Interior e superfície

Graças à bruma espessa que cobre o globo e às propriedades da sua atmosfera, a superfície de Titã é ainda uma das mais desconhecidas do Sistema Solar. O que não significa que pouco haja a dizer sobre ela; pelo contrário. Mas estejamos prevenidos, pois muito do que se disser pode, por vezes, não sair do campo da especulação! Feita esta ressalva, vejamos então o que pensam saber os cientistas sobre o interior e a superfície de Titã.

Já vimos no capítulo sobre a formação como a experiência de rádio-ocultação da sonda Voyager 1 nos deu informação sobre a composição atmosférica. Duas outras informações importantes que nos deu foram as verdadeiras dimensões do globo e a sua densidade. Até à visita da Voyager o raio exacto de Titã era desconhecido, dado que a atmosfera não permite ver a superfície. O que a observação telescópica directa nos dá é o raio da atmosfera. Mas medindo o intervalo de tempo que a sonda ficou oculta e conhecendo a sua velocidade foi possível determinar o raio da superfície sólida, que é de 2575 km. Por outro lado a densidade do globo é também importante, dado que nos permite dizer algo sobre o seu interior. Ora a densidade é a massa a dividir pelo volume; então, como já sabemos o raio, resta conhecer a massa.

A massa do satélite de um planeta pode obter-se do conhecimento da sua órbita. Infelizmente, para corpos longínquos muitas vezes as observações não têm precisão suficiente para medir as distâncias percorridas no decurso de uma órbita, e por isso este método dá resultados pouco exactos. Mas podem fazer-se medidas muito mais exactas da massa quando uma sonda passa na vizinhança do satélite, pois o sinal de rádio emitido pela sonda é muito sensível à atracção gravitacional. Quando a sonda sofre esta atracção, isso provoca um desvio da frequência do sinal de rádio, chamado desvio Döppler. No caso de Titã este efeito permitiu obter uma massa de 1345x1020 kg, com uma precisão sem precedentes. Assim pôde calcular-se a densidade do globo, que é de 1800 kg por metro cúbico.

Mas o que nos diz este valor sobre o interior de Titã? Sabemos que a densidade da água é de 1000 kg/m3. Por outro lado, a Terra e os restantes planetas telúricos, que são compostos essencialmente por silicatos (rocha), têm densidades típicas de 5000 kg/m3, o que reflecte o seu núcleo de ferro e a compressão do seu interior sob o seu próprio peso. Entretanto, as luas geladas de Júpiter, Calisto e Ganímedes, têm densidades também próximas de 1800 kg/m3, o que faz delas primas não muito afastadas de Titã. Tudo isto leva a crer que Titã é composto por uma mistura de gelo e rocha, em que o gelo contribui com mais de 50% da massa. Por isso é frequente designar-se estas luas dos planetas gigantes por luas geladas.

Será possível saber como está distribuída a mistura de rocha e gelo no interior das luas geladas? Por estranho que pareça, podemos estabelecer uma analogia entre os interiores dos planetas e o comportamento dos líquidos. Dois líquidos de densidades diferentes, como a água e o óleo, não se misturam, ficando o mais denso (a água) no fundo. Analogamente, durante a formação dos planetas os elementos mais pesados lentamente "migram" para o centro (o fundo é aqui o centro de gravidade do planeta), ficando os mais leves à superfície. Assim, camada após camada, encontramos no centro da Terra primeiro um núcleo de ferro, que está envolto num "manto" de rocha derretida, com uma "crosta" sólida, a qual por sua vez está coberta pelos oceanos e pela atmosfera.

Pelos mesmos motivos Titã deve possuir um núcleo rochoso, envolto numa ou em várias camadas de gelo. Já vimos que durante o processo de formação de Saturno e das suas luas foi a agregação e o impacto de muitos planetesimais que deu origem a Titã. Os planetesimais eram compostos por gelo e silicatos. As temperaturas elevadas que se devem ter gerado nos impactos levaram à fusão parcial dos gelos e à consequente migração da rocha, mais pesada, para o centro. O posterior arrefecimento do globo terá feito novamente solidificar o gelo.

