Um olhar sem precedentes sobre Eta Carinae

2015-01-08

A grande erupção de Eta Carinae, em 1840, criou a nebulosa observada aqui pelo Hubble. Agora com cerca de um ano-luz de comprimento, a nuvem em expansão contém material suficiente para fazer pelo menos 10 réplicas do Sol. Os astrónomos ainda não sabem explicar o que causou esta erupção. Crédito: NASA, ESA, and the Hubble SM4 ERO Team.
Eta Carinae, o sistema estelar mais luminoso e de maior massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
situado a menos de 10 mil anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra, é conhecido pelo seu surpreendente comportamento, tendo entrado em erupção duas vezes no século XIX, por razões que os cientistas ainda não compreendem. Um estudo a longo prazo, liderado por astrónomos do Goddard Space Flight Center da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, em Greenbelt, Maryland, usou satélites, telescópios terrestres e modelação teórica para produzir a imagem mais abrangente de Eta Carinae conseguida até à data. As novas descobertas incluem imagens do Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
que mostram conchas de gás ionizado
ionização
Processo pelo qual um átomo (ou molécula) electricamente neutro ganha ou perde um ou mais electrões, transformando-se num ião.
, já com décadas, a afastar-se da estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
maior a 1,6 milhões de quilómetros por hora, e também novos modelos 3-D que revelam características nunca antes vistas das interacções entre as estrelas.

"Estamos a começar a entender o estado actual e o complexo ambiente deste objecto notável, mas ainda temos um longo caminho a percorrer até conseguirmos explicar as erupções do passado de Eta Carinae ou podermos prever seu comportamento futuro", disse Ted Gull, astrofísico do Goddard, que coordena um grupo de investigação que acompanhou a estrela ao longo de mais de uma década.

Localizado a cerca de 7500 anos-luz de distância, na constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
austral de Carina, Eta Carinae é um sistema composto por duas estrelas de grande massa cujas órbitas excêntricas
órbita excêntrica
Diz-se que uma órbita é excêntrica quando a sua excentricidade é elevada.
as fazem aproximar-se invulgarmente a cada 5,5 anos. Ambas expelem enormes quantidades de gás a que se dá o nome de ventos estelares, que encobrem as estrelas e frustram os esforços para medir directamente as suas propriedades. Os astrónomos estabeleceram que a estrela principal, mais brilhante e mais fria, tem cerca de 90 vezes a massa do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e supera-o em brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
5 milhões de vezes. As propriedades da sua companheira, mais pequena e mais quente, são mais controversas, Gull e os seus colegas acreditam que a estrela tem cerca de 30 massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
e emite um milhão de vezes a luz do Sol.

Numa conferência de imprensa ocorrida durante o encontro da American Astronomical Society, em Seattle, na quarta-feira, 7 de Janeiro, os investigadores do Goddard discutiram as observações recentes de Eta Carinae e de que modo elas se encaixam no que actualmente se sabe acerca do sistema.

Na maior aproximação da órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
, o periastro, as estrelas estão a 225 milhões de quilómetros de distância, mais ou menos a distância média entre Marte
Marte
Marte é o quarto planeta do Sistema Solar, a contar do Sol. É o último dos chamados planetas interiores. O seu diâmetro é cerca de 50% mais pequeno do que o da Terra e possui uma superfície avermelhada, sendo também conhecido como planeta vermelho.
e o Sol. Os astrónomos observam mudanças dramáticas no sistema durante os meses que antecedem e se sucedem ao periastro. Estas incluem erupções de raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
, seguidas por um declínio súbito e eventual recuperação das emissões de raios-X; o desaparecimento e reaparecimento de estruturas perto das estrelas, detectadas em comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
específicos da luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
; e até mesmo um jogo de luz e sombras à medida que a estrela menor oscila em torno da principal.

Durante os últimos 11 anos, ao longo de três passagens pelo periastro, o grupo do Goddard desenvolveu um modelo baseado em observações de rotina das estrelas usando telescópios terrestres e vários satélites da NASA. "Usámos observações do passado para construirmos uma simulação de computador, o que nos ajudou a prever o que iremos ver durante o próximo ciclo, e depois introduzimos novas observações no modelo, para o aperfeiçoarmos", disse Thomas Madura, do Programa de Pós-Doutoramento da NASA no Goddard e um teórico da equipa de Eta Carinae.

