Detecção de ondas gravitacionais I (Barras Ressonantes)

Tendo discutido nas últimas três semanas as fontes de ondas gravitacionais que gostaríamos de poder detectar no futuro próximo, vou hoje analisar algumas das técnicas utilizadas na detecção de ondas gravitacionais bem como alguns dos principais detectores em funcionamento e algumas das ideias mais interessantes que poderão eventualmente conduzir a grandes progressos nesta área.

Existem essencialmente dois tipos de detectores: barras ressonantes e interferómetros. Embora os detalhes de construção e as suas propriedades sejam bastante diferentes, o princípio usado para a detecção é essencialmente o mesmo: ao interagir com o detector, uma onda gravitacional vai induzir uma alteração dl na dimensão do detector. Como vimos anteriormente, a sensibilidade de um detector é dada aproximadamente por dh=dl/l onde l é a dimensão do detector. Quanto mais pequeno for o número dh mais sensível será o detector. A diferença entre os dois tipos de detectores consiste fundamentalmente na maneira como dl é medido, e na gama de frequências a que o detector é sensível.

Um pioneiro

Fig 1 - Joseph Weber trabalhando num dos primeiros detectores de ondas gravitacionais. Repare-se na dimensão do cilindro de alumínio. http://sam.phys.lsu.edu/Overview/history.html
O trabalho pioneiro nesta área foi desenvolvido por Joseph Weber durante os anos 60 (Fig. 1). O detector de Weber consistia num cilindro de alumínio com uma massa da ordem de 1 tonelada no interior de uma câmara de vácuo a fim de isolar a barra de vibrações exteriores. Ao interagir com o detector as ondas gravitacionais excitam o modo fundamental de vibração da barra e através de um cristal piezoeléctrico acoplado à barra, esta vibração é transformada num sinal eléctrico que podia ser facilmente analisado.

Em 1969 Weber dispunha de vários detectores que atingiam sensibilidades da ordem de 10-16. Dada a fraca intensidade do efeito que se pretendia observar, o sinal era dominado por ruído. Se uma correlação fosse observada entre o sinal de vários detectores, uma vez que o ruído nos vários instrumentos não deveria estar correlacionado, a explicação mais provável seria a detecção de uma onda gravitacional. A certa altura Weber anunciou que uma tal correlação tinha de facto sido observada e a primeira detecção de ondas gravitacionais tinha ocorrido. Na altura este anúncio gerou grande excitação na comunidade que se dedicava ao estudo das ondas gravitacionais e vários grupos apressaram-se a construir detectores semelhantes aos de Weber. Infelizmente nenhum conseguiu reproduzir a sua observação de forma que a detecção não foi confirmada embora Weber tenha continuado convencido que o sinal por ele observado era causado por uma onda gravitacional.

Apesar de todos os progressos nesta área, a situação mantém-se inalterada, mas como veremos em breve, é altamente provável que a primeira detecção ocorra muito em breve. Os detectores deste tipo que se encontram hoje em operação sofreram várias modificações que permitiram melhorar em muito a sua sensibilidade e eliminar a maior parte do ruído causado por fontes externas. Em particular, as barras passaram a ser arrefecidas a temperaturas da ordem de alguns Kelvin, novas suspensões foram desenvolvidas de modo a melhorar o isolamento das barras de vibrações exteriores e por fim foi introduzido um transdutor ressonante que não só amplifica as vibrações do modo fundamental da barra, como amortece as vibrações de baixa frequência que constituem uma parte importante do ruído que afecta estes detectores.

Embora a estrutura do detector em si continue mais ou menos a mesma, os vários grupos que operam barras ressonantes têm efectuado melhoramentos impressionantes que se traduzem em instrumentos com sensibilidades da ordem de 10-20 para uma banda estreita (alguns Hz) à volta de 1 KHz. Se pensarmos que os deslocamentos que pretendemos medir (à volta de 10-20 m) são da ordem de grandeza da incerteza quântica na posição da barra no estado fundamental, vemos que os desafios que se põem à detecção de ondas gravitacionais são de facto imensos.

Uma das características que limita as possibilidades destes detectores é a variação da sua sensibilidade em função da direcção da fonte. Se a direcção da fonte e o eixo do cilindro estiverem separados por um ângulo θ, a sensibilidade do detector varia com sin 2θ. Por outro lado se ψ for o ângulo de polarização no plano da frente de onda medido em relação à projecção do eixo do detector, a sensibilidade à polarização é dada por cos 2ψ. Desta forma a orientação do detector em relação à fonte que se pretende observar deve ser cuidadosamente ponderada de forma a maximizar o sinal recebido no detector.


