Os buracos negros de grande massa podem não ser “donuts”

2014-05-29

Galáxias agrupadas no enxame da Fornalha, situado a 60 milhões de anos-luz da Terra. A imagem foi obtida pelo WISE, mas foi melhorada para ilustrar a ideia de que as galáxias agrupadas, em média, estão rodeadas por grandes halos de matéria escura (representada a roxo). A matéria escura, como a matéria normal, tem gravidade, e por essa razão vai atrair as galáxias na sua direcção, levando-as a agruparem-se. Os astrónomos não sabem porque é que os buracos negros escondidos têm maiores halos de matéria escura, mas estão intrigados com a descoberta e vão continuar a investigar. Crédito: NASA/JPL-Caltech.
Uma pesquisa, abrangendo mais de 170 mil buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
de enorme massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
, realizada com o WISE (Wide-field Infrared Survey Explorer), da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
, levou os astrónomos a reexaminarem uma teoria, já com décadas, sobre as diferentes aparências destes objectos interestelares.

A teoria unificada dos buracos negros activos de grande massa, desenvolvida pela primeira vez no final da década de 70, foi criada para responder à pergunta: por que razão os buracos negros, embora semelhantes na sua natureza, podem ter aspectos completamente diferentes? Com efeito, alguns parecem estar envoltos em poeira, enquanto outros estão expostos e são fáceis de observar.

O modelo unificado responde à questão anterior propondo que cada buraco negro está rodeado por uma estrutura de poeira em forma de donut ou toro. Consoante a maneira como estes "donuts" estão orientados no espaço, os buracos negros vão assumir aspectos diferentes. Por exemplo, se o donut estiver orientado de perfil em relação à nossa direcção de observação, o buraco negro estará oculto. Se estiver orientado de frente (visto de cima ou de baixo), o buraco negro será claramente visível.

No entanto, os novos resultados do WISE não corroboram esta teoria. Os investigadores encontraram evidências de que algo diferente de uma estrutura em donut pode, em algumas circunstâncias, determinar se um buraco negro está visível ou oculto. A equipa ainda não apurou exactamente o que poderá ser, mas os resultados sugerem que o modelo unificado, ou do donut, não assegura todas as respostas.

"A nossa descoberta revela uma nova característica sobre os buracos negros activos que não conhecíamos, mas os detalhes permanecem um mistério", disse Lin Yan, do IPAC (Infrared Processing and Analysis Center), da NASA, que tem a sua base no Instituto de Tecnologia da Califórnia, em Pasadena. "Esperamos que o nosso trabalho venha a inspirar estudos no futuro para que possamos entender melhor estes fascinantes objectos."

Yan é o segundo autor da pesquisa aceite para publicação no Astrophysical Journal. O principal autor é Emilio Donoso, um investigador de pós-doutoramento que trabalhou com Yan no IPAC e que está agora no Instituto de Ciências Astronómicas da Terra e do Espaço, na Argentina. A pesquisa também tem a co-autoria de Daniel Stern, do JPL, e de Roberto Assef, da Universidad Diego Portales, no Chile, e que também esteve no JPL.

No coração de cada galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
existe um buraco negro de grande massa. O novo estudo centra-se nos que estão a alimentar-se, os chamados buracos negros activos de grande massa, ou núcleos galácticos activos, que devoram o gás circundante para crescerem.

Com a ajuda de computadores, os cientistas foram capazes de escolher, a partir dos dados do WISE, mais de 170 mil buracos negros activos de grande massa. Mediram então o conjunto de galáxias que contêm buracos negros escondidos e buracos negros expostos – em que grau estes objectos se agregam em todo o céu.

Se o modelo unificado estivesse correcto, e os buracos negros ocultos estivessem apenas escondidos devido à sua configuração em donut estar a ser vista de perfil, então os investigadores esperariam que se agrupassem da mesma forma que os expostos. De acordo com a teoria, como as estruturas em donut têm orientações aleatórias, os buracos negros também deveriam estar distribuídos aleatoriamente. Se atirássemos vários donuts ao ar, aproximadamente a mesma percentagem de donuts ficaria orientada de modo a ser vista quer de perfil quer de topo, independentemente de estarem mais ou menos espalhados.

Mas o WISE encontrou algo totalmente inesperado. Os resultados mostraram que as galáxias com buracos negros ocultos estão mais agrupadas que as que têm buracos negros expostos. Se estes resultados forem confirmados, os cientistas terão de ajustar o modelo unificado e chegar a novas formas de explicar porque é que alguns buracos negros estão ocultos.

"O objectivo principal da unificação era colocar uma diversidade de tipos de núcleos activos debaixo da mesma pala", disse Donoso. “O que acontece é que isso se tem tornado cada vez mais difícil de alcançar à medida que vamos penetrando mais profundamente nos dados do WISE."

Outra forma de entender os resultados do WISE envolve matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
. A matéria escura é uma substância invisível que domina a matéria no Universo, superando a matéria normal que compõe planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
e estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
. Cada galáxia reside no centro de um halo de matéria escura. Halos maiores têm mais gravidade e, por isso, atraem outras galáxias na sua direcção.

Tendo em conta que o WISE descobriu que os buracos negros ocultos estão mais agrupados que os outros, os investigadores sabem que estes buracos negros residem em galáxias com maiores halos de matéria escura. Embora os halos, por si próprios, não sejam responsáveis por esconder os buracos negros, podem bem ser uma pista para o que está a ocorrer.

"A teoria unificada foi proposta para explicar a complexidade do que os astrónomos observavam", disse Stern. "Parece que o modelo simples pode ter sido demasiado simples. Como disse Einstein, os modelos devem ser feitos o mais simples possível, mas não simples demais."

Os cientistas ainda estão a investigar activamente os dados públicos do WISE, que foi colocado em hibernação em 2011, após digitalizar a totalidade do céu duas vezes. Foi reactivado em 2013, com o novo nome de NEOWISE, e foi-lhe atribuída a nova missão de identificar objectos potencialmente perigosos próximos da Terra.

Fonte da notícia: http://www.jpl.nasa.gov/news/news.php?release=2014-163