As dramáticas horas finais de cometa ISON

2014-07-18

Imagem do cometa ISON obtida às 17:01 de 28 de Novembro de 2013 pelo espectrógrafo SUMER a bordo da sonda SOHO. A linha branca indica a bissectriz da cauda. Os pontos vermelhos marcam as posições previstas do núcleo do cometa em intervalos de um minuto. A cruz vermelha assinala a posição na altura em que a imagem foi obtida. A cauda é curvada e pontiaguda, com um comprimento de pelo menos 240 mil quilómetros. As observações estão de acordo com os modelos que indicam que o cometa deixou de produzir poeira e gás horas mais cedo. A seta branca indica a direcção do Sol. Crédito: MPS.
Quando o cometa
cometa
Os cometas são pequenos corpos irregulares, compostos por gelos (de água e outros) e poeiras. Os cometas têm órbitas de grande excentricidade à volta do Sol. As estruturas mais importantes dos cometas são o núcleo, a cabeleira e as caudas.
ISON foi descoberto, no Outono de 2012, os astrónomos esperavam que ele iluminasse o céu nocturno tornando-se no "cometa do século". A análise orbital mostrava que este objecto, vindo dos confins do Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, passaria apenas 1,2 milhões de quilómetros acima da superfície visível do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
, a 28 de Novembro de 2013.

Com base no seu brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
inicial, o cometa prometia ser um objecto de investigação único e, caso viesse a sobreviver à passagem rasante pelo Sol, um fenómeno celeste deslumbrante nas semanas que precediam o Natal. No entanto, depressa ficou claro que as expectativas não seriam atingidas.

Durante a fase final da aproximação ao periélio
periélio
O periélio é o ponto da órbita de um corpo que orbita o Sol em que este se encontra mais próximo do Sol.
, a cauda do cometa tornou-se cada vez mais fraca, surgindo a suspeita de que a actividade do ISON tinha cessado ou de que o núcleo estaria completamente desintegrado.

Horas antes do ISON ter chegado ao periélio, imagens impressionantes capturadas pelo coronógrafo LASCO (Large Angle and Spectrometric Coronagraph) da sonda SOHO
Solar Heliospheric Observatory (SOHO)
O SOHO é uma sonda espacial concebida para a observação e estudo do Sol. O seu obectivo é analisar a estrutura da coroa, do vento solar e ainda obter informação sobre a dinâmica interna do Sol. O SOHO insere-se num projecto internacional de cooperação entre a NASA e a ESA. A sonda foi lançada a 2 de Dezembro de 1995 e posteriormente colocada em órbita do Sol.
(Solar and Heliospheric Observatory), da ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
/NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, mostraram a cauda brilhante e alongada do cometa veloz. Infelizmente, a trajectória do ISON levou-o para tão perto do Sol - cerca de 1,2 milhões de quilómetros acima da sua superfície visível - que a fase final do encontro foi obscurecida pelo disco de ocultação
ocultação
Designa-se por ocultação a ausência de luz proveniente de um objecto celeste devido à sua passagem por detrás de outro objecto celeste. Por exemplo, o eclipse do Sol é uma ocultação do Sol.
do instrumento LASCO, que bloqueia a luz solar, criando um eclipse
eclipse
Um eclipse é uma ocultação total ou parcial de um corpo celeste, quando outro corpo passa entre este e o observador.
artificial, de modo a tornar visíveis as estruturas na proximidade do Sol.

Os investigadores do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar (MPS) utilizaram então os dados do instrumento SUMER (Solar Ultraviolet Measurements of Emitted Radiation) a fim de reconstruírem o comportamento do cometa durante as suas horas finais. O espectrógrafo SUMER, a bordo da SOHO, foi o único instrumento capaz de obter dados do cometa durante os minutos finais de sua aproximação ao Sol.

"O único instrumento que pôde obter dados úteis naquele momento foi o SUMER", afirmou Werner Curdt, do MPS, autor principal do artigo publicado na última edição da revista Astronomy & Astrophysics. Curdt é líder da equipa do SUMER desde 2002. "Este foi um grande desafio para todos os envolvidos", acrescentou ele. "O instrumento foi concebido para investigar os fluxos, temperaturas e densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
do plasma
plasma
O plasma é um gás completamente ionizado, em que a temperatura é demasiado elevada para que os átomos existam como tal, sendo composto por electrões e núcleos atómicos livres. É chamado o quarto estado da matéria, para além do sólido, líquido e gasoso.
na quente atmosfera
atmosfera
1- Camada gasosa que envolva um planeta ou uma estrela. No caso das estrelas, entende-se por atmosfera as suas camadas mais exteriores. 2- A atmosfera (atm) é uma unidade de pressão equivalente a 101 325 Pa.
exterior do Sol, não para detectar um cometa relativamente fraco."

