A descoberta

Christiaan Huygens (1629-1695)
Titã foi descoberto em 1655 pelo astrónomo holandês Christiaan Huygens. Huygens era um daqueles exemplos de sábio renascentista cujo conhecimento abarcava diferentes áreas do saber, e sempre com a mesma mestria. Huygens era um humanista distinto: além de matemático, físico e astrónomo, havia desenvolvido a arte do fabrico de lentes ao ponto de as suas lunetas se contarem entre as melhores da época. Foi com um desses instrumentos que, encontrando-se a observar os anéis de Saturno no Verão de 1655, deu com um ponto luminoso que se deslocava em torno do planeta. Huygens conseguiu determinar o período da órbita e, alguns meses depois, comunicava numa carta a um colega a descoberta de "uma lua circulando Saturno em 16 dias". Um aspecto curioso da descoberta é que Huygens não pareceu dar-lhe muita importância, ou quis mantê-la em segredo. Em vez de anunciar claramente o seu feito, fê-lo através de um anagrama no fim da carta (um anagrama é uma frase em que as letras estão trocadas, formando uma frase sem sentido), um enigma que o seu correspondente deveria decifrar. O brutal processo movido pela Inquisição contra Galileu pode ter sido o motivo para que Huygens desejasse manter a sua descoberta em segredo.

Sir John Herschel (1792-1871). Filho do ainda mais famoso astrónomo Sir William Herschel, John era também matemático, físico e botânico.
Mas este não é o único aspecto curioso. Huygens, muito influenciado pelos antigos filósofos pitagóricos, acreditava numa espécie de mística dos números. Ao ponto de afirmar que, dado que com a sua descoberta o número de corpos celestes ascendia a 12, um número que era considerado perfeito, já nada mais havia a descobrir no céu. Como ele se enganou! Com o passar dos anos, outros astrónomos descobriram mais luas de Saturno, às quais iam atribuindo números romanos, segundo o costume da época. Ora Saturno é de todos os planetas o que possui mais luas (actualmente conhecem-se 18, mais 12 recentemente descobertos e ainda não confirmados). Assim os astrónomos não tardaram a cansar-se da numeração romana, que era uma fonte de confusões frequentes.

Foi o inglês John Herschel que propôs atribuir nomes mitológicos às luas de Saturno. Para a maior escolheu o nome Titã, inspirado pela história da criação dos deuses contada pelo poeta grego Hesíodo, Teogonia. Às restantes deu os nomes dos Titãs irmãos e irmãs de Saturno. Segundo a mitologia grega os Titãs foram os primeiros deuses, os filhos do céu (Úrano) e da Terra (Gaia). Incitado por Gaia, Saturno destronou Úrano, tornando-se rei. Os deuses do Olimpo eram filhos de Saturno e Rea. Chefiados por Júpiter, por sua vez, destronaram Saturno.


Uma lua com atmosfera

Titã visto pela sonda Voyager 1, em 1981. A sua cor avermelhada deve-se à existência de partículas em suspensão na atmosfera, chamadas aerossóis. Os aerossóis formam uma bruma que impede a observação directa da superfície. Crédito: NASA.
Titã é um dos objectos mais interessantes do Sistema Solar, pois não se enquadra exactamente nas categorias estabelecidas. Essas categorias são de várias ordens. Por exemplo, no Sistema Solar existem essencialmente dois tipos de planetas: os planetas do tipo da Terra, chamados telúricos, e os do tipo de Júpiter, chamados jovianos. Os planetas telúricos são formados principalmente por silicatos (rocha), enquanto que os planetas jovianos são gigantes gasosos, constituídos quase totalmente por hidrogénio.

Entre as órbitas de Marte e Júpiter existe uma zona, chamada Cintura de Asteróides, que marca uma outra fronteira: a do Sistema Solar interior e exterior. Todos os planetas dos Sistema Solar interior, entre o Sol e a Cintura de Asteróides, são telúricos, e todos os restantes, à excepção de Plutão, são jovianos (Plutão é um caso especial, pois já muito poucos astrónomos o consideram um planeta).

Por outro lado, quase todos os planetas telúricos possuem atmosferas - Mercúrio é o único que não tem uma - e quase todas as luas dos planetas do Sistema Solar são desprovidas de atmosferas, pois não são suficientemente grandes.

Titã é uma excepção em vários aspectos. É uma lua, mas possui uma atmosfera. Não é um planeta telúrico, mas possui uma atmosfera. É pequeno se comparado com os planetas telúricos, mas mesmo assim tem uma atmosfera. Vénus, Terra, Marte e Titã. São estes os únicos quatro objectos do Sistema Solar que... têm atmosferas.

Titã tem um raio de 2575 km, e é por isso muito menor que os outros três. Não é constituído só por silicatos, mas sim por uma mistura de gelo e silicatos em iguais proporções, sendo por isso menos denso que Vénus, a Terra e Marte. Mas a sua atmosfera, formada principalmente por azoto e metano, é muito semelhante à da Terra primitiva. Há 4000 milhões de anos não existia oxigénio na Terra.

A nossa atmosfera é uma fina camada de gás que se mantém ligada à Terra pela força da gravidade. Vista do espaço, parece uma pele fina, translúcida e azulada contra o fundo negro do cosmos. Mas as suas camadas mais altas, a 100 km de altitude, encontram-se num delicado equilíbrio. Aquecidas pelo Sol, as moléculas dos gases leves, como o hidrogénio, aumentam a sua velocidade. Quando ultrapassam os 11.2 metros por segundo escapam da atmosfera para o espaço como pequenas balas, enquanto que os gases mais pesados, como o azoto, o oxigénio ou o ozono, são retidos pela força da gravidade. A velocidade de 11.2 metros por segundo, a partir da qual é possível a qualquer objecto vencer a gravidade terrestre, é chamada velocidade de escape.

Se a Terra, com os mesmos 6654 km de raio, fosse menos densa, a força da gravidade seria menor. Nesse caso, a atmosfera expandir-se-ia devido à sua própria pressão, e o topo da atmosfera ficaria muito mais distante da superfície. É por esta razão que o topo da atmosfera de Titã, a 800 km de altitude, está muito distante da superfície. Sendo menos denso e mais pequeno que a Terra, e portanto muito mais leve, Titã apenas consegue manter a sua atmosfera por se encontrar bem distante do Sol.


Comparação de Titã (em baixo à direita) com os planetas telúricos, com as luas de Júpiter e com a nossa Lua. Crédito: NASA.