Filamento de Matéria Escura estudado pela primeira vez em 3D

2012-10-17

Uma imagem do enxame de galáxias MACS J0717.5+3745, com um mapa do filamento de matéria escura associado sobreposto em azul. Crédito: NASA, ESA, Harald Ebeling (Universidade do Havai em Manoa) e Jean-Paul Kneib (LAM).
Astrónomos, usando o Telescópio Espacial Hubble
Hubble Space Telescope (HST)
O Telescópio Espacial Hubble é um telescópio espacial que foi colocado em órbita da Terra em 1990 pela NASA, em colaboração com a ESA. A sua posição acima da atmosfera terrestre permite-lhe observar os objectos astronómicos com uma qualidade ímpar.
, estudaram, pela primeira vez, em 3D, um filamento gigante de matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
. Estendendo-se por 60 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
a partir de um dos enxames de galáxias
enxame de galáxias
Um enxame, ou aglomerado, de galáxias é um conjunto de galáxias gravitacionalmente ligadas. A Via Láctea pertence ao aglomerado chamado Grupo Local de galáxias. O enxame de galáxias mais próximo de nós é o Enxame da Virgem.
de maior massa
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
conhecidos, o filamento é parte da rede cósmica que constitui a estrutura em larga escala do Universo, e um remanescente dos primeiros momentos após o Big Bang. Se a massa elevada medida para o filamento for representativa do que se passa no resto do Universo, então, estas estruturas poderão conter mais de metade de toda a massa do Universo. Os cientistas apresentam o seu trabalho num artigo na Monthly Notices da Royal Astronomical Society .

A teoria do Big Bang prevê que a as variações na densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
de matéria ocorridas nos primeiros momentos do Universo levaram o volume de matéria no cosmos
Cosmos
O conjunto de tudo quanto existiu, existe e alguma vez existirá. A larga escala, o Universo parece ser isotrópico e homogéneo.
a condensar-se numa rede de filamentos emaranhados. Esta teoria é apoiada por simulações da evolução cósmica realizadas em computador, que sugerem que a estrutura do Universo é semelhante à de uma rede, com longos filamentos que se ligam uns aos outros nos locais onde existem enxames de galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
de grande massa. No entanto, estes filamentos, embora vastos, são constituídos principalmente por matéria escura, incrivelmente difícil de observar.

A primeira identificação credível de uma secção de um destes filamentos foi obtida no início deste ano. Agora, uma equipa de astrónomos conseguiu ir mais longe, analisando a estrutura de um filamento em três dimensões. A observação de um filamento em 3D elimina muitos dos erros que resultam do estudo no plano de uma imagem de tal estrutura.

"Os filamentos da rede cósmica são extremamente vastos e muito difusos, o que os torna extremamente difíceis de detectar e de estudar em 3D", diz Mathilde Jauzac (LAM, França e Universidade de KwaZulu-Natal, África do Sul), principal autora do estudo.

A equipa combinou imagens de alta resolução da região ao redor do enxame de galáxias de grande massa MACS J0717.5+3745 (ou MAC J0717), tomadas usando o Hubble, o Telescópio Subaru
Subaru Telescope
O Telescópio Subaru é um telescópio óptico e de infravermelhos, com um espelho de 8,2 m de diâmetro. O Subaru encontra-se no Observatório de Mauna Kea, no Havai, e é operado pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão – NAOJ e pelo Instituto Nacional de Ciências Naturais.
e o Telescópio do Canadá-França-Havai, com dados espectroscópicos das galáxias do enxame obtidos a partir do Observatório WM Keck e do Observatório Gemini
Observatório Gemini
O Observatório Gemini é constituído por dois telescópios idênticos de 8,1 metros, um no Observatório de Mauna Kea, no Havai (Gemini Norte) e outro no Cerro Pachón, no Chile (Gemini Sul). As localizações estratégicas dos telescópios providenciam uma cobertura total do céu do Norte e do Sul. O Gemini é um consórcio internacional entre os Estados Unidos da América, o Reino Unido, o Canadá, o Chile, a Austrália, a Argentina e o Brasil, e é operado pela AURA.
. Analisando em conjunto estas observações obtiveram o modelo completo da forma do filamento, que se estende a partir do enxame de galáxias quase ao longo da nossa linha de visão.

A receita que a equipa seguiu para estudar o vasto mas difuso filamento combina vários ingredientes cruciais:

Primeiro ingrediente: um alvo promissor. As teorias da evolução cósmica sugerem que os enxames de galáxias se formam onde os filamentos da rede cósmica se encontram, com os filamentos a canalizarem lentamente a matéria para os enxames. "Do nosso trabalho anterior no MAC J0717, sabíamos que este enxame está a crescer activamente, e que, por isso, seria um alvo primordial para um estudo detalhado da rede cósmica", explica o co-autor Harald Ebeling (Universidade do Havai em Manoa, EUA), que liderou a equipa que descobriu o MAC J0717 há quase uma década.