Com o SUMER em modo de câmara, os investigadores foram capazes de obter imagens da cauda do cometa no ultravioleta
ultravioleta
O ultravioleta á a banda do espectro electromagnético que cobre a gama de comprimentos de onda entre os 91,2 e os 350 nanómetros. Esta radiação é largamente bloqueada pela atmosfera terrestre.
distante, num comprimento de onda
comprimento de onda
Designa-se por comprimento de onda a distância entre dois pontos sucessivos de amplitude máxima (ou mínima) de uma onda.
de 121,6 nanómetros
nanómetro (nm)
O nanómetro (nm) é uma unidade de comprimento igual a um milionésimo do milímetro: 1nm = 10-6mm = 10-9m.
. Esta luz foi emitida a partir do disco solar e reflectida pelas partículas de poeira no espaço.

As imagens do SUMER mostraram a cauda de poeira
cauda de poeira de um cometa
A cauda de poeira de um cometa forma-se a partir de partículas de poeira que se desprendem do núcleo do cometa devido à pressão de radiação do Sol. As caudas de poeira são encurvadas, reflectindo o rasto deixado pelos cometas nas suas órbitas, e estendem-se por dezenas, ou mesmo centenas, de milhões de quilómetros. A cauda não emite luz própria - o seu brilho é o reflexo da luz solar. Há dois tipos de caudas de cometa: as do Tipo I são caudas de iões e as do Tipo II são caudas de poeira.
, entre as 17:56 e as 18:01 (GMT), a 28 de Novembro, pouco antes da maior aproximação, revelando uma cauda ligeiramente curvada e pontiaguda, com um comprimento de pelo menos 240 mil quilómetros. Não foram encontrados sinais de qualquer área particularmente brilhante na posição onde se previa estar o núcleo activo do cometa.

Para compreenderem que processos geraram a forma da cauda, os investigadores compararam as imagens com simulações de computador. Calcularam como seria a cauda tendo em conta determinadas suposições sobre o tamanho das partículas de poeira, a sua velocidade e o momento da sua emissão.

O SUMER obteve também informação espectral, a partir das 18:02 (GMT), sendo o instrumento redireccionado a cada dez minutos para seguir o cometa, mas a maior parte destes espectros tinha um sinal extremamente fraco, indicando a ausência de gás ou de plasma no cometa. "As nossas medições e cálculos indicam que o ISON perdeu força antes do periélio", disse Curdt.

"Não fomos capazes de reconstruir nada que se parecesse às imagens que obtivemos, assumindo que o ISON ainda estava activo durante as observações do SUMER", disse o co-autor Hermann Böhnhardt, investigador do MPS. O modelo MPS mais consistente com as observações indica que o cometa deixou de produzir poeira e gases horas mais cedo. De acordo com Böhnhardt, a hipótese do núcleo se ter desintegrado completamente pode levantar algumas dúvidas. No entanto, várias evidências indicam ter sido este o caso.

A cauda do cometa em forma de seta indica que, 8,5 horas antes da passagem pelo Sol, houve uma explosão de curta duração, mas violenta, que lançou grandes quantidades de poeira. Os cálculos mostram que o cometa deve ter emitido cerca de 11500 toneladas
tonelada (t)
A tonelada (t) é uma unidade de massa equivalente a 1000 kg.
de poeira nessa altura.

"O mais provável é que a ruptura final do núcleo tenha desencadeado esta erupção, lançando abruptamente gás e poeira presos dentro do núcleo", disse Werner Curdt. "Algumas horas depois, a produção de poeira parou completamente."

“Observações como as do cometa ISON mostram que o observatório SOHO ainda tem um papel importante a desempenhar no aprofundar dos nossos conhecimentos sobre o Sol e sobre a sua influência nos planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
e outros objectos que o orbitam" concluiu Bernhard Fleck, cientista do projecto SOHO, da ESA.

Fonte da notícia: http://sci.esa.int/soho/54344-comet-ison-dramatic-final-hours/