Tal como prometido, vamos agora analisar com mais cuidado algumas das fontes astrofísicas de ondas gravitacionais que esperamos poder detectar nos próximos anos com os detectores que se encontram actualmente em funcionamento ou com data prevista para o início de operação num futuro muito próximo. Antes porém convém olhar com alguma atenção para os parâmetros que caracterizam as ondas gravitacionais: amplitude, frequência e polarização:

Amplitude

Intuitivamente é mais ou menos claro que a amplitude medida por um detector é o resultado da amplitude intrínseca produzida na fonte combinada com a atenuação do sinal dependente da distância entre a fonte e o observador: se duas fontes produzirem um sinal com a mesma amplitude, o sinal da fonte mais próxima resulta numa maior amplitude medida pelo detector. Vemos assim que quanto mais próximas estiverem as fontes de interesse, mais fácil será a sua detecção.

Como veremos nas próximas semanas, a interacção da onda com o detector resulta na variação da distância entre as massas que constituem o instrumento e é portanto conveniente definir a amplitude como h = dL/L, onde L é a distância em repouso e dL a variação induzida pela interacção com a onda gravitacional.

Frequência

No caso de sistemas cuja dinâmica é governada pela sua própria gravidade (o pulsar binário por exemplo, ou a colisão entre dois buracos negros), é relativamente simples obter uma relação entre a massa do sistema M, a sua dimensão R e a frequência f das ondas gravitacionais produzidas. Para além da massa e da dimensão do sistema, tendo em conta a natureza gravitacional da interacção, esperamos que a expressão envolva também a constante universal da gravitação G. Recorrendo apenas à análise dimensional das quantidades envolvidas, facilmente concluímos que f~(GM/R)(1/2)~(G/ρ)(1/2). Tomando como casos limite a densidade da matéria nuclear e a densidade da água, vemos que as frequências produzidas variam no intervalo 10-4-104, que é basicamente a gama de frequências inicialmente acessível aos detectores actualmente em funcionamento ou em construção. Tendo em conta que, como referi na primeira parte, as características das ondas gravitacionais transportam informação preciosa sobre os sistemas que as produziram, vemos que quando a detecção acontecer a gama de estados da matéria e portanto de sistemas astrofísicos acessível à astronomia de ondas gravitacionais será impressionante e abrirá certamente um novo capítulo na história da astronomia. Quando combinada com informação obtida no domínio do espectro electromagnético, a astronomia de ondas gravitacionais irá certamente abrir uma nova janela sobre alguns dos segredos mais bem guardados do Universo.

Polarização

Figura 1: O efeito dos dois estados de polarização de uma onda gravitacional num anel de partículas de teste mostra a diferença entre estes dois estados através do seu efeito nas partículas de teste e clarifica também a razão para a sua designação habitual! Crédito: LISA/NASA.
As ondas gravitacionais existem em dois estados de polarização normalmente designados por + e x (Figura 1). Como foi anteriormente referido, a polarização fornece, entre outras coisas, informação sobre a inclinação do plano orbital de um sistema binário em relação ao observador. Quando a linha de observação é paralela ao plano orbital do sistema, cada uma das componentes aparenta mover-se numa linha recta e é neste caso possível mostrar que a polarização das ondas gravitacionais emitidas será linear. Se, pelo contrário, a linha de observação for normal ao plano orbital, o movimento das estrelas será circular e a polarização observada será também circular. Entre estes dois casos limite existe uma gama de valores possível para a inclinação do plano orbital que pode em princípio ser deduzida através da polarização do sinal observado.


Fontes detectáveis (ou quase...)

Existem essencialmente três grandes categorias de fontes astrofísicas de ondas gravitacionais: colapso gravitacional, estrelas de neutrões em rotação e sistemas binários.

Colapso gravitacional

Figura 2: A Grande Nuvem de Magalhães antes (direita) e imediatamente após a supernova 1987A (esquerda). Para os leitores mais distraídos, a supernova a mancha brilhante no centro da imagem... Crédito: Anglo Australian Observatory.
A formação de uma estrela de neutrões induzida pelo colapso gravitacional do núcleo de uma estrela (Supernova do tipo II) é um dos fenómenos mais violentos que podemos observar no Universo. A energia libertada pela explosão e que se calcula ser da ordem de 15% da massa Solar é transportada essencialmente por neutrinos. Este aspecto da física das supernovas foi espectacularmente confirmado pelas observações feitas na supernova 1987A na Grande Nuvem de Magalhães (Figura 2).

Supõe-se também que uma parte desta enorme energia é convertida em ondas gravitacionais.

