Jactos e outras micro estruturas



Figura 8 : Parte interna de NGC 6543. Aqui vemos uma imagem em nitrogénio uma vez ionizado das estruturas internas da nebulosa. O par de jactos é a estrutura mais externa da imagem, que está orientada na direcção Norte-Sul. Crédito: D.R. Gonçalves & R. Corradi (2002).
Analisando a parte central da nebulosa do Olho do Gato (NGC 6543) - vide Figuras 3 e 8 - vemos claramente que o par de jactos constitui uma entidade separada do núcleo da nebulosa. De facto, as micro estruturas das nebulosas planetárias habitualmente mostram-se como entidades bem diferenciadas do resto das componentes da nebulosa, não só do ponto de vista morfológico, mas também em termos da luz que emitem. As cascas e os halos brilham, principalmente, na linha de emissão do oxigénio duas vez ionizado ([OIII], verde e azul na Figura 3), enquanto que as micro estruturas são muito mais brilhantes na linha de emissão do nitrogénio uma vez ionizado ([NII], vermelho na Figura 3) e do oxigénio uma vez ionizado ([OII]). Devido a esta propriedade, as micro estruturas também são conhecidas como estruturas de baixa ionização (LIS, ver Figura 7a e 7b).

Conforme comentámos no capítulo anterior, todas as nebulosas planetárias com micro estruturas foram reunidas e, pela primeira vez, classificadas, num trabalho que publicámos recentemente Gonçalves et al. (2001). Nele considerámos tanto os aspectos morfológicos quanto os cinemáticos destas, em contraste com os mesmos aspectos observacionais das nebulosas hospedeiras. Além disto, e nisto reside o principal objectivo desta compilação de dados, contrastamos as previsões de todos os modelos teóricos propostos para a formação das estruturas de pequena escala em NP, com suas características observacionais.

Esta detalhada análise das micro estruturas permitiu-nos descartar claramente alguns dos mecanismos propostos para explicar a origem de diferentes tipos de LIS. Demonstrámos que tanto as velocidades observadas quanto a localização das estruturas isoladas podem ser razoavelmente bem explicadas por condensações originadas no vento lento - ou seja, prévias à compressão da nebulosa propriamente dita - ou por instabilidades locais.

Os modelos para a formação de jactos, propostos até então (interacção dos ventos estudados no cap. 2, com ou sem a inclusão de efeitos magnéticos, e considerando a estrela central única ou parte de um sistema binário) nem sempre são capazes de explicar algumas propriedades básicas dos jactos observados, como suas idades cinemáticas e o ângulo entre o jacto e os eixos de simetria da nebulosa planetária.

Verificámos, também, que os pares de estruturas similares a jactos, caracterizados por velocidades de expansão relativamente baixas (parecidas àquelas do meio no qual se encontram, ou seja, as cascas e os halos das nebulosas planetárias) não podem ser explicadas por nenhum dos modelos existentes.

Os nódulos que aparecem em pares simétricos e opostos, e com baixas velocidades, poderiam ser entendidos como resultando da sobrevivência de condensações (simétricas) formadas no vento lento (fase AGB da estrela central), ou como estruturas que antes tiveram altas velocidades, mas que foram sendo consideravelmente travadas pelo meio circundante.



Figura 9: NGC 7009, a Nebulosa de Saturno (Balick et al. 1998). Este é um protótipo de nebulosa planetária contendo pares de jactos. Note que esta NP está subdividida em muitas e diferentes estruturas: uma casca elíptica grosseira orientada na direcção leste-oeste; dois pares de nódulos, um interno e outro externo; e um par de jactos.


Mais recentemente (Gonçalves et al. 2003), finalizámos a análise das densidades, temperaturas, excitação e composição química de NGC 7009 - a Nebulosa de Saturno - cujos jactos representam o protótipo de pares de jactos em NP (ver Figura 9). Surpreendentemente, os nossos dados observacionais para os jactos e pares de nódulos desta nebulosa não confirmam as densidades, excitações e composições químicas previstas pelos modelos teóricos.

Estes são resultados robustos, e sua importância radica no facto de que nos dizem que não entendemos, em detalhe, nem mesmo as micro estruturas melhor estudadas. Talvez estejamos interpretando erroneamente a informação procedente dos dados observacionais (com respeito às suas formas, velocidades, graus de excitação, composições químicas, etc) ou, talvez, estejamos equivocando-nos quanto aos processos físicos que poderiam explicar sua formação. No entanto, dado que estes processos físicos são basicamente os mesmos que dão origem a outros tipos de jactos astrofísicos (àqueles dos objectos estelares jovens, os jactos extragalácticos, etc) e dado que o tipo de análise observacional que empregamos para as micro estruturas é aquele usualmente utilizado para as nebulosas planetárias, é óbvio que enfrentamos fenómenos bastante complexos. Enfim, compreender como se formam e evoluem as micro estruturas é muito relevante para o completo entendimento da evolução das estrelas similares ao Sol que - como veremos no último capítulo deste estudo - constituem quase a totalidade das estrelas.