Detecção de ondas gravitacionais primordiais permanece sem confirmação

2015-02-02

Esta imagem mostra uma região do céu do sul e tem por base observações realizadas pelo satélite Planck em comprimentos de onda de microondas e submilimétricos. A escala de cores representa a emissão relativa à poeira da Via Láctea. A textura indica a orientação do campo magnético galáctico. Tem por base medições da direcção da luz polarizada emitida pela poeira. A zona em destaque mostra a posição de uma pequena região do céu que foi observada, a partir do Pólo Sul, pelo BICEP2 e pelo Keck Array. A imagem mostra que a emissão relativa à poeira é mais forte ao longo do plano da Galáxia, na parte superior da imagem, mas que não pode ser desprezada em outras regiões do céu. A pequena nuvem visível a vermelho, no canto superior direito, mostra a emissão da poeira relativa à Pequena Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite da Via Láctea. Crédito: ESA/Planck Collaboration.
A análise conjunta de dados da missão espacial Planck e do BICEP2 (Background Imaging of Cosmic Extragalactic Polarization), com base em Terra, não permitiu obter quaisquer provas conclusivas da detecção de ondas gravitacionais relacionadas com o nascimento do Universo, apesar dos relatos anteriores de uma possível descoberta. Da colaboração entre estas equipas resultou um conhecimento mais preciso de como devem ser os sinais de ondas gravitacionais primordiais, que irá ajudar grandemente as investigações futuras.

Planck é uma missão da Agência Espacial Europeia
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
, com contribuições significativas da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
. O BICEP2 e o seu projecto irmão, Keck Array, têm base no Pólo Sul e são financiados pela National Science Foundation, com contribuições da NASA.

"Analisando em simultâneo os dois conjuntos de dados, pudemos obter uma imagem bem mais precisa do que está acontecer do que aquela que obteríamos através de cada conjunto, em separado", disse Charles Lawrence, cientista estado-unidense do projecto Planck, no Laboratório de Propulsão a Jacto da NASA, em Pasadena, Califórnia. "A análise conjunta mostra que a maior parte do sinal detectado pela colaboração BICEP2/Keck é proveniente de poeira da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
, mas não podemos descartar um sinal de ondas gravitacionais a um nível mais baixo. Este é um bom exemplo de como os progresso se fazem em ciência, um passo de cada vez."

A missão Planck e a colaboração BICEP/Keck foram ambas projectadas para medir a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
emitida pelo Universo logo após o seu nascimento, há 13,8 mil milhões de anos. Uma extraordinária fonte de informação sobre a história do Universo reside nessa radiação "fóssil", a que se deu o nome de radiação cósmica de fundo (CMB). A missão Planck mapeou a CMB para todo o céu, a partir do espaço, enquanto que a colaboração BICEP2/Keck se focou num nítido pedaço de céu sobre o Pólo Sul.

Em Março de 2014, os astrónomos apresentaram dados intrigantes obtidos pela colaboração BICEP2/Keck, que encontrou o que parecia ser um possível sinal do Universo acabado de nascer. Se o sinal fosse de facto do início do Universo, então teria confirmado a presença de ondas gravitacionais primordiais. Considera-se a hipótese de estas ondas terem sido geradas por um explosivo e muito rápido período de crescimento do Universo, a que se chamou inflação; este período ocorreu quando o Universo tinha apenas uma pequena fracção de segundo de idade.

Em termos mais específicos, a colaboração BICEP2/Keck encontrou evidências de um padrão curvado da luz polarizada, conhecido por modo-B. Padrões deste tipo terão sido gravados na radiação cósmica de fundo à medida que as ondas gravitacionais foram alongando e comprimindo ligeiramente o tecido do espaço. A polarização descreve uma propriedade particular de luz. Normalmente, os campos eléctricos e magnéticos transportados pela luz vibram igualmente em todas as direcções, mas quando vibram preferencialmente numa determinada direcção, a luz é polarizada.

"O padrão curvado de polarização, descrito pelo BICEP2, também foi claramente detectado em novos dados obtidos pelo Keck Array", disse Jamie Bock, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, Caltech, em Pasadena, e do JPL, membro de ambas as equipas: BICEP2/Keck e Planck.

