Quando falamos de ondas gravitacionais decerto que a maior parte dos
leitores associa a sua produção a eventos astrofísicos de grande
violência envolvendo objectos exóticos extremamente compactos (buracos
negros, por exemplo) e localizados no espaço-tempo. Existe no entanto
uma outra fonte de ondas gravitacionais cujas características são
completamente diferentes das fontes discutidas nas duas últimas
semanas: o nascimento e expansão do Universo. De acordo com o
modelo cosmológico padrão o nascimento do universo terá sido decerto o
acontecimento mais violento alguma vez ocorrido no Universo, mas as ondas
gravitacionais produzidas por este evento não se encontram
localizadas e formam um fundo de radiação gravitacional que preenche
todo o Universo da mesma forma que a radiação cósmica de fundo ou o
fundo cosmológico de neutrinos.
Nesta terceira parte vou discutir o fundo cosmológico de
ondas gravitacionais, algumas das razões porque não goza em geral de
tanta publicidade como outras fontes mais convencionais e também a
razão da sua importância e a possibilidade que nos oferece de abrir
uma nova janela sobre os instantes iniciais do Universo.
Um fenómeno alarmante
À parte o fenómeno em si, o que é interessante notar nesta análise de
Schrödinger é que ele associa a produção de partículas à aceleração e
não directamente à expansão. Esta observação crucial viria a tomar
grande importância no contexto da cosmologia inflacionária.
Seria necessário esperar até meados dos anos 70 para percebermos, em
grande medida devido ao trabalho seminal de Lenid Grishchuk, que não
existe nada de alarmante neste fenómeno que têm origem nas flutuações
quânticas que povoam o vácuo. Quando o comprimento de onda de uma
destas flutuações é "esticado" para lá do horizonte cosmológico (que em
geral é da ordem de grandeza do inverso da constante de Hubble H-1),
a flutuação "congela" e pode a partir dai ser vista como uma onda
gravitacional que é amplificada pela expansão do universo.
Uma das imagens mais intuitivas para este processo foi desenvolvida
por Grishchuk e baseia-se na semelhança entre as equações que
descrevem a amplificação das ondas gravitacionais e as equações que
descrevem o efeito de túnel de uma partícula numa barreira de potencial
com um potencial V=ä/a onde a é o factor de escala do Universo e as
" indicam a segunda derivada. Tal como Schrödinger tinha percebido, o
importante neste caso é a aceleração da expansão (ä) não a
velocidade da expansão. Como a figura ilustra, enquanto a onda se
encontra debaixo da barreira de potencial a sua amplitude é constante
e sofre uma amplificação quando comparada com um onda cuja amplitude é
amortecida enquanto dura a expansão.
O resultado final é em geral uma sobreposição incoerente de ondas
gravitacionais que resultam num fundo que se assemelha em grande parte
a ruído. Embora a origem quântica deste fundo cosmológico introduza
correlações subtis entre as varias ondas, não é claro que elas possam
ser detectadas, e como veremos quando discutirmos a detecção de ondas
gravitacionais, a possibilidade mais realista de detectar este fundo
consiste no efeito que ele tem sobre a polarização da radiação cósmica
de fundo. Ou, quem sabe, num futuro não muito longínquo se um
detector de ondas gravitacionais for afectado por níveis de ruído
claramente acima daquilo que seria de esperar, talvez essa seja uma
boa notícia...
Uma janela sobre os instantes iniciais do Universo
Admitindo que este fundo de ondas gravitacionais é real,
existirá alguma razão para o querermos medir? Tendo em conta que
devido à sua fraca capacidade de interagir as ondas gravitacionais
desacoplam da matéria nas fracções de segundo imediatamente após o Big
Bang, da mesma maneira que os mapas da radiação cósmica de fundo
produzidos pelos satélites COBE e mais recentemente WMAP nos mostram
uma imagem do Universo no instante em que radiação e matéria deixaram
efectivamente de interagir (isto é, quando a idade do Universo era
aproximadamente 200000 anos), um mapa do fundo cosmológico de ondas
gravitacionais seria basicamente uma imagem do Universo imediatamente
após o Big Bang! Parece-me que não será excessivo dizer que uma tal
observação seria uma das mais extraordinárias descobertas que podemos
neste momento imaginar. Para além do fascínio que a possibilidade de observar
o "nascimento do Universo" claramente exerce sobre os cosmólogos que
se dedicam ao estudo dos instantes iniciais do Universo esta não é a
única razão que justifica investir algum do nosso tempo no estudo
deste tópico. Uma vez que o fundo de ondas gravitacionais
se encontra desacoplado desde muito cedo da matéria que preenche o
Universo, qualquer processo que contribua para este fundo durante a
evolução do Universo, deixará nele uma marca que se manterá inalterada
(à parte o desvio para o vermelho das ondas gravitacionais devido à
expansão do Universo) até ao presente.