Infelizmente, é extremamente difícil fazer previsões rigorosas para as amplitudes e frequências das ondas gravitacionais emitidas uma vez que a modelação de uma Supernova do tipo II é um problema altamente não trivial dada a complexidade e as incertezas envolvidas. De facto, com os conhecimentos actualmente ao nosso dispor, a emissão gravitacional proveniente do colapso de uma estrela pode ser um impulso numa banda relativamente larga de frequências centrada em torno de 1KHz, mas uma emissão de alguns ciclos com frequências entre os 100Hz e os 10KHz não pode ser excluída. Num dos casos mais favoráveis, se assumirmos que a energia radiada sob a forma de ondas gravitacionais é da ordem de 1% da massa solar, possíveis supernovas no Aglomerado da Virgem (a uma distância de 18Mpc) poderiam ser detectadas por um detector com uma sensibilidade de ordem de 10-21. Sensibilidades desta ordem de grandeza poderão ser atingidas num futuro muito próximo.

Toda esta incerteza em torno das ondas gravitacionais resultantes do colapso gravitacional é de certa forma uma situação irónica tendo em conta que esta fonte foi uma das mais fortes motivações no desenvolvimento dos primeiros detectores e continua ainda a ser um dos alvos mais importantes para a detecção.

No caso de estrelas de neutrões com rotação rápida, existe ainda a possibilidade da desaceleração sofrida imediatamente após o nascimento da estrela resultar na produção de um fundo estocástico de ondas gravitacionais com frequências acima dos 20Hz. O fundo estocástico de ondas gravitacionais será abordado com algum detalhe na próxima semana quando analisarmos as ondas gravitacionais de origem cosmológica, mas para o leitor mais impaciente posso adiantar que ao contrário das ondas gravitacionais que discutiremos aqui e que podem em princípio ser detectadas individualmente e associadas a uma fonte localizada, as ondas que compõem o fundo estocástico sobrepõem-se de tal forma que as propriedades individuais de cada onda se perdem para dar origem a um colectivo com propriedades bem definidas. Uma analogia (que deve ser tomada com algum cuidado...) consiste na ondulação à superfície do oceano: em condições normais a superfície do oceano nunca será completamente plana, sendo povoada por um grande número de ondas cuja origem e identidade dificilmente poderiam ser encontrados (um pouco como o fundo estocástico de ondas gravitacionais). Ocasionalmente ondas de amplitudes que excedem tudo o que seria de esperar em condições normais são geradas (um tsunami, por exemplo) e em princípio seria possível identificar o seu trajecto, bem como a sua origem. Como referi, é sempre necessário algum cuidado com as analogias...

Estrelas de neutrões em rotação

De acordo com a teoria da relatividade geral, um objecto assimétrico em rotação produz ondas gravitacionais. Embora este resultado se aplique a qualquer objecto em rotação, na prática apenas objectos compactos como estrelas de neutrões produzem ondas gravitacionais por este processo.

Uma pequena assimetria de massa m à superfície de uma estrela de massa M, raio R com uma frequência de rotação fr a uma distância r do observador vai produzir ondas gravitacionais com uma amplitude h~(R f)2 m/r e uma frequência 2 fr, onde o factor 2 na frequência se deve ao facto da rotação levar o excesso de massa m a aparecer alternadamente dos dois lados do eixo de rotação. Se assumirmos que a energia radiada sob a forma de ondas gravitacionais provém da conversão da energia rotacional da estrela, a observação de ondas gravitacionais num tal sistema fornece uma pista para a compreensão da dinâmica da estrela. Os modelos de que dispomos actualmente parecem indicar que devido à sua constituição, a superfície da estrela não deverá ser capaz de suportar assimetrias com massas superiores a 10-5 massas solares. A ser confirmado, este resultado leva-nos a concluir que a radiação gravitacional só por si não será capaz de explicar o abrandamento observado na rotação das estrelas de neutrões. Ainda assim, nalguns casos será possível detectar a emissão gravitacional neste tipo de sistemas com os detectores que se encontram já numa fase avançada de construção.

Sistemas binários

Nesta categoria, que é talvez a que mais possibilidades oferece de detecção podemos incluir essencialmente três tipo de sistemas: binários que incluem um buraco negro, uma estrela de neutrões (como o pulsar binário descoberto por Hulse e Taylor) ou duas anãs brancas. O último caso é no entanto ligeiramente diferente uma vez que deve contribuir essencialmente para o fundo estocástico de ondas gravitacionais.

