NuSTAR capta os possíveis gritos de estrelas zombie

2015-05-01

O NuSTAR capturou raios-X de alta energia (magenta) no agitado centro da Via Láctea. Crédito: NASA/JPL-Caltech.
Investigando o coração da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, o NuSTAR (Nuclear Spectroscopic Telescope Array), da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, detectou um brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
misterioso de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
de alta energia que, segundo os cientistas, podem ser os "gritos" de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
mortas à medida que se alimentam de companheiros estelares.

"Com as imagens do NuSTAR, podemos ver uma componente completamente nova do centro de nossa Galáxia", disse Kerstin Perez, da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, principal autora do artigo sobre as descobertas, publicado na revista Nature. "Ainda não podemos explicar o sinal de raios-X de forma definitiva - é um mistério. Mais trabalho precisa de ser feito."

O centro da Via Láctea está repleto de estrelas jovens e velhas, de buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
mais pequenos e de outras variedades de corpos estelares - tudo isto em torno do gigantesco buraco negro central: Sagitário A *.

O NuSTAR, lançado para o espaço em 2012, é o primeiro telescópio capaz de capturar imagens nítidas da região frenética em raios-X de alta energia. As novas imagens mostram uma região em torno do buraco negro central de enorme massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
, com cerca de 40 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de diâmetro. Os astrónomos ficaram surpreendidos com as imagens, que revelam uma névoa inesperada de raios-X de alta energia dominando a actividade estelar habitual.

"Quase tudo o que pode emitir raios-X está no centro da Galáxia", disse Perez. "A área está repleta de fontes de raios-X de baixa energia, mas a emissão é muito fraca em energias que o NuSTAR observa. Assim sendo, o novo sinal evidencia-se."

Os astrónomos têm quatro teorias possíveis para explicar o surpreendente brilho de raios-X, três das quais envolvem diferentes classes de corpos estelares. Quando as estrelas morrem, nem sempre o fazem de forma tranquila. Ao contrário do que acontece a estrelas como o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, as estrelas densas, em colapso, que fazem parte de pares estelares, ou binários, ao morrerem, podem sugar a matéria da sua estrela companheira. Este mecanismo zombie de "alimentação" varia consoante a natureza da estrela companheira, mas o resultado pode ser uma erupção de raios-X.

De acordo com uma das teorias explicativas, pode tratar-se de um tipo de zombie estelar chamado pulsar. Os pulsares são os restos de estrelas que entraram em colapso e explodiram como supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. São tão densos que podem girar extremamente depressa e enviar feixes intensos de radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
. À medida que os pulsares giram, os feixes varrem o céu, interceptando, por vezes, a Terra como luzes de um farol.

"Podemos estar a testemunhar os sinais de uma população, até agora escondida, de pulsares no centro da Galáxia," disse Fiona Harrison, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena, investigadora principal do NuSTAR. "Isto significa que deve haver algo especial no ambiente do centro da Galáxia."

Outras explicações possíveis incluem as anãs brancas
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
, que são os restos colapsados e ardidos de estrelas cuja massa não era suficiente para explodirem como supernovas. O Sol é uma dessas estrela, e está destinado a tornar-se numa anã branca, dentro de aproximadamente cinco mil milhões de anos. Como estas anãs brancas são muito mais densas do que as estrelas jovens que lhes deram origem, têm maior gravidade e podem produzir mais raios-X de alta energia do que o normal.

Outra teoria aponta para pequenos buracos negros, que se alimentam lentamente das suas estrelas companheiras, irradiando raios-X, à medida que o material vai caindo sobre eles.

Em alternativa, a fonte de raios-X de alta energia pode nem ter a ver com os corpos estelares referidos atrás, mas sim dever-se a uma névoa difusa de partículas carregadas, a que damos o nome de raios cósmicos. Os raios cósmicos podem ter origem no buraco negro central da Galáxia, à medida que este devora material. Quando os raios cósmicos interagem com o gás denso circundante, emitem raios-X.

Seja como for, nenhuma destas teorias bate certo com o que se sabe de pesquisas anteriores, o que deixa os astrónomos perplexos.

"Este novo resultado recorda-nos que o centro da Galáxia é um lugar estranho," disse o co-autor Chuck Hailey, da Universidade de Columbia. "Tal como as pessoas se comportam de modo diferente quando andam livremente pela rua ou quando andam no metro em hora de ponta, os objectos estelares revelam um comportamento estranho quando amontoados em pouco espaço perto do buraco negro de grande massa."

A equipa tem planeadas mais observações. Até lá, os teóricos irão estar ocupados a explorar os cenários propostos ou a construir novos modelos que expliquem o que poderá estar a emitir o intrigante brilho de raios-X de alta energia.

"Sempre que construímos pequenos telescópios como o NuSTAR, que melhoram a nossa visão do cosmos
Cosmos
O conjunto de tudo quanto existiu, existe e alguma vez existirá. A larga escala, o Universo parece ser isotrópico e homogéneo.
numa determinada banda de comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
, podemos esperar surpresas como esta", disse Paul Hertz, director da divisão de astrofísica na sede da NASA, em Washington.

Fonte da notícia: http://www.jpl.nasa.gov/news/news.php?feature=4569