Uma Explosão Silenciosa

2008-08-27

A galáxia NGC 2770 com as suas 2 supernovas: 2007uy e SN 2008D. Crédito: ESO.
Uma equipe de astrónomos europeus fez recentemente uma descoberta muito invulgar sobre a supernova
supernova
Uma supernova é a explosão de uma estrela no final da sua vida. As explosões de supernova são de tal forma violentas e luminosas que o seu brilho pode ultrapassar o brilho de uma galáxia inteira. Existem dois tipos principais de supernova: as supernovas Tipo Ia, que resultam da explosão duma estrela anã branca que, no seio de um sistema binário, rouba matéria da estrela companheira até a sua massa atingir o limite de Chandrasekhar e então colapsa; e as supernovas Tipo II, que resultam da explosão de uma estrela isolada de massa elevada (com massa superior a cerca de 4 vezes a massa do Sol) que esgotou o seu combustível nuclear e expeliu as suas camadas externas, restando apenas um objecto compacto (uma estrela de neutrões ou um buraco negro).
SN 2008D: ao contrário do que seria de esperar para este tipo de objectos, a estrela
estrela
Uma estrela é um objecto celeste gasoso que gera energia no seu núcleo através de reacções de fusão nuclear. Para que tal possa suceder, é necessário que o objecto possua uma massa superior a 8% da massa do Sol. Existem vários tipos de estrelas, de acordo com as suas temperaturas efectivas, cores, idades e composição química.
que lhe deu origem colapsou num buraco negro
buraco negro
Um buraco negro é um objecto cuja gravidade é tão forte que a sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Em Astronomia, distinguem-se dois tipos de buraco negro: os buracos negros estelares, que resultam da morte de uma estrela de massa elevada, e os buracos negros galácticos, que existem no centro das galáxias activas.
, emitindo jactos extremamente energéticos e dotados de grande velocidade. Este fenómeno costuma ser observado em explosões muito mais violentas, geralmente detectadas em raios gama
raios gama
Os raios gama são a componente mais energética e mais penetrante de toda a radiação electromagnética. Os fotões gama possuem energias elevadíssimas, tipicamente superiores a 10 keV, às quais correspondem comprimentos de onda inferiores a umas décimas do Ångstrom. Este tipo de radiação é, por exemplo, emitido espontaneamente por núcleos atómicos de algumas substâncias radioactivas.
. Por esse motivo, a supernova em questão tornou-se num foco importantíssimo no estudo das explosões mais energéticas que ocorrem no Universo.

As estrelas que "nascem" com massas
massa
A massa é uma medida da quantidade de matéria de um dado corpo.
8 vezes superiores à do nosso Sol
Sol
O Sol é a estrela nossa vizinha, que se encontra no centro do Sistema Solar. Trata-se de uma estrela anã adulta (dita da sequência principal) de classe espectral G. A temperatura na sua superfície é aproximadamente 5800 graus centígrados e o seu raio atinge os 700 mil quilómetros.
têm vidas muito mais curtas do que as restantes, e quando "morrem" as suas camadas exteriores explodem sob a forma de um espectacular fogo de artifício cósmico. Entretanto, o que resta do interior da estrela colapsa, dando origem aos objectos mais densos que se conhecem no Universo - estrelas de neutrões
estrela de neutrões
Uma estrela de neutrões é o remanescente de uma estrela de massa elevada que explodiu como supernova. Trata-se de um objecto muito compacto constituído essencialmente por neutrões, com apenas cerca de 10 a 20 km de diâmetro, uma densidade média entre 1013 e 1015 g/cm3, uma temperatura central de 109 graus e um intenso campo magnético de 1012 gauss.
e/ou buracos negros. No momento da sua explosão, algumas das estrelas de maior massa emitem luz a altíssimas energias, em raios-X
raios-X
A radiação X é a radiação electromagnética cujo comprimento de onda está compreendido entre o ultravioleta e os raios gama, ou seja, pertence ao intervalo de aproximadamente 0,1 Å a 100 Å. Descobertos em 1895, os raios-X tambêm são, por vezes, chamados de raios de Röntgen em homenagem ao seu descobridor. A radiação X é altamente penetrante, o que a torna muito útil, por exemplo, para obter radiografias.
e raios gama. A este tipo de explosões damos o nome de "supernova".

