Usando inteligência artificial para mapear o universo

2012-10-01

Imagem de uma fatia do Universo local, com 370 milhões de anos luz de lado. Os círculos vermelhos marcam as posições das galáxias observadas no levantamento 2MRS, que mediu as posições e distâncias de mais de 45 mil galáxias. Os círculos azuis são pontos aleatórios (galáxias) inseridos para suavizar o mapa ao longo da zona imprecisa, onde o gás e poeira da nossa galáxia bloqueiam a visão de objectos mais distantes. Estes dados são sobrepostos ao fundo claro e escuro da rede cósmica de galáxias, modelada por Kitaura et al, utilizando um algoritmo de inteligência artificial. Crédito: Francisco Kitaura, Leibniz Institute for Astrophysics, Potsdam.
Astrónomos na Alemanha desenvolveram um algoritmo de inteligência artificial para ajudar a traçar e a explicar a estrutura e a dinâmica do Universo local, à nossa volta, com uma precisão sem precedentes. A equipa, liderada por Francisco Kitaura do Instituto Leibniz para a Astrofísica, em Potsdam, relata os seus resultados na Monthly Notices da Royal Astronomical Society.

Os cientistas usam habitualmente grandes telescópios para varrer o céu, mapear as coordenadas e estimar as distâncias de centenas de milhares de galáxias
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
o que lhes permite criar o mapa da estrutura de larga escala do Universo. Mas a distribuição que os astrónomos observam é intrigante e difícil de explicar, com as galáxias a formarem uma complexa “rede cósmica” mostrando enxames, filamentos que os ligam e grandes regiões vazias entre eles.

A força motriz para uma estrutura tão rica é a gravitação. Esta força tem origem a partir de duas componentes: a primeira está relacionada com os 5% do Universo constituídos pela matéria "normal", que compõe as estrelas
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
, os planetas
planeta
Um planeta é um objecto que se forma no disco que circunda uma estrela em formação e cuja massa é superior à de Plutão (1/500 da massa da Terra) e inferior a 10 vezes a massa de Júpiter. Ao contrário das estrelas, os planetas não produzem luz, apenas reflectem a luz da estrela que orbitam.
, a poeira e o gás que podemos ver; a segunda relaciona-se com os 23% de matéria escura
matéria escura
A matéria escura é matéria que não emite luz e por isso não pode ser observada directamente, mas cuja existência é inferida pela sua influência gravitacional na matéria luminosa, ou prevista por certas teorias. Por exemplo, os astrónomos acreditam que as regiões mais exteriores das galáxias, incluindo a Via Láctea, têm de possuir matéria escura devido às observações do movimento das estrelas. A Teoria Inflacionária do Universo prevê que o Universo tem uma densidade elevada, o que só pode ser verdade se existir matéria escura. Não se sabe ao certo o que constitui a matéria escura: poderão ser partículas subatómicas, buracos negros, estrelas de muito baixa luminosidade, ou mesmo uma combinação de vários destes ou outros objectos.
invisível. Os restantes 72% do cosmos
Cosmos
O conjunto de tudo quanto existiu, existe e alguma vez existirá. A larga escala, o Universo parece ser isotrópico e homogéneo.
são formados pela misteriosa “energia escura" que, em vez de exercer uma força gravitacional, se julga ser responsável pela aceleração
aceleração
A aceleração é a taxa de variação da velocidade de um corpo com o tempo.
da expansão do Universo. Juntas, estas três componentes estão descritas no modelo do cosmos Lambda Cold Dark Matter (LCDM), o ponto de partida para o trabalho da equipa de Potsdam.

As medidas do calor
calor
O calor é energia em trânsito entre dois corpos ou sistemas.
residual do Big Bang - a chamada radiação
radiação electromagnética
A radiação electromagnética, ou luz, pode ser considerada como composta por partículas (os fotões) ou ondas. As suas propriedades dependem do comprimento de onda: ondas ou fotões com comprimentos de onda mais longos traduzem radiação menos energética. A radiação electromagnética, ou luz, é usualmente descrita como um conjunto de bandas de radiação, como por exemplo o infravermelho, o rádio ou os raios-X.
cósmica de fundo, ou CMBR, emitida há 13700 milhões anos - permitem aos astrónomos determinar o movimento do Grupo Local
Grupo Local de galáxias
O Grupo Local de galáxias é o enxame de galáxias a que a Via Láctea pertence. É um enxame pequeno, constituído por duas galáxias espirais grandes - Andrómeda e a Via Láctea - e por mais de quarenta pequenas galáxias, muitas só descobertas recentemente.
, o enxame de galáxias
enxame de galáxias
Um enxame, ou aglomerado, de galáxias é um conjunto de galáxias gravitacionalmente ligadas. A Via Láctea pertence ao aglomerado chamado Grupo Local de galáxias. O enxame de galáxias mais próximo de nós é o Enxame da Virgem.
que inclui a Via Láctea
Via Láctea
A Via Láctea é a galáxia de que faz parte o nosso Sistema Solar. Trata-se de uma galáxia espiral gigante, com um diâmetro de cerca de 160 mil anos-luz e uma massa da ordem de 100 mil milhões de vezes a massa do Sol.
. Os astrónomos tentam conciliar esse movimento com o previsto pela distribuição de matéria à nossa volta e a força gravitacional associada, mas o esforço fica comprometido pela dificuldade em mapear a matéria escura na mesma região.

"Encontrar a distribuição de matéria escura correspondente a um catálogo de galáxias é como tentar fazer um mapa geográfico da Europa a partir de uma imagem de satélite obtida durante a noite, que só mostra a luz que vem de densas áreas habitadas", diz o Dr. Kitaura.

Para tentar resolver este problema, desenvolveu-se um novo algoritmo com base em inteligência artificial. O algoritmo parte das flutuações na densidade
densidade
Em Astrofísica, densidade é o mesmo que massa volúmica: é a massa por unidade de volume.
do Universo observadas na CMBR e depois modela a forma como a matéria sofreu colapso, formando as galáxias actuais, durante os 13 mil milhões de anos seguintes. Os resultados do algoritmo ajustam-se bastante bem à distribuição e movimento de galáxias observados.

"Os nossos cálculos precisos mostram que a direcção do movimento e 80% da velocidade das galáxias que compõem o Grupo Local podem ser explicados pelas forças gravitacionais que surgem a partir da matéria até 370 milhões de anos luz de distância” comenta o Dr. Kitaura. “Por exemplo, a galáxia de Andrómeda
M31 (NGC 224) - Galáxia de Andrómeda
M31 é a galáxia de Andrómeda, a maior galáxia do chamado Grupo Local de galáxias. É uma galáxia espiral gigante, situada a uma distância de 2,4 milhões de anos-luz.
, o maior membro do Grupo Local, está a uns meros 2,5 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância, por isso estamos a ver como a distribuição de matéria a grandes distâncias afecta as galáxias muito mais próximas.”

"Os nossos resultados também estão em concordância com as previsões do modelo LCDM. Para explicar os restantes 20% da velocidade, é preciso considerar a influência da matéria até cerca de 460 milhões de anos luz de distância, mas, de momento, a uma distância tão grande, os dados são menos fiáveis.”

“Apesar desta ressalva, o nosso modelo é um grande passo em frente. Com a ajuda de Inteligência Artificial, podemos agora modelar o Universo à nossa volta com uma precisão sem precedentes e estudar como surgiram as maiores estruturas do cosmos."

Fonte da notícia: http://www.ras.org.uk/news-and-press/219-news-2012/2171-using-artificial-intelligence-to-chart-the-universe