A actualidade

Fig 2 - O detector AURIGA. Note-se a barra pronta a ser colocada no interior do sistema de vácuo. Créd.: AURIGA
De momento, um dos detectores ressonantes mais sensíveis é o AURIGA, um instrumento operado em Itália pelo INFN no Laboratório nacional de Legnaro perto de Pádua. A primeira fase de operação que terminou em 1999 conseguiu atingir sensibilidades da ordem de 10-21 Hz-1 (Fig. 2). Este número não é exactamente o mesmo que temos até aqui referido como sensibilidade uma vez que se refere à amplitude da transformada de Fourier da onda gravitacional (como vimos os detectores ressonantes são sensíveis numa banda muito estreita de frequências).

Para atingir sensibilidades varias ordens de grandeza superiores aos detectores de Webber o AURIGA é arrefecido a uma temperatura de ordem de 0.1 K! O detector encerrou a primeira fase de operações em 1999, e após a introdução de vários melhoramentos no sistema criogénico e na suspensão da barra, uma nova configuração do detector encontra-se actualmente em testes e uma segunda fase de operação deverá ter inicio muito em breve.

Outro exemplo interessante é o NIOBE operado pela Universidade do Oeste da Austrália. Neste caso a temperatura de operação do detector é mais elevada, 5 K, mas ao contrário do AURIGA que é uma barra de alumínio, O NIOBE é feito de Nióbio, um material com um factor de qualidade mecânica mais elevado que o Alumínio a 5 K.

Fig 3 - A sensibilidade do detector AURIGA durante a primeira fase de funcionamento. Créd.: AURIGA

O que aprendemos então com o AURIGA? Infelizmente nenhuma detecção de ondas gravitacionais foi confirmada, mas isto não quer dizer que a experiência tenha sido uma completa perda de tempo. Operando numa rede, a International Gravitational Event Collaboration ou IGEC (Fig. 3), que inclui além do AURIGA mais 4 detectores em vários continentes (o ALLEGRO na Louisiana nos EUA, o EXPLORER em Genebra, o NAUTILUS em Roma e o NIOBE em Perth) foi possível impor limites à probabilidade de observar uma falsa coincidência em vários detectores e optimizar os métodos que procuram os sinais característicos das ondas gravitacionais. Neste caso os detectores em questão foram orientados com os eixos paralelos de maneira a optimizar a busca de ondas gravitacionais em fontes na direcção do centro da nossa galáxia. O processamento dos sinais dos vários detectores é feito de forma independente e os possíveis eventos observados por cada um dos detectores são então comparados. É encorajador verificar que os resultados obtidos por esta colaboração mostram que a probabilidade de ter uma falsa coincidência é desprezável quando usamos pelo menos três detectores.

Fig 4 - A localização dos detectores da IGEC. Créd.: Colaboração IGEC

Detectores esféricos

Embora a sensibilidade das barras ressonantes tenha atingido valores verdadeiramente impressionantes, é óbvio que não é ainda suficiente para conseguir observar ondas gravitacionais. Para além de uma maior sensibilidade, as propriedades direccionais das barras ressonantes tornam complicado determinar a direcção da fonte ou a polarização da onda emitida. Para além da identificação exacta de uma fonte ser importante, é quando conjugada com observações no espectro electromagnético que se torna óbvia a necessidade de uma melhor localização das fontes. Podemos por exemplo imaginar uma situação em que um sinal característico da fase final da coalescência num sistema binário é observado. Sabendo a direcção em que a fonte se encontra, os astrónomos de ondas gravitacionais podem imediatamente notificar os seus colegas que trabalham em astronomia convencional que um fenómeno interessante está a ocorrer numa determinada direcção. Na posse desta informação será muito mais fácil seguir a fase final da coalescência com telescópios convencionais.

Fig 5 - O protótipo do TIGA. Créd.: TIGA/LSU Louisiana State University
Uma das possibilidades mais interessantes para resolver o problema da direccionalidade consiste nos detectores esféricos ressonantes. Devido às suas propriedades de simetria um detector esférico é omnidirectional. Se vários transdutores forem colocados na superfície da esfera uma análise das vibrações induzidas na esfera permitirá não só calcular a direcção em que a fonte se encontra, mas também a polarização da onda gravitacional, parâmetro que, como vimos anteriormente, nos pode fornecer informação extra sobre a fonte. Existe neste momento uma proposta para construir um detector segundo este princípio a que os autores chamaram TIGA (Truncated Icosahedral Gravitational Wave Antenna, ou Antena de Ondas Gravitacionais Icosaedral Truncada). Como o nome indica a antena não é de facto esférica, mas tem a forma de um icosaedro. A ideia é colocar os transdutores nas faces do icosaedro de maneira a poder fazer uma análise detalhada da vibração da massa. A figura 5 mostra um protótipo que se encontra na Universidade de Louisiana e existe uma antena praticamente idêntica em Roma a ser operada pelo mesmo grupo responsável pelo NAUTILUS.

Na próxima semana falarei sobre aquela que é neste momento a técnica mais promissora para conseguir uma detecção de ondas gravitacionais nos próximos anos: a interferometria.