A Terra pode ter sido atingida por uma explosão de raios gama há 1200 anos

2013-01-24

Impressão artística da fusão de duas estrelas de neutrões. Pensa-se que as fulgurações de raios gama de curta duração são causadas pela fusão de uma combinação de anãs brancas, estrelas de neutrões ou buracos negros. A teoria sugere que a curta duração se deve à pouca poeira e gás, insuficientes para alimentar um brilho remanescente. Crédito: Parte de uma imagem criada pela NASA / Dana Berry.
De acordo com uma nova investigação, liderada pelos astrónomos Valeri Hambaryan e Neuhӓuser Ralph do Instituto de Astrofísica da Universidade de Jena, na Alemanha, uma explosão de raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
, de curta duração, ocorrida a uma distância relativamente pequena, pode ter sido a causa da intensa radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
de alta energia que atingiu a Terra no século 8. Os resultados estão publicados nos Monthly Notices da Royal Astronomical Society.

Em 2012, o cientista Fusa Miyake anunciou a detecção de altos níveis dos isótopos
isótopo
Chamam-se isótopos aos átomos cujos núcleos têm o mesmo número de protões (por isso, são o mesmo elemento químico), mas têm um número diferente de neutrões. O número atómico dos isótopos é igual, mas o número de massa é diferente.
carbono-14 e berílio-10 em anéis de árvores formados no ano 775 DC, o que sugeria que uma explosão de radiação cósmica teria atingido a Terra no ano 774 ou 775 DC. O carbono 14 e o berílio-10 formam-se quando a radiação vinda do espaço colide com átomos
átomo
O átomo é a menor partícula de um dado elemento que tem as propriedades químicas que caracterizam esse mesmo elemento. Os átomos são formados por electrões à volta de um núcleo constituído por protões e neutrões.
de azoto, que depois decaem para estas formas mais pesadas de carbono e berílio. Pesquisas anteriores descartaram a possibilidade da causa ter sido uma explosão de supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
ocorrida nas proximidades, não só por não terem sido encontradas referências alusivas a um fenómeno desse tipo nos registos das observações realizadas na época como também por não terem sido descobertos quaisquer vestígios.

O Prof Miyake considerou ainda a possibilidade da causa ter sido uma tempestade solar, mas os fenómenos deste tipo não são suficientemente poderosos para produzirem o pico observado de carbono-14. As grandes fulgurações
fulguração
Uma fulguração é uma libertação de energia de forma explosiva da qual resulta um aumento rápido do brilho do astro no qual ocorre. São exemplo deste tipo de fenómenos as fulgurações solares, associadas às manchas solares, bem como as fulgurações de raios-X, que ocorrem em estrelas de neutrões, e de raios gama, que se sabe estarem relacionadas com as explosões de supernova.
tendem a ser acompanhada por ejecções de material da coroa solar
coroa solar
A coroa solar é a região mais exterior da atmosfera do Sol, imediatamente acima da cromosfera. É composta por gás pouco denso, a uma temperatura acima de um milhão de graus (1-2x106 K). Este gás estende-se por milhares de quilómetros acima da superfície solar e pode ser observado na luz visível durante os eclipses solares, ou com o auxílio de aparelhos especiais, os coronógrafos.
, que levam ao aparecimento de grandes auroras
aurora
A aurora é a luz emitida pelos iões da atmosfera terrestre, principalmente nos pólos geomagnéticos da Terra, estimulada pelo bombardeamento de partículas de alta energia ejectadas pelo Sol. As auroras aparecem dois dias depois das fulgurações solares, proporcionando um espectáculo de rara beleza, e atingem o seu pico cerca de dois anos depois do máximo de manchas solares. As auroras boreais e austrais são observáveis a latitudes elevadas no hemisfério Norte e hemisfério Sul, respectivamente.
, mas, mais uma vez, os registos históricos não sugerem que estas tenham ocorrido.

Os investigadores debruçaram-se então sobre uma passagem da Crónica Anglo-Saxónica que descreve um "crucifixo vermelho” observado depois do pôr do sol e que poderia ter sido uma supernova. Mas a passagem datava a ocorrência em 776, demasiado tarde para poder ser relacionada com os dados do carbono-14 e, além disso, incapaz de explicar por que não foi detectado nenhum vestígio.

