Hubble e Chandra descobrem que a matéria escura interage entre si menos do que se pensava

2015-03-27

Imagens de seis enxames de galáxias diferentes, tiradas pelo Telescópio Espacial Hubble (azul) e pelo Chandra (rosa), num estudo de como a matéria escura se comporta quando os enxames de galáxias colidem. Foram estudadas um total de 72 colisões de grandes de enxames. Crédito: NASA and ESA.
Através de observações realizadas pelo Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
e pelo Observatório de Raios-X Chandra
Chandra X-ray Observatory
O observatório de raios-X Chandra, lançado em 1999, faz parte do projecto dos Grandes Observatórios Espaciais da NASA. O seu nome homenageia Subrahmanyan Chandrasekhar, Prémio Nobel da Física em 1983. O Chandra detecta fontes de raios-X a milhares de milhões de anos-luz de nós. Observar em raios-X é a única forma de observar matéria muito quente, a milhões de graus Célsius. O Chandra detecta raios-X de regiões de alta energia, como por exemplo remanescentes de supernovas.
, os astrónomos descobriram que a matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
não abranda quando colide com outra matéria escura. Isto significa que interage menos entre si do que se pensava. Os investigadores dizem que esta descoberta reduz o quadro de opções do que esta substância misteriosa pode ser.

A matéria escura é uma forma invisível de matéria que constitui a maior parte da massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
do Universo. Como a matéria escura não reflecte, absorve ou emite luz só pode ser detectada indirectamente, por exemplo, medindo a deformação do espaço que ela provoca através de uma lente gravitacional
efeito de lente gravitacional
O efeito de lente gravitacional consiste na deflexão da luz provocada pelo campo gravitacional muito forte de um objecto que se encontra entre o observador e a fonte de luz. Por exemplo, uma galáxia, ou um enxame de galáxias, que se encontre entre nós e um objecto astronómico muito distante, como um quasar, pode actuar como uma lente gravitacional. Tipicamente, o efeito de lente gravitacional faz com que se observe, numa única fotografia, mais do que uma imagem do mesmo objecto.
, onde a luz de fontes distantes é ampliada e distorcida pelos efeitos gravitacionais da matéria escura.

Para conhecerem melhor a matéria escura e poderem testar teorias, os investigadores estudam-na de uma forma semelhante à das experiências com a matéria visível - observando o que acontece quando ela colide com outros objectos. Neste caso, os dois observatórios espaciais foram usados para estudar o comportamento da matéria escura em enxames de galáxias
enxame de galáxias
Um enxame, ou aglomerado, de galáxias é um conjunto de galáxias gravitacionalmente ligadas. A Via Láctea pertence ao aglomerado chamado Grupo Local de galáxias. O enxame de galáxias mais próximo de nós é o Enxame da Virgem.
quando estes colidem. O Hubble foi usado para mapear a distribuição das estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
e da matéria escura depois da colisão, através dos efeitos de lentes gravitacionais provocados na luz de fundo. O Chandra foi usado para detectar a emissão de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
das nuvens de gás em colisão. Os resultados estão publicados na edição de 27 de Março da revista Science.

"A matéria escura é um enigma que há muito procuramos desvendar", disse John Grunsfeld, administrador assistente do Science Mission Directorate da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, em Washington. "Combinando os recursos destes dois grandes observatórios, ambos em missões de prolongamento, estamos cada vez mais perto de compreender este fenómeno cósmico."

Os enxames de galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
são compostos por três ingredientes principais: galáxias, nuvens de gás e matéria escura. Durante as colisões, as nuvens de gás que envolvem as galáxias chocam umas com as outras e abrandam ou param. As galáxias são muito menos afectadas pelo arrastar do gás, e porque há enormes espaços vazios entre as estrelas nelas contidas, não provocam o abrandamento umas das outras.

"Sabemos como gás e as galáxias reagem a estes acidentes cósmicos e onde emergem dos destroços. A comparação deste comportamento com o da matéria escura pode ajudar-nos a compreendê-la melhor", explicou David Harvey, da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, na Suíça, principal autor do novo estudo.

Harvey e sua equipa usaram dados do Hubble e do Chandra para estudarem 72 colisões de grandes enxames. As colisões aconteceram em momentos diferentes e foram observadas de ângulos diferentes - algumas de perfil e outras de frente.

A equipa descobriu que, tal como acontece com as galáxias, a matéria escura seguiu em linha recta através das colisões violentas sem abrandar demasiado. Isto significa que a matéria escura não interage com partículas visíveis e passa por outra matéria escura interagindo muito menos do que anteriormente se pensava. Se a matéria escura tivesse abrandado, a distribuição das galáxias e da matéria escura teria sido alterada.

“Um estudo prévio tinha observado um comportamento semelhante no enxame Bullet", disse Richard Massey, membro da equipa, da Universidade de Durham, Reino Unido. "Mas é difícil interpretar o que se está a ver se apenas se tiver um exemplo como referência. Cada colisão dura centenas de milhões de anos, por isso, na nossa vida humana só conseguimos ver uma imagem congelada de um único ângulo da câmara. Agora, que já estudámos tantas outras colisões, podemos começar a montar o filme completo para podermos entender melhor o que está a acontecer."

Com esta descoberta, a equipa reduziu com sucesso o conjunto das propriedades da matéria escura. Os teóricos da física de partículas podem agora desenvolver os seus modelos com menos incógnitas.

"É difícil saber até que ponto esperamos que a matéria escura interaja consigo própria, porque a matéria escura já vai contra tudo aquilo que conhecemos", disse Harvey. "Sabemos de observações anteriores que deve interagir muito pouco."

A matéria escura pode ter propriedades ricas e complexas, e ainda há vários outros tipos de interacções a estudar. Estes últimos resultados descartam as interacções que criam uma força de atrito forte, fazendo com que a matéria escura abrande durante as colisões.

A equipa também vai estudar outras interacções possíveis, tais como partículas de matéria escura comportando-se como bolas de bilhar, fazendo com que sejam ejectadas das nuvens por colisões, ou fazendo com que bolhas de matéria escura mudem de forma. Para aumentar ainda mais o número de colisões que podem ser estudadas, a equipa está também a pensar em estudar colisões envolvendo galáxias individuais, que são muito mais comuns.

"Ainda há muitos candidatos viáveis para a matéria escura, por isso, o jogo ainda não acabou. Mas estamos a aproximar-nos de uma resposta", disse Harvey. "Estes aceleradores de partículas astronomicamente grandes estão finalmente a dar-nos um vislumbre do mundo escuro que nos rodeia mas que está fora do nosso alcance."

Fontes da notícia: http://www.nasa.gov/press/2015/march/nasa-s-hubble-chandra-find-clues-that-may-help-identify-dark-matter/
e
http://hubblesite.org/newscenter/archive/releases/2015/10/full/