Oitos e cascas de amendoim, ou como se movem as estrelas no centro da Galáxia

2013-11-27

Impressão artística que mostra como a Via Láctea seria vista de perfil, uma perspectiva muito diferente do que temos da Terra. O bojo central mostra-se com a forma de um amendoim de estrelas e os braços espirais e as suas nuvens de poeira brilhante associadas formam uma banda estreita. Crédito: ESO/NASA/JPL-Caltech/M. Kornmesser/R. Doer.
Há dois meses, os astrónomos criaram um novo mapa 3D das estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
do centro da nossa galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
(a Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
), mostrando mais claramente do que nunca a protuberância no seu núcleo. Explicações anteriores sugeriam que as estrelas que formam o bojo estavam em órbitas
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
em forma de banana, mas um estudo publicado esta semana na Monthly Notices da Royal Astronomical Society sugere que, em vez disso, as estrelas provavelmente se movem em órbitas em forma de oito, ou de casca de amendoim.

A diferença é importante. Os astrónomos desenvolvem teorias de movimentos estelares, não só para entenderem como as estrelas da nossa galáxia se movem hoje, mas também para compreenderem como a Galáxia se formou e evolui. A Via Láctea tem a forma de uma espiral, com uma região de estrelas no centro em forma de barra (esferoidal achatada). No meio desta região, há uma protuberância que se expande verticalmente.

No novo trabalho, Alice Quillen, professora de astronomia na Universidade de Rochester, e seus colaboradores criaram um modelo matemático do que pode estar a acontecer no centro da Via Láctea. Ao contrário do Sistema Solar
Sistema Solar
O Sistema Solar é constituído pelo Sol e por todos os objectos que lhe estão gravitacionalmente ligados: planetas e suas luas, asteróides, cometas, material interplanetário.
, onde a maior parte da força gravitacional vem do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
e é simples de modelar, o campo gravitacional perto do centro da Galáxia, à volta do qual giram milhões de estrelas, vastas nuvens de poeira e até matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
, é muito mais difícil de descrever. Para este caso, Quillen e seus colegas consideraram as forças agindo sobre as estrelas dentro ou perto da protuberância.

À medida que as estrelas vão girando nas suas órbitas, também se movem para cima ou para baixo do plano da barra. Quando as estrelas cruzam o plano, recebem um pequeno empurrão, tal como uma criança num baloiço. No ponto de ressonância, que é um ponto a uma determinada distância do centro da barra, o período dos impulsos que as estrelas recebem é tal que este efeito é suficientemente forte para fazer com que as estrelas nesse ponto se movam a uma maior altura acima do plano. (Tal como a criança que no baloiço é empurrada um pouco de cada vez e, eventualmente, atinge alturas superiores). Estas estrelas são empurradas para fora da borda do bojo.

A ressonância neste ponto significa que as estrelas passam por duas oscilações verticais em cada período orbital
período orbital
O tempo necessário para que um corpo descreva uma órbita completa e fechada em torno de outro corpo.
. Mas qual é a forma mais provável das órbitas? Os investigadores mostraram, através de simulações de computador, que as órbitas em forma de casca de amendoim estão em concordância com o efeito dessa ressonância e podem dar origem à forma observada do bojo, que também é a de uma casca de amendoim.

No próximo mês, a Agência Espacial Europeia
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
irá lançar a missão Gaia, que foi projectada para criar um mapa 3D das estrelas da Via Láctea e dos seus movimentos. Esse mapa 3D irá ajudar os astrónomos a compreenderem melhor a composição, formação e evolução da nossa galáxia.

"É difícil olhar para o passado da nossa galáxia e saber o que lá estava, mas as simulações podem dar-nos pistas", explicou Quillen. "Usando o meu modelo, vi que, ao longo do tempo, a ressonância na barra, que leva a estas órbitas de forma peculiar, se vai movendo para fora. Pode ser isto o que aconteceu na nossa galáxia."

"A missão Gaia irá gerar enormes quantidades de dados – milhares de milhões de estrelas", disse Quillen. Estes dados permitirão à sua equipa aperfeiçoar ainda mais o modelo, o que poderá levar uma melhor compreensão de como a Via Láctea terá evoluído até à forma que tem hoje.

Quillen explicou que existem diferentes modelos de formação do bojo galáctico
bojo galáctico
O bojo da nossa Galáxia é a região esferoidal que se distribui à volta do centro da nossa Galáxia, num raio de alguns milhares de anos-luz, e é constituído por uma densa população de estrelas cuja composição química é rica em metais, e ainda por grandes concentrações de gás ionizado.
. Os astrónomos estão interessados em saber o quanto a barra tem vindo a abrandar ao longo do tempo e se o bojo se dilatou de uma vez só ou aos poucos. Compreender as distribuições de velocidades e direcções de movimento das estrelas da barra e do bojo pode ajudar a determinar esta evolução.

"Uma das previsões do meu modelo é que há uma nítida diferença nas distribuições de velocidade dentro e fora da ressonância", afirmou Quillen. "Dentro - mais perto do centro da galáxia - o disco deve estar dilatado e as estrelas dessa região terão maiores velocidades verticais. A missão Gaia irá medir os movimentos das estrelas e permitir que olhemos para variações, como estas, nas distribuições de velocidade."

Para ser capaz de gerar um modelo para as órbitas das estrelas do bojo, Quillen necessitou de levar em consideração diferentes variáveis. Primeiro era necessário compreender o que acontece na região de ressonância, a qual depende da velocidade de rotação e da densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
da barra.

"Antes que pudesse modelar as órbitas, precisava da resposta para o que eu achava ser uma pergunta simples: qual é a distribuição de matéria no interior da Galáxia?", explicou Quillen. "Mas isso não era algo que eu pudesse apenas procurar. Felizmente, o meu colaborador Sanjib Sharma foi capaz de dar uma ajuda."

Sharma descobriu como a velocidade das órbitas circulares variava com a distância ao centro galáctico (a chamada curva de rotação). Usando essa informação, Quillen pôde calcular a densidade de massa no local da ressonância, que era o que precisava para seu modelo.

Quillen também foi capaz de combinar os novos modelos de órbita com a velocidade da barra (que está em rotação) para obter uma estimativa mais apurada da densidade de massa a 3000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
do centro da Galáxia (cerca de um oitavo da distância entre o centro da Galáxia e a Terra), que é onde fica a borda do bojo.

E já falta pouco para a missão Gaia iniciar a recolha de dados. O lançamento da missão está marcado para as 9:12 GMT de 19 de Dezembro, e será transmitido ao vivo no Portal da ESA.

Fonte da Notícia: http://www.ras.org.uk/news-and-press/224-news-2013/2358-figures-of-eight-and-peanut-shells-how-stars-move-at-the-centre-of-the-galaxy