Uma visão da Lua por um telescópio amador.
Apesar da Lua não ser geologicamente activa como a Terra o é (não existem placas tectónicas e a reciclagem da crosta: em certas zonas é destruída e noutras nova é formada), ela oferece uma variedade de exemplos que sugerem que a sua história é complexa desde o momento da sua formação. Presentemente, a teoria aceite pela comunidade científica lunar, é que após a sua formação, existiu uma camada de material fundido que cobria o planeta todo e com profundidades de 500 a 1000 km. Este estádio foi seguido pelo arrefecimento e diferenciação (separação) deste material fundido em crosta e manto; impactos de meteoro de grandes dimensões ocorreram e formaram as grandes bacias da superfície lunar; vulcanismo basáltico preencheu as depressões destas bacias, o qual se pensa que correspondeu a um longo período. Em seguida, encontra-se um resumo dos diferentes episódios e ideias mais proeminentes relativas à evolução da Lua.


Simples Estratigrafia e Evolução da Lua

Crê-se que o "oceano magmático lunar" (LMO) formado, permaneceu completamente fundido até profundidades >500 km (Longhi, 1992). Debaixo desta camada fundida ficou preservado um manto de composição primitiva. Com o arrefecimento da camada fundida, ela diferenciou-se devido a cristalização fraccionada em duas camadas distintas: uma camada de crosta anortosítica e um manto complementar de composição ultramáfica a dunítica (rico em Mg, Fe e Ti). No início deste processo, os minerais olivina e piroxina cristalizaram-se e "afundaram-se" na base do "oceano magmático lunar". Quando 70-80% da cristalização tinha ocorrido, o mineral plagioclase (um feldspato rico em Ca) começou a formar-se e a sua menor densidade, relativa ao resto do liquido, fez com que estes cristais "flutuassem" e acumulassem no topo do LMO, formando a crosta lunar. Pensa-se que a espessura da crosta não é uma característica uniforme e homogénea por toda a Lua. Ela varia e tem em média uma espessura entre 20 a 100 km no lado visível e lado escondido da Lua, respectivamente.

No final da cristalização do LMO, há cerca de 4.4 Ga, uma camada residual foi formada, a qual era rica em elementos incompatíveis, incluindo os elementos radioactivos K, U, e Th. Esta camada é normalmente referida como KREEP (K = potássio, REE = elementos terra raras, P = fósforo) que ocuparam uma região entre a crosta e o manto, principalmente no lado visível da Lua. Esta camada constituída por elementos produtores de calor é pensada ter sido responsável pela segunda fase de magmatismo e erupção vulcânica na superfície lunar e após o período de diferenciação, que começou há cerca de 4.3 Ga (Shearer and Papike, 1999 e referências ai listadas). Durante este período de magmatismo foi produzido material intrusivo e extrusivo rico em elementos incompatíveis (ex. KREEP) e elevado teor de alumínio, e houve também intrusões plutónicas de magmas ricos em Mg na crosta lunar. Antecipa-se que a assinatura química dos cúmulos formados inicialmente não mostrem uma anomalia de Eu pois formaram-se antes do período de diferenciação (Eu é um elemento terra-raras que facilmente entra na estrutura de feldspato no lugar de ião de Ca). No entanto, cúmulos que se formaram mais tarde, e depois da diferenciação do LMO mostram uma anomalia negativa no Eu. Outro aspecto a considerar é o facto de uma grande parte do LMO se ter cristalizado antes do plagioclase, por isso pensa-se que existe um grande reservatório de cúmulos do manto que não demonstra a assinatura dos elementos terra-raras com uma anomalia no Eu.

Dados químicos e experimentais sugerem que no final da cristalização do LMO (depois de 90% de cristalização da olivina+piroxina+plagioclase) havia no manto superior a concentração de minerais ricos em Fe e com alto teor de Ti que se formaram mais tardiamente durante a cristalização do LMO (ex. a ilmenite (FeTiO3) e deram origem a uma camada mais densa do que aquela que se encontrava por debaixo, a qual era rica em Mg e que se formou mais cedo. Esta situação, criou um desequilíbrio no contraste de densidades. Modelos desenvolvidos por Hess e Parmentier (1995) para explicar não só o que acontece à inversão de flutuação, assim como à influência que essa situação possa ter provocado na composição química do manto e das zonas de onde originaram a grande variedade química de basaltos, que mais tarde encheriam as grandes crateras formadas devido aos impactos. Hess and Parmentier (1995) sugeriram que esta instabilidade gravitacional foi compensada pelo revirar da pilha de cúmulos. Esta perturbação na distribuição das diferentes camadas que se formaram inicialmente ajuda a responder a alguns puzzles relativos à composição química de alguns basaltos: a grande variação no teor de Ti, o enriquecimento em REE de algumas amostras que demonstram ser ricas em Mg, o transporte da camada com grande concentração de elementos geradores de calor (os elementos radioactivos) e o fundir das zonas de onde os basaltos originaram.