Segundo ingrediente: técnicas avançadas de lente gravitacional
efeito de lente gravitacional
O efeito de lente gravitacional consiste na deflexão da luz provocada pelo campo gravitacional muito forte de um objecto que se encontra entre o observador e a fonte de luz. Por exemplo, uma galáxia, ou um enxame de galáxias, que se encontre entre nós e um objecto astronómico muito distante, como um quasar, pode actuar como uma lente gravitacional. Tipicamente, o efeito de lente gravitacional faz com que se observe, numa única fotografia, mais do que uma imagem do mesmo objecto.
. A famosa teoria da relatividade geral
Teoria da Relatividade Geral
A Teoria da Relatividade Geral foi formulada por Albert Einstein em 1916 como expansão da Teoria da Relatividade Restrita (formulada em 1905) de forma a incluir o efeito da gravitação no espaço-tempo. Esta teoria propõe que o espaço-tempo é uma estrutura quadri-dimensional cuja curvatura é determinada pela presença de matéria. Neste sentido, a gravitação manifesta-se como curvatura do espaço-tempo, e não como uma força entre duas massas.
de Albert Einstein
Albert Einstein
(1879-1955). Albert Einstein nasceu em Ulm, na Alemanha. Como físico teórico, revolucionou a nossa compreensão do Universo. A sua contribuição para o avanço da Física Moderna foi única. Doutorou-se em 1905 pela Universidade de Zurique (Suíça), no mesmo ano em que interpretou o efeito fotoeléctrico, o movimento browniano, e lançou a Teoria da Relatividade Restrita. Publicou em 1916 a sua Teoria da Relatividade Geral e foi galardoado com o Prémio Nobel da Física em 1921.
diz que o percurso da luz é deflectido quando passa através ou perto de objectos com grande massa. Os filamentos da rede cósmica são em grande parte compostos por matéria escura, que não pode ser observada directamente, mas que possui massa suficiente para desviar a luz e distorcer as imagens de galáxias existentes no plano de fundo, num processo ao qual se dá o nome de lente gravitacional. A equipa desenvolveu novas ferramentas para converter as distorções de imagem num mapa da massa.

Terceiro ingrediente: imagens de alta resolução. A lente gravitacional é um fenómeno subtil que para ser estudado precisa de imagens detalhadas. As observações do Hubble permitiram à equipa estudar a deformação precisa nas formas de inúmeras galáxias com lentes, o que, por sua vez, permitiu revelar a localização do filamento escondido de matéria escura. "O desafio", explica o co-autor Jean-Paul Kneib (LAM, França), "era encontrar um modelo da forma do enxame que encaixasse em todas as características de lente que observámos."

Finalmente: medições de distâncias e movimentos. As observações do enxame realizadas pelo Hubble fornecem o melhor mapa bidimensional conseguido de um filamento, mas, para se obter a sua forma em 3D, foram necessárias observações adicionais. Imagens a cores, bem como velocidades de galáxias medidas com espectrómetros
espectrómetro
O espectrómetro é um instrumento cuja função é medir os comprimentos de onda de um determinado espectro de luz, permitindo identificar as espécies químicas responsáveis pelas riscas existentes nesse espectro.
, dados do Subaru, CFHT, WM Keck e dos telescópios Gemini Norte (todos em Mauna Kea, Havai) permitiram à equipa localizar milhares de galáxias dentro do filamento e detectar os movimentos de muitas delas.

Foi construído um modelo que combinou informação posicionai e de velocidade de todas estas galáxias e que depois revelou a forma em 3D e a orientação da estrutura filamentar. Como resultado, a equipa foi capaz de medir as propriedades reais desta estrutura filamentosa virtual sem as incertezas que resultariam de projectar a estrutura em duas dimensões, como é comum fazer-se em análises deste tipo.

Os resultados obtidos vão além dos limites de previsões feitas através do trabalho teórico e de simulações numéricas da rede cósmica. Com um comprimento de pelo menos 60 milhões de anos-luz, o filamento MAC J0717 é algo extremo, mesmo em escalas astronómicas. E se o conteúdo de massa que foi medido pela equipa puder ser tomado como representativo da massa de filamentos próximos a enxames gigantes, então, estas ligações difusas entre os nós da rede cósmica devem conter ainda mais massa (sob a forma de matéria escura) do que aquela que os teóricos previram. Tamanha quantidade indica que mais de metade de toda a massa do Universo poderá estar escondida nestas estruturas.

O Telescópio Espacial James Webb (NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/ ESA
European Space Agency (ESA)
A Agência Espacial Europeia foi fundada em 1975 e actualmente conta com 15 países membros, incluindo Portugal.
/ CSA), com lançamento previsto para 2018, será, graças à sua muito maior sensibilidade, uma ferramenta poderosa para a detecção de filamentos na rede cósmica.

Fonte da notícia: http://www.ras.org.uk/news-and-press/219-news-2012/2179-dark-matter-filament-studied-in-3d-for-the-first-time