Mas esta visão simplificada esconde aspectos interessantes. Por exemplo, às altas pressões que são atingidas no interior das luas geladas, como Titã, as propriedades do gelo variam muito. Conforme a temperatura e a pressão os cristais de gelo podem tomar pelo menos 15 formas diferentes. Isto significa que, embora a molécula de água seja sempre a mesma, as moléculas podem formar diferentes arranjos no cristal de gelo. No interior do globo a pressão diminui do centro para a superfície, à medida que diminui a quantidade de matéria sobreposta. Estas variações fazem com que haja diferentes tipos de gelo no interior dos satélites gelados de Júpiter e Saturno.

Uma visão global de Titã. O ciclo do carbono desenrola-se entre a atmosfera, a superfície e abaixo da superfície. As reacções químicas na alta atmosfera produzem moléculas orgânicas que formam a bruma alaranjada que cobre o globo.
Embora o gelo à superfície de Titã seja provavelmente gelo vulgar (chamado gelo Ih), a maiores profundidades ele pode conter moléculas como a amónia ou o metano. Além disso, conforme as condições, estes compostos por si só podem também formar gelos. A presença de amónia, em particular, pode alterar o ponto de fusão do gelo no interior de Titã algumas dezenas de quilometros abaixo da superfície. Assim, dependendo da sua concentração, poderá existir uma camada líquida de água e amónia no interior de Titã (gelo é água), à semelhança do manto de rocha derretida que circula no interior da Terra. Um tal oceano profundo, se existir, só terá paralelo em Europa, uma das luas de Júpiter. Tal como no nosso planeta o magma proveniente do manto emerge através dos vulcões, nas luas geladas pode ser a água a ter o papel principal numa espécie de "vulcanismo frio", chamado crio-vulcanismo.

Como vimos no capítulo sobre a formação da atmosfera de Titã, ficou por explicar o porquê da existência de metano (CH4) na atmosfera. Sabe-se que, mesmo à grande distância a que Saturno e Titã se encontram do Sol, tanto a amónia como o metano são facilmente destruídos pela luz ultravioleta do astro-rei. Porém, apesar disso, o metano ainda contribui com pelo menos 5% da massa da atmosfera. A fuga do hidrogénio para o espaço leva a que a fotólise do CH4 seja um processo irreversível; por isso, tendo em conta a actual taxa de fotólise, todo o metano existente na atmosfera de Titã desapareceria num intervalo de 1 a 10 milhões de anos. Dada a idade do Sistema Solar de 5000 milhões de anos, já todo o metano se deveria ter esgotado!

A explicação mais provável para o CH4 presente na atmosfera é a existência de um reservatório à superfície. À temperatura e pressão da superfície, -180 graus C e 1.5 bar, o metano é um líquido, assim como o azoto e o etano (o etano é o principal gás que resulta da fotólise do metano). À taxa de fotólise actual ter-se-iam formado etano e outros hidrocarbonetos em quantidade suficiente para cobrir Titã de uma camada líquida de várias centenas de metros de profundidade. Por isso, durante vários anos pensou-se que poderia haver um oceano ou grandes lagos formados por metano líquido e outros compostos à superfície de Titã. Dado que o acetileno à temperatura da superfície é sólido e é menos denso que o metano, poderia mesmo haver blocos deste composto flutuando, como icebergues, ao sabor das marés!

Em Titã o metano desempenha um papel semelhante ao da água no nosso planeta, pois as variações da temperatura e pressão com a altitude levam a que ele possa evaporar e condensar. A sua evaporação a partir de um reservatório na superfície poderia restabelecer o metano atmosférico que é perdido por fotólise, e por sua vez o metano atmosférico poderia formar nuvens e chover sobre a superfície.

Na Terra as nuvens formam-se devido à condensação do vapor de água nas regiões de baixa temperatura da atmosfera. A condensação, contudo, requer pequenas partículas, chamadas núcleos de condensação, que atraem as moléculas de água e facilitam o nascimento das gotículas. As partículas de poeira e de sal marinho que flutuam na nossa atmosfera são núcleos de condensação muito importantes. Na atmosfera de Titã não existem núcleos de condensação, por isso pensa-se que a "humidade" de metano pode atingir mais de 100%. Fala-se então de "super-saturação" do metano.