O mais recente mapa gravítico da Lua com base em observações da sonda Lunar Prospector. As zonas a vermelho correspondem aos "mascons" referidos no texto. Crédito: Lunar Prospector/NASA.
Outra característica da superfície da lunar são as anomalias gravitacionais, devido à concentração de massa, que são denominadas por mascons (Muller and Sjörgen [1968], Wilhems, 1987). Estas regiões são normalmente encontradas debaixo de bacias de impacto.

Grupo-Mg e plutonismo alcalino

O plutonismo associado com o grupo-Mg e plutões alcalinos na Lua é constituído por um número de rochas acreditadas terem intrudido através da crosta anortosítica depois da cristalização do LMO (Tabela 6). O grupo-Mg é composto principalmente de troctolites (uma rocha plutónica composta predominantemente de plagioclase e olivine) e de norites ( uma rocha plutónica composta predominantemente de plagioclase e pironixa), e de uma pequena quantidade de gabros e dunites dunites. De um modo geral, estas rochas fazem porte de um grupo que possui um conjunto interessante de características: um teor de Mg mais elevado e primitivo, com um Mg# > 90 [Mg# = Mg/(Fe+Mg)]; e um elevado teor de REE e baixo-Ni (Shearer and Papike, 1999 e referências ai listadas). Pensa-se que estas intrusões do Mg-suite ocorreram pouco depois da formação da crosta anortosítica ferrica e que continuaram por um período de cerca de 400 My (Shearer e Papike, 1999, e referências ai listadas).

A formação do grupo-Mg e das rochas intrusivas com elevado teor de Al e vista como a consequências do revirar do manto anteriormente mencionado. Este revirar do manto, permitiu a mistura dos seus diferentes componentes (ex. ricos em REE com ricos em Mg) e a despressurização das regiões mais profundas do manto diferenciado. A redução da pressão contribuiu para o fundir o manto e a subida deste material, ajudado pelo calor gerado devido aos elementos radioactivos que se tinham concentrado na camada de KREEP (Shearer e Papike, 1999 e referências ai listadas), com um certo nível de mistura dos diferentes melts .

Fragmentos de rochas graníticas e granodioríticas foram encontradas na colecção de amostras das missões Apollo e representam material com características muito evoluídas (não de material original ou primitivo) de um plutonismo de material rico em alcalinos, no entanto a sua composição química sugere serem de zonas diferentes daquelas do Grupo-Mg. Alguns investigadores têm sugerido que os plutonitos alcalinos ter-se-iam originado a partir de pequenas fracções do manto que fundiram parcialmente, ou a partir de reservatórios muito evoluídos do manto (Shearer e Papike, 1999 e referências ai listadas). As idades até agora obtidas para rochas alcalinas e do Mg-suite sugerem que estas instrusões ocorreram muito cedo, pouco depois da formação da Lua, no período entre 4.14 a 4.03 Ga e entre 4.45 a 4.16Ga, respectivamente (Snyder el al., 2000).


Missão Apollo 17, uma vista panorâmica da área visitada, da esquerda para a direita: Módulo Lunar, astronauta, e rover lunar. Nesta missão foi o único geólogo (Harrison "Jack" Schmitt) que visitou a superfície lunar.


Impactos e craterização: fluxo através dos tempos

A fraca gravidade lunar levou a que a Lua perdesse toda a atmosfera. Apesar disso, dados recentes das sondas Clementine e Lunar Prospector mostraram a existência de gelo de água em crateras profundas próximas dos pólos. A quase total inexistência de atmosfera, junto com a ausência de um campo magnético dipolar faz com que a superfície lunar esteja exposta ao bombardeamento por objectos de todas as dimensões, provenientes do exterior, desde as partículas do vento solar, que por vezes interagem e são mesmo capturadas pelos solos, até aos meteoritos que conferem à Lua o seu aspecto característico (as inúmeras crateras e depressões na superfície).

A característica mais saliente da superfície lunar é o seu aspecto "cicatrizado" devido às inúmeras crateras. Este aspecto resultou, e ainda resulta, do bombardeamento da Lua por objectos de vários tamanhos desde a sua formação. A região que foi mais afectada, ou pelo menos mostra uma densidade maior de crateras é as terras-altas (a crosta lunar feldspática), os diferentes maria, por outro lado, demonstram um contraste marcante, com menor densidade, sugerindo serem de idade mais nova.