Como vimos anteriormente, a energia perdida pelo sistema sob a forma de ondas gravitacionais vai provocar a aproximação das órbitas até à coalescência dos dois objectos. Pode mostrar-se que a coalescência ocorre num tempo t da ordem de 20 M (M/R)-4 (para simplificar admitimos neste caso que ambas as estrelas têm massas da mesma ordem de grandeza M). Como seria de esperar objectos de maior massa em órbitas próximas atingem a coalescência muito mais rapidamente que objectos com massas mais reduzidas em órbitas mais afastadas. Podemos ter uma ideia das enormes quantidades de energia libertadas neste processo, se repararmos que enquanto a luminosidade sob a forma de ondas gravitacionais é da ordem dos 1052 W a luminosidade do Sol não excede os 1026 W, ou seja, mais de 25 ordens de grandeza abaixo.

Figura 3: O processo de aproximação de dois buracos negros num binário imaginado por um artista. ATENÇÃO!!! Devido a natureza dos buracos negros este processo não poderia na realidade ser observado desta forma. Crédito: LISA/NASA.
Embora seja de esperar que a fase final da coalescência com a inevitável colisão dos dois objectos liberte enormes quantidades de energia sob a forma de ondas gravitacionais num curto espaço de tempo, a simulação das fases finais do processo é extremamente complexa resultando numa enorme incerteza quanto ao espectro das ondas gravitacionais produzidas. Felizmente a situação é bem mais clara no que respeita à aproximação dos dois objectos até que a última órbita estável é atingida. Durante esta fase a frequência das ondas gravitacionais emitidas vai aumentado gradualmente, resultando num sinal característico normalmente designado por "chirp" (chilreio).

O nosso entendimento deste processo é neste momento de tal modo satisfatório que não só tornou a aproximação das estrelas num binário uma das fontes de ondas gravitacionais com maiores possibilidades de ser detectada num futuro próximo, como conseguiu além disso bater alguns limites impostos pela sensibilidade dos detectores de ondas gravitacionais. De facto, quando discutirmos a detecção de ondas gravitacionais, veremos que a técnica de detecção usada neste caso consiste em comparar o sinal do detector com uma biblioteca de formas de onda calculadas para sistemas com diferentes parâmetros. Com este tipo de métodos, a sensibilidade efectiva é proporcional à raiz quadrada do número de ciclos detectados. Para um sistema observado por exemplo durante os últimos 104 ciclos antes da coalescência a sensibilidade efectiva será melhorada por um factor de 100. Usando este tipo de detectores poderemos em principio detectar ondas gravitacionais emitidas por binários a distâncias de 400Mpc. As estimativas de que hoje dispomos apontam para a possibilidade de uma detecção por mês. Este método é de tal forma sensível que a biblioteca que contém as formas de onda esperadas para sistemas com vários parâmetros deve também conter sinais que poderiam ser observados em teorias da gravidade alternativas à relatividade geral e que produzem portanto ondas ligeiramente diferentes das previsões relatividade geral.

Embora envolvendo escalas completamente diferentes, o mesmo tipo de processos aqui descritos pode também dar-se entre dois buracos negros supermassivos aquando da colisão entre duas galáxias (Figura 4). É sabido que uma larga fracção das galáxias conhecidas contêm no centro um buraco negro com uma massa da ordem de 106 massas solares. Embora para buracos negros com massas tão elevadas o tempo de coalescência seja da ordem de 1010 anos, é de esperar que a aproximação e colisão libertem enormes quantidades de energia sob a forma de radiação gravitacional. Neste caso a frequência das ondas produzidas será da ordem dos mHz, uma banda que é acessível ao detector espacial LISA.

Figura 4: Colisão entra duas galáxias conhecida como as galáxias antena. Crédito: B. Whitmore/NASA.

O caso de um sistema binário com duas anãs brancas é ligeiramente diferente essencialmente por duas razões: a sua abundância (as estimativas correntes apontam para um número da ordem de milhares só na nossa galáxia) e a amplitude relativamente baixa do sinal emitido quando comparado com binários onde uma das estrelas é um buraco negro. Os binários com duas anãs brancas devem em princípio contribuir para uma componente do fundo estocástico (mais uma ...) com frequências abaixo de 1 mHz. Como veremos nas próximas semanas esta é uma região do espectro acessível ao detector espacial LISA.

A Figura 5 mostra de uma forma simplificada as várias fontes astrofísicas de ondas gravitacionais discutidas sobrepostas às curvas de sensibilidade de vários detectores em funcionamento ou em fase de construção. Os detalhes relativos à sensibilidade dos detectores só poderão ser verdadeiramente entendidos quando discutirmos métodos de detecção dentro de duas semanas.

Figura 5: Fontes de ondas gravitacionais e a sensibilidade de vários detectores de ondas gravitacionais. Crédito: LISA/NASA.