"Ir à procura deste registo único do Universo acabado de nascer tem tanto de difícil como de emocionante, uma vez que este ténue sinal se esconde na polarização da radiação cósmica de fundo, que por si só representa apenas uma pequena e fraca percentagem da luz total", disse Jan Tauber, cientista do projecto Planck, da Agência Espacial Europeia.

Um dos aspectos mais difíceis na identificação de padrões modo-B primordiais é conseguir separá-los dos que podem ser gerados pela poeira interestelar
poeira interestelar
A poeira interestelar é constituído por minúsculas partículas sólidas, com diâmetros da ordem dos mícrones, existentes no meio interestelar.
na Via Láctea, que está muito mais perto de nós.

A Via Láctea é atravessada por uma mistura de gás e poeira que brilha em frequências
frequência
Num fenómeno periódico, a frequência é o número de ciclos por unidade de tempo.
semelhantes às da radiação cósmica de fundo, e esta emissão mais próxima, de primeiro plano, afecta a observação da luz mais remota. É necessária uma análise de dados muito cuidadosa para que se consiga separar esta emissão de primeiro plano da radiação de fundo.

"Quando, pela primeira vez, detectámos este sinal nos nossos dados, confiámos em modelos para a emissão da poeira galáctica disponíveis no momento", disse John Kovac, um dos investigadores principais da colaboração BICEP2/Keck, na Universidade de Harvard, Cambridge, Massachusetts. "Estes pareciam indicar que a região do céu escolhida para as nossas observações estava relativamente desprovida de poeira."

A colaboração BICEP2/Keck recolheu dados numa única frequência de microondas
microondas
A região do espectro electromagnético, no domínio do rádio, com comprimento de onda entre aproximadamente 1 mm e 30 cm (equivalente ao intervalo de frequências entre 300 GHz e 1 GHz) é a região das microondas.
, tornando difícil a separação das emissões vindas da poeira da Via Láctea e das provenientes da radiação cósmica de fundo. Por outro lado, a missão Planck observou o céu em nove canais de frequências de microondas e submilimétricas, sete dos quais foram também equipados com detectores sensíveis à polarização. Algumas destas frequências foram escolhidas para fazer medições da poeira da Via Láctea. Com uma análise cuidadosa, estes dados multi-frequência podem ser usados para separar as várias contribuições das emissões.

As equipas Planck e BICEP2/Keck juntaram forças, combinando a capacidade do satélite espacial para lidar com os primeiros planos, através de observações em diversas frequências, com a maior sensibilidade dos instrumentos em Terra sobre áreas limitadas do céu.

"O ruído nos instrumentos limita a profundidade a que podemos chegar na procura de um sinal de inflação", disse Jamie Bock. "A colaboração BICEP2/Keck mediu o céu num comprimento de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
. Para sabermos que parte do sinal vem da Galáxia, usámos medidas obtidas pela missão Planck em vários comprimentos de onda. Chegámos bem mais longe combinando as medições das duas equipas, os melhores dados actualmente disponíveis."

Os resultados finais mostraram que a maior parte do sinal original BICEP2/Keck modo-B, mas não necessariamente todo, pode ser explicado pela poeira da Via Láctea. Quanto a sinais do período inflacionário do Universo, a questão permanece em aberto.

O estudo conjunto Planck/BICEP/Keck estabelece um limite superior para a quantidade de ondas gravitacionais provenientes da inflação, que podem ter sido geradas nesse momento mas a um nível demasiado baixo para poderem ser confirmadas pela presente análise.

"O novo limite superior para o sinal devido a ondas gravitacionais está de acordo com o limite superior que obtivemos anteriormente com a missão Planck utilizando as flutuações de temperatura da radiação cósmica de fundo. O sinal de ondas gravitacionais pode ainda estar presente, e a investigação continua", disse Brendan Crill, um membro de ambas as equipas, do JPL.

Veja a notícia, de Março de 2014, no Portal do Astrónomo, relativa a detecção de ondas gravitacionais primordiais: http://www.portaldoastronomo.org/noticia.php?id=912

Fonte da notícia: http://www.jpl.nasa.gov/news/news.php?feature=4469