Mas o Dr. Hambaryan e o Dr. Neuhӓuser têm outra explicação que bate certo com as medições de carbono-14 e com a ausência de registos de quaisquer eventos no céu. Assim, eles propõem a ideia de dois objectos estelares compactos (que poderão ter sido buracos negros
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
, estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
ou anãs brancas
anã branca
Uma anã branca, sendo o núcleo exposto de uma gigante vermelha, é uma estrela degenerada muito densa na qual se encontra esgotada qualquer fonte de energia termonuclear. As anãs brancas, que constituem uma fase final da evolução das estrelas de pequena massa, representam cerca de 10 % das estrelas da nossa galáxia, e são por isso muito comuns. O nosso Sol passará um dia pela fase de anã branca, altura em que terá um diâmetro de apenas 10 000 km.
) que sofreram colisão acabando por se fundir. Quando isto acontece, alguma energia é libertada sob a forma de raios gama, a parte mais energética do espectro electromagnético
espectro electromagnético
O espectro electromagnético é a gama completa de comprimentos de onda da radiação electromagnética. Divide-se usualmente nas bandas dos raios gama, raios-X, ultravioleta, visível, infravermelho, submilímetro, milímetro, microondas (comprimentos de onda da ordem do centímetro) e rádio (comprimentos de onda superiores ao metro).
.

Nestas fusões, a fulguração de raios gama
fulguração de raios gama
Uma fulguração de raios gama é uma potentíssima explosão, com consequente libertação de fotões gama, que ocorre em direcções aleatórias no céu. Descobertas acidentalmente nos anos 1960, sabe-se que algumas delas estão associadas a um tipo particular de supernovas, as explosões que marcam o fim da vida de uma estrela de massa elevada.
é intensa, mas curta, geralmente com uma duração inferior a dois segundos. Estes eventos são observados noutras galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
muitas vezes por ano, mas, ao contrário das fulgurações de longa duração, não apresentam qualquer luz visível
radiação visível
A radiação visível é a região do espectro electromagnético que os nossos olhos detectam, compreendida entre os comprimentos de onda de 350 e 700 nm (frequências entre 4,3 e 7,5x1014Hz). Os nossos olhos distinguem luz visível de frequências diferentes, desde a luz violeta (radiação com comprimentos de onda ~ 400 nm), até à luz vermelha (com comprimentos de onda ~ 700 nm), passando pelo azul, anil, verde, amarelo e laranja.
. Se esta for a explicação para a radiação que atingiu a Terra em 774/775, então as estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que se fundiram não podiam estar a uma distância inferior a 3000 anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
, ou o fenómeno teria conduzido à extinção de alguma vida terrestre. Com base nas medições de carbono-14, Hambaryan e Neuhӓuser acreditam que a explosão de raios gama teve origem num sistema situado a uma distância compreendida entre os 3000 e os 12000 anos-luz do Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
.

Se os investigadores estiverem certos, então esta hipótese pode explicar porque não existem registos de uma supernova ou de auroras na época em questão.

Outro trabalho sugere ainda que uma pequena quantidade de luz visível é emitida durante explosões curtas de raios gama e que pode ser observada num evento ocorrido relativamente perto. A observação é possível apenas por alguns dias e logo se perde, mas, ainda assim, pode ser um dado importante para levar os historiadores a olharem novamente para os textos da altura.

Os astrónomos também podem procurar o objecto resultante da fusão
fusão
1- passagem do estado sólido ao líquido, por efeito do calor; 2- junção, união.
, um velho buraco negro de 1200 anos ou uma estrela de neutrões
neutrão
Partícula que, juntamente com o protão, constitui os núcleos atómicos. Exceptuando o hidrogénio, todos os átomos têm neutrões, e é o número de neutrões que determina o isótopo de determinado elemento químico. Os neutrões têm carga eléctrica neutra. Os neutrões são formados por três quarks (dois "d" e um "u"), são bariões (e hadrões) e o seu spin é um número semi-inteiro. Os neutrões livres declinam por decaímento beta, com um tempo de semi-vida de 10,8 minutos, originando um protão, um electrão e um neutrino. No núcleo atómico, o neutrão é tão estável quanto o protão.
a 3000-12000 anos-luz do Sol, mas sem o gás e poeira característicos de um remanescente de supernova.

O Dr. Neuhӓuser comenta: "Se a explosão de raios gama tivesse ocorrido muito mais perto da Terra teria causado danos significativos na biosfera. Mas até mesmo a milhares de anos-luz de distância, um evento similar poderia hoje causar estragos nos sistemas electrónicos sensíveis de que as sociedades avançadas passaram a depender. Agora, o desafio é estabelecer o quão raros são tais picos de carbono-14, ou seja, quantas vezes tais jactos de radiação atingiram a Terra. Nos últimos 3000 anos, a idade máxima das árvores que se encontram vivas, apenas um evento parece ter ocorrido."

Fonte da notícia: http://www.ras.org.uk/news-and-press/224-news-2013/2215-did-an-8th-century-gamma-ray-burst-irradiate-the-earth