobrevivem à radiação e às forças de maré que já os deviam ter destruído antes de atravessarem o horizonte de eventos, como ainda finalmente chegam mesmo à singularidade que se apresenta como uma espécie de poço muito, muito grande que funciona como uma porta para outro universo!

Numa linha similar, mas agora numa porta temporal, encontra-se "Esfera" ("Sphere", 1998). No meio do sul do Oceano Pacífico, descobre-se uma nave afundada a trezentos metros de profundidade há quatrocentos anos. Tudo aponta para uma nave extraterrestre. Envia-se então um grupo de cientistas para a reconhecerem que descobrem que na verdade é uma nave espacial norte-americana do nosso futuro. Depois de terem voltado duma exploração da nave, ouvimos o seguinte diálogo:

Ted: OK. Melhor então. Não caiu. Aterrou. Há trezentos anos.
Beth: De onde.
Ted: Não de onde, mas de quando.
Beth: Então estás a dizer é que essa coisa tomou o caminho errado?
Ted: Assim é. O que é que aconteceria se a nave inadvertidamente voou num buraco negro e chegou ao nosso passado desde o seu presente? Que eram essas datas que viste no registo do voo?
Norman: 43, 47
Ted: Isso é. Tem que ser 2043, 2047. A imagem que disseste que viste no ecrã... pelo que estás a descrever soa exactamente como um buraco negro... um rasgão no espaço...
Harry: Sabemos que é um buraco negro, Ted.
Norman: Eu não sei o que é um buraco negro.
Harry: Um buraco negro é uma estrela morta colapsada, que tem tanta gravidade que actua como um gigantesco aspirador, aspirando tudo dentro dele. Pó interestelar... tempo...
Ted: Tempo...
Harry: É possível mas não plausível.
Ted: É mais do que provável, é astrofísica rudimentar. Ainda não pudemos voar até um para o provar.
Harry: Bom, Ted, parece que tinhas tudo pensado...


Sabemos que não é assim, que um buraco negro é o fim do caminho para qualquer coisa que entra nele. Mas há um outro tipo de objectos, relativamente semelhantes, que podem servir realmente como porta para as estrelas.


Tradução de Cristina Zurita
Héctor Castañeda é astrónomo no Instituto de Astrofísica de Canarias e mantém um site internet com informação em castelhano em http://www.iac.es/galeria/hcastane