De acordo com este modelo, a interacção entre os dois ventos estelares é responsável por muitas das alterações periódicas observadas no sistema. Os ventos de cada estrela têm diferentes propriedades: espessos e lentos para a estrela primária, finos e rápidos para a companheira mais quente. O vento da estrela primária sopra a cerca de 1,6 milhões de km/h e é especialmente denso, levando consigo uma massa equivalente à do Sol a cada mil anos. Em contrapartida, o vento da companheira leva consigo cerca de 100 vezes menos material, mas desloca-se a uma velocidade até 6 vezes superior.

As simulações realizadas por Madura, no supercomputador Pleiades
M45 (NGC 1432) - Pléiades
M45, também conhecido como as Pléiades, é um aglomerado aberto de estrelas, na constelação do Touro, a uma distância aproximada de 440 anos-luz.
do Ames Research Center da NASA, revelam a complexidade da interacção do vento. Quando a estrela companheira oscila rapidamente em torno da principal, o seu vento mais rápido esculpe uma cavidade em espiral no fluxo denso da estrela maior. Para visualizar melhor essa interacção, Madura converteu as simulações de computador em modelos digitais 3-D e fez versões sólidas, utilizando uma impressora 3-D. Este processo revelou longas protuberâncias em forma de espinha no fluxo de gás ao longo das bordas da cavidade, características que não tinham sido notadas anteriormente.

"Pensamos que estas estruturas são reais e que elas se formam como resultado de instabilidades no fluxo nos meses em torno da maior aproximação", disse Madura. "Quis fazer impressões 3-D das simulações para melhor poder visualizá-las e foram muito mais bem sucedidas do que eu imaginava."
(Ver vídeo do modelo 3-D, abaixo)

A equipa detalhou umas quantas observações importantes que expõem alguns dos funcionamentos internos do sistema. Durante as últimas três passagens pelo periastro, os telescópios terrestres, no Brasil, Chile, Austrália e Nova Zelândia, têm monitorizado um único comprimento de onda de luz azul emitida pelos átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de hélio que perderam um único electrão
electrão
Partícula elementar pertencente à família dos leptões - partículas sujeitas à interacção nuclear fraca, electromagnética e gravitacional. Os electrões possuem carga eléctrica negativa e encontram-se nos átomos de todos os elementos químicos, orbitando à volta do núcleo atómico, que possui carga eléctrica positiva.
. De acordo com o modelo, a emissão de hélio permite rastrear as condições do vento na estrela principal. O espectrógrafo STIS (Space Imaging Telescope Spectrograph) a bordo do Hubble capta um comprimento de onda diferente da luz azul emitida por átomos de ferro que perderam dois electrões, que revela com exclusividade onde o gás da estrela principal se torna incandescente pela luz ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
intensa do seu companheiro. Por último, os raios-X do sistema trazem informações directamente da zona de colisão do vento, onde os ventos contrários criam ondas de choque
onda de choque
Uma onda de choque é uma variação brusca da pressão, temperatura e densidade de um fluído, que se desenvolve quando a velocidade de deslocação do fluído excede a velocidade de propagação do som.
que aquecem o gás até centenas de milhões de graus.

"Alterações nos raios-X constituem sinais directos da zona de colisão e reflectem as transformações no modo como estas estrelas perdem massa", disse Michael Corcoran, um astrofísico da Associação de Universidades de Investigação Espacial, sediada em Columbia, Maryland. Ele e os seus colegas compararam emissões no periastro, medidas ao longo dos últimos 20 anos pelo Rossi X-Ray Timing Explorer
Rossi X-ray Timing Explorer (RXTE)
O observatório espacial de raios-X RXTE, da NASA, é uma missão que teve início em 1995 e ainda está a decorrer, e tem como objectivo observar, com extrema rapidez, buracos negros, estrelas de neutrões, pulsares de raios-X e fulgurações de raios-X. Uma grande vantagem do RXTE é a sua capacidade de observar alterações que ocorrem no brilho de fontes de raios-X, tanto num milésimo de segundo, como ao longo de anos.
, da NASA, que deixou de operar em 2012, e pelo telescópio de raios-X a bordo de satélite Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
, da NASA. Em Julho de 2014, à medida que as estrelas se aproximavam, o Swift observou uma série de explosões que culminaram na mais brilhante emissão de raios-X já vista em Eta Carinae. Este fenómeno implica uma alteração na perda de massa por parte de uma das estrelas, mas os raios-X só por si não conseguem determinar em qual.

