Superfície

Diferentes tipos de superfícies em Mercúrio. Existem quatro grandes tipos de terrenos: regiões com muitas crateras (a), planícies entre crateras (b), zonas de planícies "lisas" (c) e zonas de cadeias montanhosas (d). Também se podem observar falhas tectónicas (e), anéis montanhosos (f) e sistemas de raios (g). No interior das crateras junto aos pólos acredita-se que pode haver água no estado sólido (h). Crédito: NASA.
A superfície de Mercúrio pode dividir-se em quatro grandes tipos de terrenos: regiões com muitas crateras, planícies entre crateras, zonas de planícies "lisas" (sem grandes irregularidades) e zonas de cadeias montanhosas bem delineadas. Outros tipos de terrenos de menor importância estão também presentes tais como os resultantes de grandes impactos, no qual se destaca a Caloris Basin. As regiões com muitas crateras são as zonas mais antigas do planeta. Correspondem aos primórdios da formação do Sistema Solar, quando os planetas eram bombardeados por grandes meteoritos. O final deste período ocorreu há cerca de 3,8 mil milhões de anos. Um dado curioso é que se compararmos este tipo de terrenos com o equivalente existente na Lua, constatamos que o número de crateras de pequenas dimensões é bastante inferior em Mercúrio. Julga-se que esta diferença resulta do facto de se terem formado planícies entre as crateras de maiores dimensões, planícies estas que encobriram as crateras anteriormente existentes. Ao contrário dos mares da Lua, estas planícies ter-se-iam formado no final do grande bombardeamento. Os grandes impactos deviam fracturar a crusta dando origem a vulcões cuja lava cobriu as regiões circundantes, apagando assim os traços das crateras de menor dimensão.

As crateras de impacto recentes exibem uma morfologia idêntica às dos outros planetas terrestres. As mais pequenas têm a forma de uma semi-esfera, mas à medida que o seu tamanho aumenta começam a desenvolver um pico central, terreno interior achatado (em vez de esférico) e paredes complexas. A transição entre os dois tipos de crateras dá-se para diâmetros superiores a dez quilómetros. Para as crateras com diâmetros compreendidos entre 130 e 310 km observa-se uma espécie de anel montanhoso concêntrico e para as crateras superiores a 300 km podem mesmo observar-se vários anéis. Para as crateras mais recentes de todas observam-se ainda um extenso sistema de raios, alguns dos quais se estendem por mais de 1000 km. Entre todas as crateras detectadas pela Mariner 10, há uma que se destaca das demais, denominada de Caloris Basin, cujo diâmetro é cerca de 1300 km. No interior da bacia formada por esta cratera encontram-se cadeias montanhosas e vales separados por intervalos regulares e dispostos em círculo em torno do centro da cratera. Esta estrutura foi possivelmente causada por tensões e compressões posteriores ao impacto. Diametralmente oposto à Caloris Basin (no seu antípoda), encontramos um terreno extremamente montanhoso e fora do vulgar que deforma completamente o terreno preexistente. Estudos feitos sobre a idade do terreno apontam para que esta seja idêntica à da formação da Caloris Basin. Este terreno seria assim o resultado das ondas sísmicas produzidas pelo impacto que originou a Caloris Basin, uma vez que o foco destas ondas se encontra justamente no ponto antípoda ao do impacto.

As zonas de planícies "lisas" estão essencialmente associadas com as bacias resultantes do impacto de grandes meteoritos. A maior ocorrência deste tipo encontra-se no interior e em volta da Caloris Basin e também numa extensa área circular no pólo norte do planeta (possivelmente resultante de uma antiga bacia com 1500 km de diâmetro). Estas planícies formaram-se já após o fim do grande bombardeamento de meteoritos. Têm a mesma morfologia dos mares lunares e formaram-se de forma idêntica: resultam de grandes e contínuas correntes de lava.

Como foi referido anteriormente, apenas se conhece cerca de metade da superfície de Mercúrio. Imagens de radar feitas a partir da Terra posteriormente à visita da Mariner 10 detectaram na parte desconhecida três grandes anomalias. Uma delas tem uma assinatura idêntica à imagem de radar de uma cratera mais recente e outra não se parece com nada observado até hoje no Sistema Solar. A terceira anomalia assemelha-se às imagens de radar feitas dos vulcões de Vénus e de Marte. Se assim for, então estaremos na presença de um vulcão de dimensões idênticas ao do Mons Olympus em Marte, o maior vulcão conhecido, com cerca de 25 km de altura a partir da base. Esta observação põe em causa toda a história evolutiva de Mercúrio, que poderá ser radicalmente diferente daquilo que se julga hoje. Mais uma vez as missões Bepi-Colombo (ESA/Japão) e Messenger (NASA) terão um papel importante na compreensão de Mercúrio, uma vez que nos darão imagens de grande resolução tanto da zona já conhecida como de toda a parte oculta.


Geologia e Composição

Sabe-se que Mercúrio possuiu no passado alguma actividade tectónica, pois é possível observar algumas falhas e escarpas. O comprimento varia entre 20 e 500 km e a altura entre algumas centenas de metros e três quilómetros. A distribuição é aleatória e cobre todo o planeta, pelo menos na parte da qual se tem imagens. Isto sugere que Mercúrio esteve sujeito a grandes forças de compressão no passado. Um grande exemplo são as fracturas associadas com a Caloris Basin e o ponto no seu antípoda, ambos consequências directas e indirectas da compressão resultante de um impacto de enormes dimensões. Uma teoria para a formação das falhas observadas por todo o lado diz que elas são o resultado de uma diminuição do tamanho do planeta devido ao seu arrefecimento global. A diminuição do raio devido a este efeito terá sido de cerca de dois quilómetros.

Sabe-se muito pouco acerca dos materiais que compõem a superfície de Mercúrio. A partir das imagens da Mariner 10 conseguiu detectar-se a presença de FeO em todas as regiões do planeta. Isto indica que talvez a superfície de Mercúrio seja mais homogénea que a da Lua. Parece no entanto que as planícies "lisas" serão menos ricas em ferro e materiais alcalinos. Medições espectroscópicas feitas a partir da Terra sugerem também que a superfície é bastante mais pobre em titânio e ferro que a Lua. Estas observações são consistentes com a baixa reflectividade da superfície na banda dos UVs, podendo ser interpretado que Mercúrio tem um grande défice de basaltos.


Conclusão

Como foi possível constatar, o nosso conhecimento sobre Mercúrio é ainda escasso e bastante incompleto, especialmente no que diz respeito à sua composição. Devido a ser um planeta de reduzidas dimensões e se parecer à primeira vista com a maioria dos satélites do Sistema Solar, durante muito tempo não despertou grande interesse para a comunidade científica. Após a visita da sonda Galileu ao sistema de Júpiter começou-se a compreender que cada corpo celeste encerra em si uma grande variedade que o diferencia dos demais. Além disso, com a descoberta de planetas extra-solares, sobretudo em regiões próximas da estrela, novas questões se colocam sobre a formação dos sistemas planetários, aumentando a necessidade de compreender Mercúrio. Quase 35 anos depois da primeira e única visita de um engenho espacial, este planeta receberá assim uma nova dupla visita que nos permitirá saber mais em poucos dias que todo o conhecimento adquirido até hoje. Até lá, resta-nos esperar e cruzar os dedos para que tudo corra pelo melhor!