Lançada a missão Gaia da ESA que irá mapear a Via Láctea

2013-12-20

Em cima: O VS06 Soyuz com o observatório espacial Gaia lançado da Guiana Francesa às 09:12 GMT de 19 de Dezembro de 2013. Crédito: ESA-S. Corvaja. Em baixo: Gaia a mapear as estrelas da Via Láctea. Crédito: ESA/ATG medialab; background: ESO/S. Brunier.
A missão Gaia da ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
foi lançada com sucesso, na manhã do dia 19 de Dezembro, a bordo do foguete Soyuz, que descolou do Porto Espacial Europeu, em Kourou, na Guiana Francesa. O objectivo desta missão é o de criar o mapa mais detalhado da Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. Fazendo medições exactas das posições e movimentos de 1% da população total de cerca de 100 mil milhões de estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, irá responder a questões sobre a origem e evolução da nossa Galáxia. Esta é a primeira missão do Programa Científico da ESA a contar com a participação de uma equipa nacional na sua definição e implementação.

O foguete Soyuz, operado pela Arianespace, descolou às 09:12 GMT. Gaia está agora a caminho de uma órbita
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
gravitacionalmente estável, em torno de um ponto virtual de Lagrange, L2, a cerca de 1,5 milhões de quilómetros da Terra.

Uma fase de comissionamento de quatro meses terá início a caminho do ponto L2, durante a qual todos os sistemas e instrumentos serão accionados, verificados e calibrados. Depois, Gaia estará a postos para a sua missão científica de cinco anos. O escudo solar do satélite irá bloquear o calor
calor
O calor é energia em trânsito entre dois corpos ou sistemas.
e a luz provenientes do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e da Terra, fornecendo o ambiente estável necessário para que os sofisticados instrumentos de Gaia possam fazer um levantamento extraordinariamente sensível e preciso das estrelas da Via Láctea.

“A missão Gaia vem no seguimento da primeira missão de mapeamento de estrelas da ESA, Hipparcos
Hipparcos
O Hipparcos foi uma missão da Agência Espacial Europeia (ESA), lançada em Agosto de 1989 e terminada em Agosto de 1993. Esta foi a primeira missão espacial astrométrica, isto é, para medir posições, distâncias, movimentos, luminosidades e cores das estrelas. O Hipparcos observou mais de 100000 estrelas com uma grande precisão, influenciando todos os ramos da Astronomia. O producto mais directo da missão é um conjunto de catálogos estelares - o Catálogo de Hipparcos e o Catálogo de Tycho - publicados pela ESA em 1997.
, lançada em 1989, com o objectivo de revelar a história da galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
em que vivemos,” disse Jean-Jacques Dordain, Diretor Geral da ESA. “É graças à perícia da indústria espacial europeia e à comunidade científica que esta missão avançada está a caminho de fazer descobertas revolucionárias sobre a Via Láctea.”

Varrendo o céu repetidamente, Gaia irá observar, em média, 70 vezes cada uma das mil milhões de estrelas, ao longo dos cinco anos. Medirá a posição e as principais propriedades físicas de cada estrela, incluindo o seu brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
, a temperatura e composição química.

Tirando proveito da ligeira mudança de perspectiva que ocorre ao longo de um ano, à medida que o satélite completa uma volta em torno do Sol, o equipamento irá medir por paralaxe
paralaxe
A paralaxe é a mudança aparente da posição de um objecto observado, causada por uma mudança da posição do observador
a distância a que ficam as estrelas. Irá ainda estudar, ao longo de toda a missão, o seu movimento no céu. A posição, o movimento e as propriedades de cada estrela fornecem pistas sobre a sua história, e o enorme levantamento que a missão Gaia vai realizar permitirá aos cientistas fazerem a “árvore genealógica” da Galáxia.

“A missão Gaia representa um sonho dos astrónomos, ao longo da História, desde as observações pioneiras feitas pelos antigos gregos, como Hiparco, que catalogou as posições relativas de aproximadamente mil estrelas com observações a olho nu e geometria simples”, disse Alvaro Giménez, Director de Ciência e Exploração Robótica da ESA. Passados mais de dois mil anos, Gaia não só vai produzir um levantamento estelar sem par, como tem também potencial para descobrir novos asteróides
asteróide
Um asteróide é um pequeno corpo rochoso que orbita em torno do Sol, com uma dimensão que pode ir desde os 100 m até aos 1000 km. A maioria dos asteróides encontra-se entre as órbitas de Marte e de Júpiter. Também são designados por planetas menores.
, planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
e estrelas em fim de vida.”

Com efeito, Gaia vai medir com uma exactidão sem precedente as posições de mil milhões de estrelas, o que proporcionará pela primeira vez uma visão global da Via Láctea em 3D. Ao medir também as velocidades e outras características físicas dessas estrelas, tais como temperaturas, luminosidades
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
e idades, será possível reconstruir parte da sua história e estudar a sua composição, formação e evolução. O mapa dinâmico obtido permitirá analisar em detalhe o campo gravítico da Via Láctea e revelar a distribuição local da misteriosa matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.


Comparando os repetidos varrimentos ao céu, Gaia irá também descobrir dezenas de milhares de supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
. Ligeiras oscilações nas posições de algumas estrelas deverão revelar a presença de planetas em órbita. Gaia irá também descobrir novos asteróides e refinar as órbitas dos já conhecidos.

Praticamente todos os campos da Astronomia virão a ser afectados. Gaia terá até impacto na vida quotidiana do cidadão comum: o catálogo de posições estelares ultra-exactas servirá de referência para sistemas de posicionamento, como o GPS.

Ao fim de cinco anos, o arquivo de dados irá exceder um milhão de Gigabytes, o equivalente a cerca de 200 mil DVDs de dados. A tarefa de os processar e analisar ficará a cargo do Consórcio Gaia Data Processing and Analysis, que envolve mais de 400 indivíduos em institutos científicos de toda a Europa.

“Se Hipparcos catalogou 120 mil estrelas, Gaia irá estudar 10 mil vezes mais e com uma precisão 40 vezes superior,” disse Timo Prusti, cientista de projecto Gaia da ESA. “Em conjunto com dezenas de milhares de outros objectos celestes, este vasto tesouro dar-nos-á uma nova visão da nossa vizinhança cósmica e da sua história, permitindo-nos explorar as propriedades fundamentais do Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
e da Via Láctea e o nosso lugar no Universo.”

“Depois de anos de determinação e trabalho de todos os envolvidos na missão, estamos encantados por ver Gaia a caminho do L2, onde irá continuar a nobre tradição europeia de mapear as estrelas, decifrando a história da Via Láctea,” acrescentou Giuseppe Sarri, gestor de projecto Gaia da ESA.

A missão Gaia tem a participação de uma equipa portuguesa coordenada pelo astrofísico André Moitinho de Almeida, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e da qual também faz parte Sónia Antón, ambos membros do NUCLIO. A equipa de André Moitinho está a preparar um sistema de visualização 3D para o catálogo final que estará completo em 2021 e que será de acesso livre. A participação portuguesa inclui cientistas do Centro de Astronomia da Universidade de Lisboa, da Universidade Nova de Lisboa, da Universidade de Coimbra e da Universidade do Porto. O grupo português integra um consórcio internacional de 400 elementos.

Fontes da notícia: http://www.esa.int/Our_Activities/Space_Science/Gaia/Liftoff_for_ESA_s_billion-star_surveyor
http://www.sp-astronomia.pt/Gaia