Resultados de um exame “post-mortem” à Supernova de Kepler

2013-04-10

Esta composição de imagens do observatório de Chandra mostra o remanescente da supernova de Kepler em raios-X, de baixa energia (vermelho), intermédia (verde) e alta energia (azul). O fundo (óptico) é um campo de estrelas retirado do Digitized Sky Survey. A distância ao objecto é incerta, com estimativas que variam de 13 mil a 23 mil anos-luz, mas estudos recentes favorecem o limite máximo. Esta imagem estende-se por 12 minutos de arco ou cerca de 80 anos-luz à maior distância. Crédito: X-ray: NASA / CXC / NCSU / M.Burkey et al; óptico: DSS.
De acordo com a análise de observações em raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
realizadas através do satélite japonês Suzaku, a estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
cuja explosão foi observada em 1604 pelo astrónomo alemão Johannes Kepler possuiu maior quantidade de elementos pesados que o Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
. Os resultados irão ajudar os astrónomos a entender melhor a diversidade de supernovas de tipo Ia
supernova Tipo Ia
Uma supernova de tipo I que não apresenta no seu espectro riscas espectrais de hidrogénio e de hélio, mas possui fortes riscas espectrais de silício.
, importantes na investigação do Universo profundo.

"A composição da estrela, o ambiente envolvente e o mecanismo da explosão podem variar consideravelmente entre as supernovas
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
de tipo Ia", disse Sangwook Park, professor assistente de física na Universidade do Texas, em Arlington. "Através de uma melhor compreensão, poderemos aperfeiçoar o nosso conhecimento do Universo para lá da nossa Galáxia
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
e melhorar os modelos cosmológicos que dependem dessas medidas."

A melhor maneira de explorar uma estrela é levar a cabo um exame post-mortem ao escudo de gás quente em rápida expansão produzido pela explosão. Ao identificar assinaturas químicas específicas no remanescente de supernova, os astrónomos podem obter uma imagem mais clara da composição da estrela antes de explodir.

"A supernova de Kepler é uma das explosões de tipo Ia mais recentes conhecidas na nossa Galáxia, pelo que desempenha um papel essencial na melhoria do nosso conhecimento destes eventos", disse Carles Badenes, professor assistente de física e astronomia da Universidade de Pittsburgh.

Usando o instrumento XIS (X-ray Imaging Spectrometer) do satélite Suzaku, os astrónomos observaram o remanescente da supernova de Kepler, em 2009 e 2011. Com uma exposição XIS total de mais de duas semanas, o espectro de raios-X revela várias características de emissões ténues de crómio altamente ionizado
ionização
Processo pelo qual um átomo (ou molécula) electricamente neutro ganha ou perde um ou mais electrões, transformando-se num ião.
, manganésio e níquel, além de uma luminosa linha de emissão de ferro. A detecção de todos os quatro elementos foi crucial para a compreensão da composição da estrela original.

"O instrumento XIS do Suzaku é particularmente adequado a este tipo de estudo graças à sua excelente resolução, alta sensibilidade e baixo ruído de fundo", disse Koji Mori, membro da equipa e professor associado de física aplicada da Universidade de Miyazaki, no Japão.

Os cosmólogos consideram as supernovas de tipo Ia "velas padrão" por libertarem quantidades semelhantes de energia. Ao comparar este padrão com o brilho
brilho
O brilho de um astro refere-se à quantidade de luz que dele provém, ou seja, a quantidade de energia por ele emitida por unidade de área por unidade de tempo. Dado que o brilho observado, ou medido, depende da distância ao objecto, distingue-se o brilho aparente (quando medido a uma determinada distância), do brilho intrínseco (conceptualmente medido na supefície do próprio astro).
máximo observado numa supernova de tipo Ia, os astrónomos podem determinar com precisão a sua distância.

A semelhança decorre do facto da estrela que explode ser sempre um remanescente estelar compacto, conhecido como anã branca
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
. Apesar de uma estrela anã branca ser perfeitamente estável individualmente, quando num binário, com outra anã branca ou com uma estrela normal, a situação pode eventualmente tornar-se instável. A estrela normal pode transferir gás para a anã branca, gás que se vai acumulando de forma gradual. Ou, então, num binário de anãs brancas, pode acontecer que as órbitas
órbita
A órbita de um corpo em movimento é a trajectória que o corpo percorre no espaço.
se encurtem até os dois objectos se fundirem.