Quando se considera o princípio geológico de superposição (em que as camadas mais antigas se encontram por debaixo das mais novas), este contraste de densidades indica que as terras-altas são de idade superior à da superfície dos maria que apresentam uma menor densidade de crateras. Presentemente, existe um debate importante entre investigadores da ciência lunar relativo a história dos impactos e da idade que domina as rochas lunares (~3.9 Ga) e obtidas usando diferentes métodos radiométricos de datação em amostras trazidas pelas missões Apollo e Luna. Sabe-se que as maiores crateras de impacto visíveis na superfície lunar, como Imbrium, Crisium e Serenitatis, foram formadas perto desta data. Outro dado importante, é que se sabe que a crosta lunar (as terras-altas) tem uma idade superior, >4.3 Ga, por isso se pensa que o distúrbio dos diferentes sistemas isotópicos usados para datação (Ar-Ar, Rb-Sr e Pb-Pb) verificados, são devidos à existência de eventos há cerca de 3.9 Ga. No entanto a questão em debate relaciona-se com o modo como esses eventos ocorreram: foi isso o resultado de um evento único e cataclísmico ou foi isso devido a diminuição de um fluxo contínuo de material, que já existia desde o período de acreção, na vizinhança da sistema Terra-Lua que impactaria com a Lua (chamado alto bombardeamento lunar cedo) e que terminou há 3.9 Ga.


Cataclismo lunar a ~3.9 Ga

O conceito de cataclismo lunar foi introduzido inicialmente por Tera et al. (1974) quando mostraram resultados obtidos por diferentes métodos de datação utilizando isótopos em rochas trazidas por diferentes missões Apollo. Estas rochas mostravam que o sistema isotópico tinha sido perturbado há 3.9 Ga. Este distúrbio foi definido como tendo sido um período curto da história lunar que só durou <0.2 Ga. Num trabalho apresentado antes deste, Turner et al. (1973) mostraram dados semelhantes para amostras das missões Apollo 15, 16 and 17 and Luna 20. Num trabalho mais recente, Bogard (1995) compilou todas as idades de rochas lunares até então obtidas tanto de amostras trazidas pelas missões, assim como de meteoritos encontrados na Terra, e tendo como origem a Lua, que mostravam perturbação nos sistemas isotópicos na mesma altura, ~3.9 Ga. Esta lista de idades é composta de dados obtidos usando as sistemáticas de Ar-Ar e Rb-Sr e um pico foi observado na idade de 3.9 Ga. Nesta mesma compilação, foi também observado que outro tipo de meteoritos chamados howarditos-eucritos-diogenitos (HED; meteoritos acondríticos que forma um conjunto de rochas vulcânicas e plutónicas formadas a partir de um magma basáltico, têm a mesma composição de isótopos de oxigénio) mostram um pico de idade semelhante. Esta semelhança indica que houve um bombardeamento do corpo original, contemporâneo aquele que ocorreu na Lua e interior do sistema solar. Noutro estudo apresentado por Dalrymple e Ryder (1993 e 1996) em amostras das missões Apollo 15 e 17 foi demonstrado que as idades de formação das bacias Imbrium e Serenitatis são ~3.87 Ga e ~3.89 Ga, respectivamente. Num estudo do meteorito marciano Allan Hills 84001 (ALH84001), Ash et al. (1986) obtiveram a idade de um choque-pesado de 3.9-4.1 Ga, o qual coincide com o período tardio de elevado bombardeamento, como aquele sugerido para a Lua.


Declínio do bombardeamento de ~4.6 a ~3.9 Ga

A explicação oposta para a elevada frequência de idades a ~3.9 Ga observada nas amostras de Apollo e Luna é a sugestão de que o bombardeamento da superfície lunar teve um forte, e rápido fim (Wetherill, 1981). Esta explicação, tem no entanto alguns problemas que fazem com que seja a menos seguida: se o declínio do bombardeamento da Lua fosse o caso, era de se esperar o se encontrar um maior número de amostras (em especial vidros cristalinos de impacto) com idades >3.9 Ga. Num estudo de Ryder (1990) foi demonstrado que não havia idades de vidros cristalinos de impacto superiores a ~3.92 Ga. Mais recentemente, Culler et al. (2000) obtiveram dados que indicam que nos últimos 3.0 Ga, numa maneira geral, o fluxo de craterização tem vindo a diminuir, mas não a um ritmo constante. Esta observação sugere que os eventos de bombardeamento na história da Lua (e interior do sistema Solar) são esporádicos e não seguem um decair exponencial bem definido.