Galáxias de crescimento lento abrem uma janela para os primórdios do Universo

2014-10-16

A pequena galáxia Sextante A num mosaico de vários comprimentos de onda capturado pela missão Herschel da ESA, da qual a NASA é um parceiro, pelo GALEX, da NASA, e pelo Jansky Very Large Array, do NRAO. Crédito: ESA/NASA/JPL-Caltech/NRAO.
O que faz florir uma roseira, enquanto outras permanecem estéreis? Os astrónomos fazem uma pergunta semelhante a respeito das galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
, tentando perceber a razão pela qual algumas desencadeiam intensa formação de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
enquanto outras não.

Um novo estudo, publicado na edição de 16 de Outubro da revista Nature, aborda esta questão, depois de realizadas algumas das medições mais precisas das fracas taxas de formação estelar em galáxias pequenas e de evolução lenta. O relatório baseia-se em dados da missão Herschel, da ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
, da qual a NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
é um parceiro, do telescópio espacial Spitzer
Spitzer Space Telescope
O Telescópio Espacial Spitzer é um telescópio de infravermelhos colocado em órbita pela NASA a 25 de Agosto de 2003. Este telescópio, anteriormente designado por Space InfraRed Telescope Facility (SIRTF), foi re-baptizado em homenagem a Lyman Spitzer, Jr. (1914-1997), um dos grandes astrofísicos norte-americanos do século XX. Espera-se que este observatório espacial contribua grandemente em diversos campos da Astrofísica, como por exemplo na procura de anãs castanhas e planetas gigantes, na descoberta e estudo de discos protoplanetários à volta de estrelas próximas, no estudo de galáxias ultraluminosas no infravermelho e de núcleos de galáxias activas, e no estudo do Universo primitivo.
, da NASA, e do GALEX (Galaxy Evolution Explorer).

As descobertas estão a ajudar os investigadores a descobrir como surgiram as primeiras estrelas no Universo. Tal como as estrelas examinadas neste novo estudo, as primeiras estrelas surgiram, há milhares de milhões de anos, em condições precárias, crescendo como sementes de flores em solo seco e pobre. Naquela época, o Universo não tinha ainda tido tempo de fabricar "metais", designação habitual dos astrónomos para os elementos mais pesados que o hidrogénio e o hélio.

"Os metais
metal
Em Astronomia, todos os elementos químicos de número atómico superior ao do hélio são designados por metais, ou por elementos pesados.
no espaço funcionam como fertilizantes no processo de crescimento das estrelas", disse George Helou, um dos autores do novo estudo e director do IPAC (Infrared Processing and Analysis Center), da NASA, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena. O autor principal do estudo é Yong Shi, e fez alguma da investigação no IPAC antes de se mudar para a Universidade de Nanjing, na China.

As duas galáxias de evolução lenta do estudo, Sextante A e ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
146-G14, têm falta de "metais", tal como o jovem e remoto Universo, só que estão muito mais perto de nós e são mais fáceis de observar. Sextante A está localizada a cerca de 4,5 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
da Terra, e ESO 146-G14 a mais de 70 mil anos-luz.

Estas pequenas galáxias são de florescimento tardio. Conseguiram viajar através do tempo, permanecendo nas condições originais, sem acumularem elementos pesados (os "metais" não só ajudam a formar estrelas, como são criados pelas estrelas).

"As galáxias pobres em metais são como ilhas que restaram do início do Universo", disse Helou. "Como estão relativamente próximas, são janelas particularmente valiosas para o passado."

Estudar a formação de estrelas em ambientes pouco desenvolvidos como estes é complicado. As galáxias, embora próximas, são ténues e difíceis de observar. Shi e a sua equipa internacional combateram o problema com uma abordagem em vários comprimentos de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
. Os dados de Herschel, capturados nos mais longos comprimentos de onda do infravermelho
infravermelho
Região do espectro electromagnético compreendida entre os comprimentos de onda de 0,7 e 350 mícrones. Esta banda permite observar astros, fenómenos, ou processos físicos com temperaturas entre 10 e 5200 graus Kelvin.
, revelaram a poeira fria em que as estrelas estão mergulhadas. A poeira serve como um valor aproximado para a quantidade total de gás - o ingrediente básico das estrelas - na região. Para outros telescópios, esta poeira é fria e invisível, mas o Herschel consegue detectar o seu brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
fraco.

O Jansky Very Large Array
Very Large Array (VLA)
O VLA é um radiointerferómetro composto por 27 antenas de 25 m de diâmetro, dispostas em três braços (em forma de Y) com 9 antenas cada, localizado no Novo México (EUA). O VLA é operado pelo NRAO (National Radio Astronomy Observatory).
, do NRAO
National Radio Astronomy Observatory (NRAO)
O NRAO é o Observatório Nacional de Radioastronomia dos EUA e opera vários radiotelescópios, como o VLA, o VLBA, o GBT, o EVLA e o ALMA.
, perto de Socorro, Novo México, bem como o Australia Telescope Compact Array, perto Narrabri, ajudaram nas medições de rádio
rádio
O rádio é a banda do espectro electromagnético de maior comprimento de onda (menor frequência) e cobre a gama de comprimentos de onda superiores a 0,85 milímetros. O domínio do rádio divide-se no submilímetro, milímetro, microondas e rádio.
de uma parte do gás das galáxias.

Dados de arquivo de Spitzer e do GALEX foram usados para determinar a taxa de formação de estrelas. O Spitzer vê a luz infravermelha de comprimento de onda mais curto, que vem da poeira que é aquecida pelas novas estrelas. As imagens do GALEX capturam a luz ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
das próprias estrelas brilhantes.

Juntando todos os dados, os astrónomos conseguiram determinar que as galáxias estão como que a arrastar-se, criando estrelas a velocidades 10 vezes inferiores às normais.

"A formação de estrelas é muito ineficaz nestes ambientes", disse Shi. "Galáxias próximas, extremamente pobres em metais são a melhor maneira de sabermos o que se passou há milhares de milhões de anos."

Os metais nas galáxias de hoje ajudam a formação de estrelas a desenvolver-se através de efeitos de arrefecimento. Para que uma estrela se forme, uma nuvem de gás tem de entrar em colapso com a ajuda da sua própria gravidade. Em última análise, o gás tem de se tornar suficientemente denso para haver fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
e ignição dos átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
, criando a luz das estrelas. Mas à medida que a nuvem colapsa, ela aquece e expande-se outra vez, contrariando o processo. Os elementos pesados ajudam, já que baixam a temperatura, irradiando o calor
calor
O calor é energia em trânsito entre dois corpos ou sistemas.
, permitindo que a nuvem se condense numa estrela.

De que forma conseguiam as estrelas no Universo primitivo formar-se sem a ajuda do arrefecimento provocado pelos metais é algo que ainda não se sabe.

Estudos como este lançam alguma luz sobre os primeiros rebentos estelares, dando-nos um vislumbre das raízes da nossa história cósmica.

Fonte da notícia: http://www.jpl.nasa.gov/news/news.php?feature=4336