Sinfonia Incompleta



Assistimos no século XX à criação das duas grandes teorias que revolucionaram a nossa descrição do mundo físico. A primeira destronou os nossos conceitos de espaço e tempo (absolutos), combinando-os naquilo que hoje designamos por espaço-tempo, e que através da sua curvatura incorpora as propriedades omnipresentes e misteriosas do campo gravítico. A segunda alterou completamente a maneira como compreendemos a natureza da matéria e da radiação, fornecendo-nos uma representação da realidade onde as partículas se comportam como ondas e as ondas como partículas, onde as nossas descrições físicas habituais ficam sujeitas a incertezas essenciais, e onde objectos individuais podem manifestar-se em vários lugares ao mesmo tempo. A primeira destas revoluções é hoje designada Teoria da Relatividade e, a segunda, Teoria Quântica.

Ao longo da História da Ciência não houve muitas revoluções científicas. Para o físico-matemático britânico Roger Penrose, só houve três revoluções anteriores na nossa compreensão do mundo físico. A primeira, teve lugar na Grécia antiga, quando a geometria euclideana foi introduzida e uma certa concepção de corpos rígidos e configurações estáticas foi elaborada. Isso deu início ao reconhecimento do papel crucial do raciocínio matemático na nossa compreensão da Natureza. A segunda revolução chegou com o século XVII, quando Galileu e Newton nos explicaram como o movimento dos corpos pode ser entendido em termos das forças entre as partículas que os constituem e das acelerações que estas forças geram. A terceira revolução chegou com o século XIX, quando Faraday e Maxwell nos mostraram que as partículas não eram suficientes, e que devíamos considerar também campos contínuos permeando o espaço, para descrever a realidade física. Estes campos estão combinados numa única entidade física − o campo electromagnético − e com ele se explica magnificamente o comportamento da luz, como o resultado da propagação das suas oscilações. Não deixa pois de ser notável que um único físico − Albert Einstein − tenha tido a percepção profunda do funcionamento da Natureza e tenha lançado as fundações das duas teorias revolucionárias desse século no mesmo ano de 1905.

Em 1907, quando ainda trabalhava na Repartição de Patentes de Berna, Einstein teve “o pensamento mais feliz” da sua vida, como ele o designou mais tarde. A igualdade entre a massa inercial e a massa gravitacional só poderia ser uma indicação de uma conexão íntima entre a inércia e a gravidade. A esta conexão entre movimento acelerado e gravidade, Einstein chamou “princípio da equivalência”. Com base neste novo dado acreditou que seria capaz de construir uma teoria que substituiria a teoria da gravidade de Newton, o que só veio a acontecer no final de Novembro de 1915, depois de um mês de intenso trabalho na massacrada cidade de Berlim. Quando foram anunciadas em Londres, em Novembro de 1919, que as medidas do encurvamento dos raios luminosos rasando o Sol durante um eclipse solar confirmavam as previsões da teoria da relatividade geral, Einstein tornou-se de um dia para o outro, aos olhos da opinião pública, no maior e mais famoso cientista de sempre, com a popularidade de uma estrela do cinema, cujas opiniões científicas, políticas ou morais eram escutadas com respeito e admiração. E Einstein, que até então tinha tido um envolvimento político relativamente discreto, passou a usar a sua celebridade nos anos que se seguiram na defesa de várias causas que lhe eram caras, como o pacifismo, o Sionismo e o desarmamento.

Ainda não tinha passado um ano após a a construção da sua teoria geral e já Einstein estava a tentar modificá-la, pois percebeu que a teoria continha vestígios de espaço absoluto e movimento absoluto, duas noções que Einstein julgava ter banido completamente da física. A dificuldade residia no facto da teoria exigir condições de fronteira. Em 1917, no decurso de uma longa correspondência com o astrónomo holandês Willem de Sitter, Einstein pensou ter resolvido o problema com a introdução de um modelo estático, espacialmente fechado do universo, evitando assim a necessidade de condições de fronteira para determinar a estrutura geométrica do campo gravítico. Para construir um modelo estático Einstein introduziu a famosa “constante cosmológica”, responsável por uma “força” anti-gravítica capaz de equilibrar a atracção da matéria no universo. Com esta nova formulação, Einstein convenceu-se que a sua teoria respeitava o que ele chamava o “princípio de Mach”: a estrutura geométrica do espaço-tempo era completamente determinada pelo conteúdo material do universo. Mas em breve De Sitter mostrar-lhe-ia que isso não era verdade.

Daí em diante Einstein perderia o seu entusiasmo pelo dito princípio, posição que seria ainda reforçada com a descoberta da expansão do Universo, primeiro com os trabalhos teóricos fundamentais de Friedmann (1922, 1924) e Lemaître (1927) e depois com as observações de E. Hubble (1929) . Mas foi Einstein que lançou as bases da cosmologia relativista. Nesses anos, em que se assistiu ao desenvolvimento da relatividade geral, Einstein ainda haveria de contribuir com trabalho pioneiro sobre ondas gravitacionais, lentes gravitacionais e com a discussão das singularidades do espaço-tempo.


Por volta de 1920 Einstein volta-se para uma questão ainda mais ambiciosa: a construção de uma teoria clássica de campo, seguindo o modelo da relatividade geral, mas capaz de unificar o tecido do espaço-tempo (responsável pelos efeitos da gravidade) e o campo electromagnético de Maxwell-Lorentz. Nessa tentativa, em vez de reduzir a estrutura do espaço-tempo à matéria, Einstein procura mostrar como a matéria poderia emergir deste campo unificado. Esta é a tarefa que o absorverá quase em absoluto até ao fim da sua vida em 1955. Hoje reconhecemos que essas primeiras teorias unificadas de Einstein representaram avanços significativos no sentido da unificação que, de alguma forma, se reflectem nas teorias de supergravidade e de supercordas dos últimos 30 anos. Poderá perguntar-se porque é que os trabalhos de Einstein sobre a unificação não tiveram maior sucesso? Alguns sugerem que Einstein teria deixado de seguir a sua intuição física, e teria sido seduzido pelas novidades formais da matemática. Outros admitem simplesmente que Einstein estava à frente do seu tempo, pois mesmo que tivesse seguido a física contemporânea mais de perto, a informação disponível antes da sua morte era claramente insuficiente para que pudesse fazer um progresso significativo no sentido da unificação da física. Einstein esperava que uma teoria unificada pudesse resolver todos os enigmas da teoria quântica. Embora o quadro actual seja muito diferente daquele que existia no tempo de Einstein, pode afirmar-se sem reservas que o seu trabalho inspirou realmente as tentativas modernas de unificação das interacções físicas.