Uma das técnicas de detecção de ondas gravitacionais que mais progressos tem conseguido nos últimos anos é a interferometria. O princípio de funcionamento é simples: quando uma onda gravitacional interage com os dois braços perpendiculares de um interferómetro vai induzir pequenas variações no seu comprimento que podem ser medidas através do padrão de interferência resultante da recombinação da luz que se propaga no instrumento. Em geral o comprimento dos braços do interferómetro deve ser da ordem de alguns Km para que ondas gravitacionais com amplitudes da ordem de 10-21 (a amplitude das ondas gravitacionais produzidas em alguns dos processos astrofísicos mais interessantes) dêem origem a deslocamentos da ordem de 10-18m.

Em geral, o tempo que a luz demora a percorrer o braço do interferómetro é muito menor que o período das ondas a que este método é sensível e portanto para uma dada frequência o efeito não será tão grande quanto seria possível. Para conseguir maximizar a variação do comprimento nos braços do detector, foram desenvolvidas técnicas que permitem que a luz circule algumas centenas de vezes no instrumento antes que o padrão de interferência seja medido. Esta técnica permite que o desclocamento causado pela interacção da onda gravitacional com o detector seja aproximadamente duas ordens de grandeza superior ao que seria conseguido com uma única viagem da luz ao longo dos braços do interferómetro ou seja 10-16m para uma onda com uma amplitude de 10-21. Para ter uma idéia de desafio que a medição precisa de deslocamentos tão pequenos implica, basta pensarmos que se expandissemos o instrumento de forma a que os braç tivessem um comprimento da ordem da distância que separa a terra do Sol, as deslocações não seriam maiores que o diâmetro de um cabelo!

Fig. 1 - O Laboratório do LISA em Hanford. Repare-se nos dois braços do interferómetro que saiem do edifício central. Uma caminhada nos campos em redor das instalações que albergam o instrumento pode causar grandes dores de cabeça aos físicos que procuram observar ondas gravitacionais. FONTE: LIGO
Tal como no caso das barras ressonantes é necessário um cuidado extremo para reduzir todas as fontes de ruido e conseguir uma caracterização espectral precisa das fontes que não podem ser eliminadas de modo a que parte do ruido possa ser subtraido do sinal fornecido pelo detector. No caso de um interferómetro, a massa de teste, ou seja a massa que é deslocada pela intereacção com a onda gravitacional encontra-se suspensa na extremidade de cada um dos braços do detector e deve ser devidamente isolada de vibrações exteriores que possam induzir movimentos indesejados. Uma vez que a luz circula no instrumento algumas centenas de vezes até ser analisada, cada reflexão vai em princípio introduzir mais ruido no sinal a analisar. No entanto, ao contrário das barras ressonantes que são sensíveis apenas numa banda de frequências muito estreita em torno da sua frequência de ressonância, a sensibilidade dos interferómetros estende-se por uma gama de frequências bastante mais generosa e as estratégias adoptadas para reduzir o ruido são um pouco diferentes. No caso do LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory), que discutiremos com algum detalhe mais adiante a largura de banda é de algumas centenas de Hz centrada numa frequência de 1KHz. Tendo em conta que um pêndulo consegue filtrar de uma forma eficiente frequências acima da sua frequência natural de oscilação, suspendendo os espelhos e as massas de teste num pêndulo cuidadosament desenhado, é possível reduzir de uma forma drástica o ruido acima de 10 Hz. Repare-se que para vibrações externas de frequências mais baixas o problema é muito mais complicado e torna-se necessário colocar o instrumento no espaço onde o ruido de baixa frequência pode ser quase completamente eliminado. É esta aliás uma das motivações para a construção do LISA (Large Interferometric Space Antenna) como veremos em breve. Curiosamente o físico Kip Thorne, que tem sido desde o início um dos mais entusiásticos impulsionadores do LIGO, calculou que uma das maiores fontes de ruido com frequências da ordem de alguns Hz será devida às vibrações induzidas no solo por pessoas a caminhar nos campos à volta do instrumento!

Como de costume, também aqui o ruido térmico pode tornar tudo mais complicado. No entanto, construindo os espelhos e suspensões com factores de qualidade mecânica muito elevados, é possível limitar as vibrações indesejáveis a bandas de frequência muito estreitas à volta da frequeência de ressonância das suspensões (algumas dezenas de Hz) e dos espelhos (alguns KHz). Desta forma, ao contrário das barras ressonantes, os interferómetros podem operar à temparatura ambiente.

Uma outra contribuição para o ruido provém da natureza quântica dos fotões usados na interferometria, o chamado ruido de Shot. Devido à quantização, os fotões atingem os espelhos aleatoriamente dando origem a flutuações que podem ser confundidas com a detecção de uma onda gravitacional. Quanto mais fotões forem usados, menor será a amplitude das flutuações induzidas por este processo. Tendo em conta que as flutuações são inversamente proporcionais √N onde N é o número de fotões usados, pode calcular-se que a potência necessária para manter as flutuações induzidas pelo ruido de Shot abaixo de 10-16 m seria bastante superior ao que é neste momento possivel obter usando os lasers mais estaveis. Para lidar de forma eficiente com este problema, a luz que circula no interior do instrumento é reciclada, e o laser só fornece a luz estritamente necessária para fazer face às perdas que ocorrem nos vários componentes do sistema (principalmente nos espelhos). Devido aos vários avanços ocorridos nos últimos anos no processo de fabricação dos espelhos, as perdas são em geral menores que uma parte em mil. Desta forma é possivel operar detectores como o LIGO com lasers de 10W.