Seja como for, quando uma anã branca ultrapassa 1,4 vezes a massa do Sol
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
, em breve surgirá uma supernova. Dentro da anã branca, os núcleos de carbono começam a fundir-se, formando elementos mais pesados e libertando uma grande quantidade de energia. Esta onda de fusão nuclear
fusão nuclear
A fusão nuclear é o processo pelo qual as reacções nucleares entre núcleos atómicos leves formam núcleos atómicos mais pesados (até ao elemento ferro). No caso em que os núcleos pertencem a elementos com número atómico pequeno, este processo liberta grandes quantidades de energia. A energia libertada corresponde a uma perda de massa, de acordo com a famosa equação E=mc2 de Einstein. As estrelas geram a sua energia através da fusão nuclear.
propaga-se rapidamente pela estrela acabando, em última análise, por a destruir numa explosão brilhante que pode ser detectada a milhares de milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância.

Os astrónomos podem identificar alguns detalhes da composição da anã branca através da determinação da abundância de certos elementos, como o manganésio, que se formaram durante a explosão. Especificamente, a proporção de manganésio para crómio produzidos pela explosão é sensível à presença de uma variante de néon rica em neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
, o néon-22. Determinar o conteúdo de néon-22 da estrela serve de guia para os cientistas perceberem a abundância de todos os outros elementos mais pesados que o hélio, a que os astrónomos chamam "metais".

Os resultados fornecem fortes evidências de que a anã branca original possuía cerca de três vezes a quantidade de metais
metal
Em Astronomia, todos os elementos químicos de número atómico superior ao do hélio são designados por metais, ou por elementos pesados.
encontrados no Sol. O remanescente, que fica a cerca de 23 mil anos-luz de distância na direcção da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
de Ofiuco, está muito mais próximo da movimentada região central da nossa Galáxia que o Sol. Aí, a formação de estrelas foi talvez mais rápida e eficiente e as sucessivas gerações de estrelas geraram gás interestelar
gás interestelar
O gás interestelar é constituído pelos átomos, moléculas e iões de elementos, ou substâncias, gasosas presentes no meio interestelar.
com proporções crescentes de metais. Como resultado, a estrela que veio a brilhar como supernova de Kepler formou-se provavelmente a partir de material que já tinha sido enriquecido com um teor mais elevado de metais.

Embora os resultados do Suzaku não abordem directamente que tipo de sistema binário desencadeou a supernova, indicam que a anã branca não devia ter mais que mil milhões de anos quando explodiu, menos de um quarto da idade actual do Sol.

"Teorias indicam que a idade da estrela e o teor de metais afectam o pico da luminosidade
luminosidade
A luminosidade (L) é a quantidade de energia que um objecto celeste emite por unidade de tempo e em determinado comprimento de onda, ou em determinada banda de comprimentos de onda.
de supernovas de tipo Ia," explicou Park. "Estrelas mais jovens normalmente produzem explosões mais brilhantes que as mais velhas, e é por isso que perceber as diferentes idades das supernovas do tipo Ia é tão importante."

Em 2011, astrofísicos dos Estados Unidos e da Austrália ganharam o Prémio Nobel de Física pela descoberta de que a expansão do Universo está a acelerar, uma conclusão com base em medições de supernovas do tipo Ia. Uma força enigmática chamada energia escura parece ser responsável por essa aceleração
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
e compreender a sua natureza é agora um objectivo principal da ciência. Descobertas recentes do satélite Planck da Agência Espacial Europeia
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
(ESA) revelam que a energia escura compõe 68 por cento do Universo.

Park, Badenes, Mori e os seus colegas discutem estes resultados num estudo que é publicado na edição de 10 de Abril do The Astrophysical Journal Letters e que está disponível on-line.

Lançado em 10 de Julho de 2005, o Suzaku foi desenvolvido no Instituto Japonês do Espaço e Ciência Astronáutica (ISAS), que faz parte da Agência de Exploração Aeroespacial do Japão (JAXA), em colaboração com a NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
e outras instituições japonesas e dos EUA.

Fonte da Notícia: http://www.nasa.gov/mission_pages/astro-e2/news/post-mortem.html