A descoberta da supernova SN 2008D foi parcialmente baseada em observações efectuadas com o Very Large Telescope
Very Large Telescope (VLT)
O Very Large Telescope é um observatório operado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO) e localizado no Cerro Paranal, no deserto de Atacama, no Chile. O VLT é composto por 4 telescópios de 8,2 m de diâmetro que podem trabalhar simultaneamente, constituindo um interferómetro óptico, ou independentemente.
(VLT) da European Southern Observatories (ESO
European Southern Observatory (ESO)
O Observatório Europeu do Sul é uma organização europeia de Astronomia para o estudo do céu austral fundada em 1962. Conta actualmente com a participação de 10 países europeus e ainda do Chile. Portugal tornou-se membro do ESO em 1 de Janeiro de 2001, no seguimento de um acordo de cooperação que durou cerca de 10 anos.
). No passado dia 9 de Janeiro de 2008, o telescópio Swift
Swift Gamma-ray Burst Explorer
O observatório espacial Swift é uma missão da NASA em colaboração com outros países, lançada em Novembro de 2004 e com uma duração prevista de 2 anos. O objectivo é estudar as fulgurações de raios gama em vários comprimentos de onda. Para tal, conta com três instrumentos: o Burst Alert Telescope (BAT), que monitoriza o céu em raios gama à procura das fulgurações, o telescópio de raios-X XRT e o telescópio óptico e ultravioleta UVOT.
da NASA
National Aeronautics and Space Administration (NASA)
Entidade norte-americana, fundada em 1958, que gere e executa os programas espaciais dos Estados Unidos da América.
/STFC/ASI detectou uma forte e longa explosão em raios-X proveniente da galáxia
galáxia
Um vasto conjunto de estrelas, nebulosas, gás e poeira interestelar gravitacionalmente ligados. As galáxias classificam-se em três categorias principais: espirais, elípticas e irregulares.
espiral NGC 2770 (a 90 milhões de anos-luz
ano-luz (al)
O ano-luz (al) é uma unidade de distância igual a 9,467305 x 1012 km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.
de distância, na direcção da constelação
constelação
Designa-se por constelação cada uma das 88 regiões em que se divide a abóbada celeste, por convenção de 1922.
Lynx). A explosão chegou a durar cerca de 5 minutos.

O Swift tinha como missão estudar uma outra supernova que aparecera no ano anterior na mesma galáxia. Foi portanto por acidente que descobriu que a forte emissão de raios-X que detectara provinha de uma outra supernova "vizinha", que passou então a ser conhecida por SN 2008D.

Uma equipe de cientistas formada por astrofísicos do Istituto Nazionale di Astrofisica (INAF), do Max-Planck Institute for Astrophysics (MPA) e de muitos outros institutos europeus observaram a SN 2008D ao pormenor. A equipe foi liderada pelo Doutor Paolo Mazzali, que trabalha no Observatório de Pádua do INAF e também no MPA.

"O mais interessante desta descoberta," diz o Doutor Mazzali, "é que o sinal que detectámos em raios-X era bastante ténue e fraco, muito diferente do que estamos habituados a observar nas explosões de raios-gama ditas "normais" e mais próximo daquilo que seria de esperar numa supernova comum."

Logo após a descoberta deste objecto, esta equipe de astrofísicos estudou-a a partir do Observatório de Asiago, no norte de Itália, e classificou-a como sendo uma supernova de tipo Ic
supernova Tipo Ic
Uma supernova de tipo I que no seu espectro não apresenta riscas espectrais de hidrogénio, de hélio, nem de silício.
.