Detectores em funcionamento

Fig. 2 - Parte da instrumentação do LIGO em Livingston. FONTE: LIGO
O detector mais interessante em operação neste momento é o LIGO nos EUA. Este detector é constituido por três interferómetros: dois em Hanford no estado de Washington com braços de 4 e 2 Km e um terceiro em Livingston na Louisiana com braços de 4 Km. Os três detectores encontram-se em funcionamento desde Agosto de 2002 e a sensibilidade do detector será aumentada progressivamente até atingir 10-23 até 2006.

Existem ainda alguns interferómetros mais pequenos que têm sido usados principalmente para testar novas tecnologias que podem mais tarde migrar para os grandes interferómetros. Um exemplo nesta classe de detectores é o GEO600, uma colaboração que envolve o Reino Unido e a Alemanha. Este projecto foi responsável pelo desenvolvimento de suspensões e espelhos extremamente avançados que foram (ou irão ser) aplicados no LIGO de forma melhorar a sensibilidade em várias ordens de grandeza até 2006.


O LISA

Este é certamento um dos projectos mais arrojados nesta área. Como vimos anteriormente, para um detector localizado na Terra é quase impensável melhorar a sensibilidade até níveis aceitáveis para frequências abaixo de algumas dezenas de Hz. O próximo passo será obviamente colocar o instrumento no espaço onde o ruido de baixa frequência é quase inexistente. É exactamente isto que pretendem os proponentes do LISA (Laser Interferometer Space Antenna). O objectivo deste projecto é construir um instrumento com uma sensibilidade da ordem de 10-23 para uma banda de frequências de 0.1 mHz a 0.1 Hz. Este será o primeiro instrumento capaz de fazer medições nesta região do espectro de ondas gravitacionais. Nesta banda de frequências conseguiremos observar a contribuição para o fundo estocástico de ondas gravitacionias de sistemas binários galácticos e a coalescência de buracos negros gigantes que hoje sabemos habitarem o centro de um grande número de galáxias, para além da possibilidade sempre presente de detectar o fundo cosmológico de ondas gravitacionais (Ver Fig 3). Com a sensibilidade prevista, o LISA será capaz de detectar acontecimentos deste tipo com uma razão sinal ruido de 1000 para objectos com desvios para o vermelho até 1.

Fig. 3 - O Universo visto pelo LISA. FONTE:LISA

O LISA é constiutuido por três satélites dispostos nos vértices de um triângulo equilátero numa órbita em torno do Sol aproximadamente com o mesmo raio da órbita da Terra, 20 graus atrás da órbita da terra e num plano inclinado 60 graus em relação ao plano eclíptico (Ver Fig 4). O comprimento dos braços do interferómetro, ou seja a distância entre cada par de satélites é da ordem de 5 x 106 Km. A distância entre os satélites é tal que seria impossível usar espelhos para refelctir a luz que circula no instrumento. Em lugar de reflectir a luz que atinge a extremidade dos braços do interferómetro, cada satélite dispõem do seu próprio laser que emite luz exactamente com a mesma fase que a luz recebida. Uma vez que temos neste caso três braços, é possivel usar esta redundância para medir directamente a polarização das ondas gravitacionais. Após o lançamento que deverá ocorrer em 2011, a missão terá uma duração de 5 anos, com a possibilidade de mais cinco anos de funcionamento se tudo correr bem e o instrumento se comportar como planeado.

Fig. 4 - A posição do LISA em relação ás órbitas da Terra e do Sol (esquerda). A formação em triângulo roda em torno do centro enquanto o instrumento descreve a órbita em torno do Sol. FONTE: LISA

Embora o ruido de baixa frequência não seja neste caso um problema o LISA vai ter que enfrentar outros desafios. Os ventos solares e a pressão da radiação solar vão contribuir para que a posição dos três satélites não seja absolutamente estável. Afim de eliminar esta fonte de perturbções, a interferometria é feita em relação a uma massa que se encontra em queda livre no interior do satélite a salvo dos efeitos perturbadores. Quando o sistema "sente" que a posição relativa do satélite e da massa de teste foi alterada, micro foguetes capazes de efectuar manobras de grande precisão serão imediatamente accionados de forma a corrigir os deslocamentos indesejáveis.


O futuro

Os próximos anos serão cruciais para a observação de ondas gravitacionais e a impossibilidade de conseguir uma detecção poderá trazer consigo consequências catastróficas para os príncipio fundamentais da física que acreditamos regular o Universo em que vivemos. Para além da saudável competição entre os vários grupos que operam neste momento detectores de ondas gravitacionais, a existência de vários detectores a operar independentemente, usando técnicas diversas e sensíveis a diferentes gamas de frequência tem várias consequências interessantes. Por um lado tornará possível a confirmação por grupos independentes da observação de um determinado evento. Como vimos, foi este passo essencial que falhou no caso das observações de Weber. Por outro lado, a informação recolhida pelos vários detectores em diferentes bandas de frequência é complementar e pode dar-nos uma imagem mais completa dos fenómenos que produzem ondas gravitacionais. Não será difícil imaginar num futuro não muito longínquo uma rede de observatórios de ondas gravitacionais operada em estreita colaboração com observatórios convencionais (no domínio do espectro electromagnético). Um bom exemplo seria a detecção do sinal característico do colapso gravitacional por um detector de ondas gravitacionais. Ao detectar o sinal, um alarme seria automaticamente emitido de forma a permitir aos astrónomos convencionais apontar os seus telescópios na direcção indicada pelos seus colegas a operar no domínio das ondas gravitacionais e eventualmente presenciar uma supernova desde os seus instantes iniciais.

Por fim (e devo confessar que este é um dos tópicos que mais me seduzem nesta área) existe a possibilidadede observar o nascimento do universo através do fundo estocástico de ondas gravitacionais. Embora no presente a possibilidade de uma tal detecção seja remota, a recompensa será infinitamente maior que todo o esforço e engenho posto na resolução do problema!