Pós e contras de ser homem... em Marte
MDRS, deserto de Utah. Crédito: Mars Society.
Hoje em dia a exploração do espaço é resultado duma cooperação internacional pacífica, da qual a ISS (International Space Station) é paradigma. O próximo passo lógico na exploração espacial tripulada são as missões à Lua e a Marte. E é precisamente na viagem tripulada ao planeta vermelho que iremos focar.
Para além da exploração de Marte poder ser considerada uma antiga ambição, factores científicos, tecnológicos e até culturais fazem com que seja um destino apetecível. De mencionar são a procura de vida noutro planeta (exobiologia), o estudo de formação e evolução planetária, o desenvolvimento de novas tecnologias e o ter sido considerado plausível a sua "Terra-transformação" (transformação do seu ambiente em algo mais apetecível para o ser humano).
Um dos desafios que terão de ser vencidos para tornar real uma viagem tripulada ao planeta vermelho relaciona-se com o factor humano. Para que os objectivos da missão sejam alcançados, é necessário que a tripulação se mantenha coesa e trabalhe em conjunto para alcançar os seus objectivos durante cerca de três anos em condições extremas.
Paisagem do deserto de Utah, visto da MDRS.
No entanto, a necessidade da tripulação ser um grupo que trabalhe em conjunto não tem estado patente nas selecções de astronautas, que se baseiam em características individuais e não previnem tensões e conflitos interpessoais e intergrupos descritos em várias missões e simulações (campanhas de isolamento) realizadas até hoje. Embora características sociais comecem hoje a fazer parte desta selecção, a relação interpessoal e intergrupos ganha ainda uma importância renovada com o aumento da duração da missão, como é o caso da missão a Marte.
Existe uma relação estreita entre a identidade social partilhada e os resultados positivos do grupo; quando a identificação das pessoas com o grupo é forte, elas tornam-se mais motivadas para atingir os objectivos do grupo, trabalhando mais arduamente para o seu sucesso. É por isso importante perceber os factores que possam atenuar e moderar o desenvolvimento dessa identidade, como o personalidade, estilo de liderança, tamanho do grupo, funções e estruturas de poder, misturas culturais e do sexo. As condições encontradas na MDRS, nomeadamente o isolamento, permitem estudá-los num ambiente mais próximo ao encontrado em missões espaciais.
No projecto Leonardo, o principal tópico de investigação relaciona-se efectivamente com a dinâmica de grupos e da sua influência na motivação e esforço para a concretização dos objectivos da missão. Algumas das variáveis acima mencionadas vão ser estudadas, de acordo com o apresentado no Quadro1. Esta investigação baseia-se na noção que as pessoas agem tanto como indivíduos, como membros de um grupo, e que agem mais coesiva e cooperativamente num grupo com o qual se identifiquem.
Metodologia | Parâmetro(s) medido(s) |
Astro-PCI (questionários psicológicos) | várias dimensões da personalidade |
Investigação do funcionamento pessoal e de grupo (questionário diário) | (a) identificação de sub-grupos (i.e., diferentes áreas de investigação representadas na MDRS e na equipa de controlo da missão) e identificação com a missão como um todo (b) objectivos do grupo e alinhamento dos objectivos dos sub-grupos com aqueles da missão (c) processos de grupo (motivação, compromisso, coesão, comportamento pro-social) (d) relações sub-grupo (relações de trabalho entre equipas, comportamento pro-social para com membros de diferentes sub-grupos) (e) auto-categorizações (f) polarização do grupo e sub-grupo (g) ostracismo e pressão para a conformação às normas do grupo (h) "funcionamento" do indivíduo (fadiga, stress, bem estar) |
Estudo de amostras de saliva (estudo fisiológico) | Stress (indicadores moleculares) |
Cogstate (versão reduzida diariamente, 1-5 min; versão completa de 3 em 3 dias, 15-20 min) | Medidas neurocognitivas |
Questionário breve de adaptação | Estratégias de adaptação |
Valles Marineris, Marte. Crédito: ESA.
Têm sido acumuladas evidências em favor de uma mistura equilibrada de ambos os sexos para um trabalho de grupo de longa duração óptimo.
Contudo, existe pouca informação acerca de tripulações femininas em missões espaciais reais ou simuladas. Para ajudar a preencher essa lacuna, e investigar o impacto do sexo na identidade e a capacidade de trabalho do grupo, a equipa Leonardo é constituída apenas por membros do sexo masculino e os resultados obtidos vão ser comparados aos obtidos em condições idênticas mas por uma tripulação totalmente feminina, no projecto complementar Mona Lisa que irá ser efectuada na MDRS de 1 a 16 de Maio. No fundo, pode pensar-se que se procura a resposta à pergunta: Qual a diferença entre o comportamento masculino e feminino numa situação extrema como viver em Marte?
Esta experiência vem na sequência de outros estudos realizados nesta área pela Universidade do Texas e é liderada pela Dra. Sheryl Bishop.
O projecto Leonardo
O projecto Leonardo surgiu após o curso de Verão de 2004 da International Space University (ISU), onde a equipa de 12 membros (6 tripulantes e 6 suplentes) se conheceu. Aqui, esta equipa constituída por membros de diferentes formações académicas e origem em diversos países (Áustria, USA, Austrália, França, Alemanha, Portugal, Hong-Kong, Holanda e Canada), adquiriu conhecimento de estudos de comportamento e composição de tripulação em isolamento prolongado, nos quais há pouca informação disponível no que diz respeito a tripulações femininas. Este facto conduziu ao nascimento de dois projectos complementares: os projectos Leonardo e Mona Lisa com tripulações inteiramente masculina e feminina, respectivamente.
O projecto Leonardo vai além do estudo de dinâmica de grupos e reflecte a multidisciplinaridade da equipa ao envolver diversas actividades tendo em vista a preparação de uma missão a Marte. São disso exemplo estudos que irão ser descritos nas próximas semanas.