"Tratam-se de supernovas que se formaram a partir de estrelas que perderam as suas camadas exteriores ricas em hidrogénio e hélio antes de explodir", explica o Doutor Mazzali. "São também as únicas supernovas que podem ser associadas a (longas) explosões de raios-gama. Este objecto torna-se por isso ainda mais interessante!"

No início deste ano, uma outra equipe de astrónomos publicou um artigo na revista "Nature" em que se referiam à SN 2008D como sendo uma supernova "normal". Também eles detectaram a emissão em raios-X, mas justificaram-na com a sorte de terem observado a estrela no momento preciso em que ela explodira. Se fosse esse o caso, diga-se de passagem, teria sido a primeira vez que tal teria acontecido.

Mas o Doutor Mazzali e a sua equipe não pensam do mesmo modo. "As nossas observações e os nossos modelos mostram que este é um fenómeno muito raro, e como tal pensamos que se trata de um objecto intermédio entre uma supernova normal e uma explosão de raios-gama."

A sua equipe de cientistas montou então uma campanha de observação para acompanhar a evolução da supernova. Para isso usaram não só telescópios italianos como também os da ESO, de forma a obter a maior quantidade possível de dados. Desde logo ficou claro que estavam a observar um fenómeno altamente energético, embora não tão potente quanto o de uma explosão de raios-gama. Contudo, após alguns dias, o espectro da supernova começou a mudar: o aparecimento de linhas de hélio provou que a estrela progenitora não estava tão desprovida das suas camadas exteriores como seria de esperar em supernovas associadas a explosões de raios gama.

Ao longo dos anos, o Doutor Mazzali e o seu grupo criaram modelos teóricos que lhes permitem analisar as propriedades das supernovas. Quando os aplicaram à SN 2008D, esses modelos indicaram que a estrela progenitora teria pelo menos 30 vezes a massa do nosso Sol no início da sua vida; mas que teria perdido tanto gás que pela altura da explosão a sua massa ter-se-ia reduzido a apenas 8-10 massas solares
massa solar
Massa solar é a quantidade de massa existente no Sol e, simultaneamente, a unidade na qual os astrónomos exprimem as massas das estrelas, nebulosas e galáxias. Uma massa solar é igual a 1,989x1030 kg.
. Hoje em dia sabemos que o colapso de tal estrela origina um buraco negro.

"Como as quantidades de matéria e de energia envolvidas são inferiores àquelas detectadas em qualquer supernova relacionada com explosões de raios-gama, pensamos que o colapso da estrela terá provocado a emissão de um jacto fraco; e que a presença da camada de hélio terá por sua vez impossibilitado o jacto de permanecer colimado, o que explicaria o facto de ter um sinal tão fraco ao emergir da superfície da estrela," diz o Doutor Massimo Della Valle.

"O cenário que propomos implica a existência de determinado tipo de actividade no interior da estrela que provoca explosões de raios gama em todas as supernovas que dão origem a buracos negros," acrescenta o Doutor Stefano Valenti.

"À medida que os nossos instrumentos de detecção em raios-X e raios gama avançam tecnologicamente, nós vamos conseguindo desvendar cada vez mais as diversas propriedades das explosões estelares," explica o Doutor Guido Chincarini, o maior especialista italiano em explosões de raios-gama. "As explosões mais intensas foram as mais fáceis de detectar, e agora atingimos um patamar em que estamos a observar variações num tema que liga estes fenómenos particulares aos mais comuns."

Contudo, estas são descobertas muito importantes, dado que nos ajudam a perceber melhor como morrem as estrelas de maior massa, dando origem a objectos muito densos, e injectando novos elementos químicos
elemento químico
Elemento composto por um único tipo de átomos. Os elementos químicos constituem a Tabela Periódica.
nas nuvens de gás a partir das quais novas estrelas serão formadas.

Noticia original em: http://www.eso.org/public/outreach/press-rel/pr-2008/pr-23-08.html