Possa ou não chover metano em Titã, as observações, contudo, vieram desmentir a hipótese do oceano ou de grandes massas líquidas à superfície. Uma das técnicas utilizadas foi o radar (com a particularidade de Titã deter o recorde de ter sido o mais distante objecto observado por radar). O método consiste em enviar uma onda de rádio que, após reflectida pelo alvo, é novamente recebida na Terra. O sinal rádio dá informação sobre a superfície reflectora. Um oceano de metano à superfície de Titã reflectiria apenas 10% do sinal recebido. Os resultados, porém, indicam bastante mais, e sugerem uma superfície formada por gelo, pois a reflectividade é semelhante à das luas geladas de Júpiter ou das calotes polares de Marte.

Mesmo que não haja um oceano nem grandes lagos de metano e etano à superfície de Titã, mesmo assim estes líquidos podem infiltrar-se por fendas do gelo e formar reservatórios profundos, da mesma maneira que na Terra a água das chuvas forma lençóis subterrâneos.


A exploração de Titã

Uma visão artística da descida da sonda Huygens sobre Titã (imagem ESA).
Desde a sua descoberta por Huygens, no século XVII, até 1980, quando foi visitado pelas sondas Voyager, o nosso conhecimento de Titã pouco aumentou. Quase tudo o que sabemos hoje foi descoberto nos últimos vinte anos, em parte graças à missão Voyager, da NASA. As sondas gémeas Voyager 1 e 2 foram lançadas em 1977 com o objectivo de explorar os planetas gigantes do Sistema Solar - Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno - assim como os seus sistemas de satélites e anéis, e os seus poderosos campos magnéticos. Para poder explorar Titã a Voyager 1 teve de ser desviada da sua trajectória inicial, que a teria levado até Úrano. A nova trajectória foi planeada para que a sonda fizesse um sobrevoo próximo da lua gigante de Saturno e assim pudesse colher valiosos dados científicos. Infelizmente a nova trajectória desviou a sonda inexoravelmente para fora do plano do Sistema Solar, deixando à Voyager 2 a tarefa de exploração de Úrano e Neptuno. Actualmente a Voyager 1 ainda está activa e, a 12000 milhões de km de distância, é o mais longínquo objecto fabricado por mãos humanas. Dentro de alguns anos ela deverá atravessar a região conhecida por heliopausa, que delimita a fronteira entre o Sistema Solar e o espaço interestelar, tornando-se verdadeiramente o primeiro objecto a deixar o Sistema Solar em direcção às estrelas.

Os dados colhidos pela Voyager 1 responderam a muitas perguntas, mas levaram a muitas mais. Isso levou a que cada vez mais cientistas se interessassem pela exploração de Titã, particularmente da sua atmosfera e superfície. Mas esperava-os uma tarefa difícil. Por estar muito distante, Titã recebe pouca luz do Sol. Desta, só 10% penetram através da densa atmosfera até à superfície, e da restante uma parte é absorvida pela atmosfera e outra parte é reflectida para o espaço. Assim, pouca luz é reflectida que os telescópios possam captar, e muito pouca desta luz provém da superfície. A juntar a estas dificuldades estão as propriedades ópticas da atmosfera, pois se a bruma atmosférica é muito opaca nos comprimentos de onda de luz visível, já o metano absorve fortemente no infravermelho.

Foi por estes motivos que, além das observações por radar de que já falámos, a maior parte das observações de Titã foram feitas em comprimentos de onda da zona infravermelha do espectro. Aqui existe uma pequena gama de comprimento de onda em que a luz reflectida pela superfície consegue passar pela atmosfera sem ser absorvida.

O Telescópio Espacial Hubble foi um dos mais importantes na exploração de Titã. Graças a ele descobriu-se que a superfície não é homogénea, pois contém grandes zonas que são mais brilhantes que o resto do globo. Embora não saibamos a sua altitude, pensa-se que estas zonas podem ser continentes elevando-se acima do nível médio do relevo de Titã.

Dentro de 2 anos chegará a Saturno e Titã uma nova missão de exploração, baptizada Cassini-Huygens em honra de Jean-Dominique Cassini e Christiaan Huygens (Cassini foi astrónomo em Paris ao tempo de Luís XIV, e o descobridor de quatro luas de Saturno). A missão consiste em dois módulos: o orbitador Cassini, que ficará em órbita de Saturno durante 4 anos, e a sonda de entrada Huygens que será lançada sobre Titã para estudar a sua atmosfera e superfície.