Alguns exemplos
Medindo as características
espectrais do fundo cosmológico de ondas gravitacionais podemos ver a
história do Universo desenrolar-se diante dos nossos olhos. As figuras
5 e 6 ilustram este ponto. O primeiro facto que se torna
aparente ao observar as figuras é a extensão da gama de frequências
produzidas: 30 ordens de
grandeza! Para ter uma ideia do significado desta extensão basta
reparar que as frequências correntemente usadas em astronomia
extendem-se desde o domínio das ondas rádio (f~106 Hz) até aos raios
gama (f~1020 Hz), ou seja "apenas" 14 ordens de grandeza! Tendo em
conta a variedade das descobertas feitas nesta banda "tão limitada" de
frequências durante os últimos 100 anos, é impossível prever o que a
astronomia de ondas gravitacionais nos trará.
A quantidade representada nestas figuras Ωgw(f) é a chamada
densidade espectral de energia e é basicamente uma medida da fracção
da energia no Universo na forma de ondas gravitacionais para uma dada
frequência f, medida em relação à energia total de um Universo plano,
normalmente designada por Ω. Só para ter uma ideia do
significado deste número, actualmente todos os dados indicam que
a densidade do Universo toma um valor muito próxima de 1, o valor de
Ω num Universo plano. A figura 5 mostra dois modelos distintos: o modelo
inflacionário padrão e um modelo chamado inflação térmica. Mesmo sem
entrar em grandes detalhes, é fácil ver que os dois modelos produzem
espectros de ondas gravitacionais com características
distintas. Infelizmente, olhando para as curvas marcadas com LISA e
LIGO II que mostram um esboço grosseiro da sensibilidade destes dois
detectores, vemos que a detecção do fundo de ondas gravitacionais
dificilmente acontecerá nos próximos anos. Embora no caso do modelo
inflacionário padrão o espectro não seja particularmente interessante,
é de notar que para frequências abaixo de 10-17 Hz a curva sobe em
relação ao patamar observado para altas frequências. É esta parte do
espectro que pode eventualmente deixar a sua marca na polarização do
fundo cósmico de micro-ondas. Embora a polarização da radiação cósmica
de fundo produzida pelo fundo cósmico de ondas gravitacionais seja
extremamente difícil de detectar (e de facto não foi até hoje
detectada...) as barreiras técnicas a transpor são claramente mais
acessíveis que no caso da detecção directa do fundo cosmológico de
ondas gravitacionais.
A figura 6 mostra os resultados obtidos para uma variante de um
modelo conhecido como pré Big Bang. Como o nome indica, neste modelo o
Universo existe ainda antes do Big Bang. O espectro de ondas
gravitacionais produzidas neste tipo de modelos parece muito mais
promissor que no caso dos modelos inflacionários e a sua detecção
seria em princípio possível com o detector LISA, e marginalmente
possível com o LIGO II. Infelizmente modelos deste tipo não gozam hoje
em dia de grande popularidade entre outras razões porque é
extremamente difícil unir de uma forma contínua a evolução do
Universo antes e depois do Big Bang, mas de qualquer maneira ilustram
de uma forma clara a variedade de constrangimentos que é possível
impor num modelo cosmológico a partir do espectro do fundo cosmológico
de ondas gravitacionais por ele produzido.
Mas não é tudo. Embora pequena, a contribuição do fundo cosmológico de
ondas gravitacionais para a energia total do Universo não é
desprezável: num modelo que produza ondas cosmológicas em excesso, a
nucleosíntese (a formação dos elementos leves que compõem o Universo e
que ocorreu alguns minutos após o Big Bang) produziria Hélio em
quantidades diferentes daquilo que hoje observamos. Vemos assim que
algo que começou como um "fenómeno alarmante" é de facto uma fonte
preciosa de informação sobre a evolução do Universo.
A persistência compensa!
O grande trunfo das ondas gravitacionais é também o seu ponto fraco: a
sua predisposição para não interagir com a matéria que lhes permitiu
atravessar o Universo transportando a sua mensagem inalterada desde
a sua criação significa que a interacção
com um detector será também extremamente
improvável... Improvável mas não impossível! Como veremos na próxima
semana, os cientistas envolvidos nos maiores detectores actualmente em
construção têm durante os últimos anos vindo a considerar seriamente
todas as possibilidades práticas de detecção do fundo cosmológico de
ondas gravitacionais. Embora a detecção directa não esteja ainda no
nosso horizonte, as dificuldades que se colocam no presente são
essencialmente técnicas não existindo qualquer razão física que
impossibilite a sua detecção. Embora seja um problema diferente podemos
comparar esta situação com o que se passou com a medição das
anisotropias do fundo cósmico de micro ondas pelo satélite
COBE. Durante várias décadas a detecção de anisotropias na temperatura
parecia estar fora do alcance de qualquer estimativa mais realista,
até que o satélite COBE lançado em 1989 conseguiu realizar o
impossível! Tendo em conta o que está em jogo, esta é uma área em que
mais tarde ou mais cedo a persistência e a astúcia serão certamente
recompensadas!
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