Mairan Teodoro, do Goddard, liderou a campanha terrestre de rastreamento da emissão de hélio. "A emissão de 2014 é quase idêntica à que vimos no periastro anterior, em 2009, o que sugere que o vento primário tem sido constante e que o vento do companheiro é responsável pelas explosões de raios-X" explicou.

Depois dos astronautas da NASA terem reparado o instrumento STIS do Telescópio Espacial Hubble, em 2009, Gull e os seus colaboradores pediram autorização para o utilizarem na observação de Eta Carinae. Separando a luz das estrelas num espectro do tipo arco-íris, o STIS revela a composição química do seu ambiente. O espectro mostrou também estruturas finas perto das estrelas que sugeriram que o instrumento poderia ser usado para mapear a região próxima ao sistema binário com detalhes nunca antes vistos.

O STIS observa os seus alvos através de uma única fenda estreita para limitar a contaminação devida a outras fontes. Desde Dezembro de 2010, a equipa de Gull tem mapeado regularmente uma região com centro no binário, através da captura de espectros em 41 locais diferentes, um esforço semelhante ao da construção de uma imagem panorâmica a partir de uma série de instantâneos. A imagem estende-se por cerca de 670 mil milhões de quilómetros, cerca de 4600 vezes a distância média Terra-Sol.

As imagens resultantes, reveladas pela primeira vez na quarta-feira, mostram que a emissão de ferro duplamente ionizado vem de uma estrutura gasosa complexa, com quase um décimo de um ano-luz de diâmetro, que Gull compara a um caranguejo azul de Maryland. Percorrendo as imagens do STIS, vastos reservatórios de gás, que representam as "pinças" do caranguejo, podem ser vistos a afastar-se das estrelas a velocidades de cerca de 1,6 milhões km/h. A cada aproximação, forma-se uma cavidade espiral no vento da estrela maior que depois se expande com ele, criando as conchas móveis.

"Estas conchas de gás mantêm-se por milhares de vezes a distância Terra-Sol", explicou Gull. "Analisando-as em retrospectiva, descobrimos que as conchas começaram a afastar-se da estrela principal há cerca de 11 anos (três passagens pelo periastro), oferecendo-nos mais uma forma de vislumbrarmos o que ocorreu no passado recente".

Quando as estrelas se aproximam, o companheiro fica imerso na parte mais espessa do vento do primário, que absorve a sua luz UV e impede que a radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
atinja as conchas de gás distantes. Sem esta energia para o excitar, o ferro duplamente ionizado deixa de emitir luz e a estrutura em forma de caranguejo desaparece neste comprimento de onda. Quando o companheiro oscila em torno do primário e limpa o vento mais denso, os seus UV escapam, tornado a dar energia aos átomos de ferro nas conchas, e o caranguejo volta a aparecer.

As duas estrelas de grande massa de Eta Carinae podem terminar as suas vidas em explosões de supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. Para as estrelas, o que vai determinar o seu destino final é a quantidade de matéria que podem perder - por meio de ventos estelares, ou das erupções ainda inexplicáveis - antes de ficarem sem combustível e colapsarem sob o seu próprio peso.

Os investigadores dizem que, por agora, não há nenhuma evidência que sugira o fim iminente de qualquer uma das estrelas, e estão a explorar o rico conjunto de dados da passagem em 2014 pelo periastro para fazerem novas previsões, que serão testadas quando as estrelas se voltarem a aproximar, em Fevereiro de 2020.

Veja o vídeo relativo a esta notícia: https://www.youtube.com/watch?v=0rJQi6oaZf0

Veja também o vídeo do primeiro modelo 3D de Eta Carinae: https://www.youtube.com/watch?v=FN-_6mUzLhc

Fonte da notícia: http://www.nasa.gov/content/goddard/nasa-observatories-take-an-unprecedented-look-into-superstar-eta-carinae/