Das manifestações divinas à Teoria da Relatividade
Eclipse total do Sol. Crédito: Bernd Brinkmann.
A memória colectiva dos povos nómadas que habitavam o planeta era muito reduzida e difícil de transmitir entre gerações, consequência dos seus movimentos constantes em busca de meios de subsistência. Por outro lado as subsequentes civilizações sedentárias que se seguiram, adoptando um estilo de vida centrado num determinado local, tornaram possível a transmissão dos registos daqueles raros fenómenos, geração após geração, observando-se assim que estes aconteciam repetidamente, embora de forma irregular.
Dos registos efectuados pelos Chineses, cerca do ano 2.000 a.C. (a data exacta do primeiro registo de observação de um eclipse não é consensual entre os historiadores), passando pelo mítico poder que o céu exerceu sobre as civilizações Gregas e Egípcias, muitas foram as civilizações que procuraram estabelecer padrões que permitissem explicar a ocorrência dos eclipses lunares e solares. A exactidão dos cálculos astronómicos efectuados pela civilização Maia (séc. IV a IX d.C.) permitia-lhes prever a ocorrência de eclipses com precisão de até um minuto.
Muito antes da época em que viveram os Maias, os Caldeus (612 a.C. – 539 a.C.), que habitaram na Mesopotâmia, conheciam um período em que os eclipses lunares (também aplicável aos eclipses solares) pareciam repetir-se: o ciclo de Saros.
O ciclo de Saros é um período com aproximadamente 6.585,3 dias (18 anos, 11 dias e 8 horas). O período de Saros nasce de uma harmonia natural entre os três períodos orbitais da Lua:
- O mês sinódico (de Lua nova a Lua nova) que dura 29 dias, 12 horas e 44 minutos;
- O mês dracónico (de nodo a nodo) que dura 27 dias, 5 horas e 6 minutos;
- O mês anomalístico (de perigeu a perigeu) que dura 27 dias, 13 horas e 19 minutos.
Um ciclo de Saros equivale a 233 meses sinódicos ou, com uma aproximação de até duas horas, a 242 meses dracónicos e a 239 meses anomalísticos. Cada dois eclipses separados por um ciclo completo de Saros partilham geometrias muito similares. Ocorrem no mesmo nodo, com a Lua praticamente à mesma distância da Terra e na mesma altura do ano. Uma vez que podem ocorrer entre dois a cinco eclipses por ano, há aproximadamente 40 séries de Saros em progresso simultâneo. Por exemplo, durante o final da segunda metade do séc. XX ocorreram quarenta e uma séries individuais sendo que, vinte e seis destas séries produziram eclipses centrais. À medida que terminam velhas séries, outras novas se iniciam e tomam o seu lugar.
É espantoso pensar no grau de conhecimento científico que esta civilização já havia atingido há 2.500 anos.
Fosse para explicar actos divinos ou para prever a sua ocorrência com exactidão, os eclipses possuíram desde sempre um papel importante no conhecimento das civilizações. Mas não ficamos por aqui.
“O mundo moderno começou em 29 de Maio de 1919, quando fotografias de um eclipse solar, tiradas na ilha do Príncipe, na África Ocidental, e em Sobral, no Brasil, confirmaram a verdade da nova teoria do universo.”
Paul Johnson, historiador inglês
Albert Einstein (1879-1955). Imagem de domínio público.
Para confirmar a “curvatura da luz” e, consequentemente, a Teoria da Relatividade, foram organizadas algumas expedições científicas. Seguindo as previsões de eclipses solares totais, grupos de cientistas deslocaram-se para localizações específicas, mas a maioria das tentativas foram frustradas. Uma expedição alemã, em 1914, foi impedida de se deslocar por questões políticas e o mau tempo atrapalhou uma outra equipa argentina no ano de 1916.
Foi previsto um novo eclipse solar total para o dia 29 de Maio de 1919. Os locais que se afiguraram com melhores condições geográficas foram os escolhidos para receberem as expedições organizadas para o efeito. Foram enviadas duas equipas de astrónomos britânicos: uma para Sobral, no Brasil e outra, liderada por Arthur Eddington, para a ilha do Príncipe. Apesar das condições meteorológicas adversas que ambas as missões defrontaram no dia do eclipse, foi possível obter um número aceitável de placas fotográficas a partir dos dois locais de observação. Naquelas placas eram visíveis estrelas no bordo do disco solar eclipsado. As equipas realizaram posteriormente novas placas do céu nocturno quando as mesmas estrelas já eram visíveis de noite. Eddington mediu cuidadosamente a posição das estrelas nas placas fotográficas e detectou um deslocamento na luz das estrelas. Mais tarde viria a recordar aqueles momentos como os mais importantes da sua vida.
Em 6 de Novembro de 1919 os resultados foram apresentados publicamente, comprovando a Teoria da Relatividade de Albert Einstein.
A Teoria da Relatividade estava comprovada. Confirmava-se a existência de uma nova teoria do Universo. O mundo nunca mais voltaria a ser o mesmo.